domingo, 28 de fevereiro de 2021

Como se o confinamento fosse a cura

Há apenas quatro dias, a 24 de fevereiro, Jorge Buescu considerou que a reabertura das escolas é «mais do que imprudência, é quase procurar problemas sérios», advertindo para ser «quase garantido que poderá haver uma quarta vaga» com um Rt (índice de transmissão) de 0,98. Repito, estas declarações têm apenas quatro dias, quando o ritmo abrupto de descida dos diferentes indicadores, desde o pico de janeiro, não é de hoje e não deixa margem para dúvidas quanto à melhoria da situação pandémica em Portugal.

É consensual, de facto, que as metas adiantadas como condição para desconfinar serão atingidas já em meados de março, fazendo por isso bem o Governo em anunciar o plano de desconfinamento no próximo dia 11, começando evidentemente pelas escolas. Um exercício simples - que não pretende constituir-se como «projeção» nem «modelo» - a partir da média de variações entre 20 e 26 de fevereiro, sugere que antes ao final de março se chegaria a zero em vários indicadores (ver gráfico). Chegaria, claro, porque todos estes exercícios tendem a ser rígidos (ou especulativos) nos seus pressupostos, lidando mal com a complexidade de fatores e com a própria dinâmica da realidade.


Recorde-se, já agora, que o Jorge Buescu que por estes dias clama contra o desconfinamento e a reabertura das escolas, é o mesmo matemático que, no início da pandemia, avançava com projeções dantescas - sempre tão apetitosas para o sensacionalismo de alguma imprensa - sobre a evolução da mesma em março do ano passado (pouco depois de ter dito que era preciso «acabar de vez com o vírus da corono-histeria»).

De acordo com uma projeção sua então publicada no Expresso, Portugal poderia atingir, no final de março de 2020, 60 mil casos de contágio (sem adoção de medidas); cerca de 19 mil casos (seguindo a estratégia francesa); ou cerca de 4 mil casos (adotando a estratégia italiana, mais severa).

Numa projeção posterior, publicada no Observador a 15 de março (gráfico aqui ao lado), o matemático mantinha apenas os dois primeiros cenários, entendendo que «o cenário "à italiana"» estava já fora de questão, uma vez que o país deveria «ter tomado as medidas italianas há uma semana». Curiosamente, foi deste cenário rejeitado que a realidade mais se aproximou, com cerca de 4 mil casos no final do mês.

Voltando a 2021, vale a pena sublinhar que a descida abrupta dos diferentes indicadores, desde o pico de janeiro, tem paralelo na subida vertiginosa registada depois de 25 de dezembro, reforçando a hipótese da particular - e episódica - conjugação de factores adversos no Natal, a começar pelo relaxamento das restrições face às celebrações da época. E não, como muitas vezes ainda se considera, o resultado de um suposto efeito da ausência de confinamento em outubro ou novembro, numa espécie de lógica endémica da pandemia, em que assentam modelos fechados sobre si mesmos e, por isso, propensos ao medo e alarmismo. Como se o confinamento, total e obsessivo, e não a vacina, fosse a cura. Aliás, desse ponto de vista, mais importante que confinar ou desconfinar nas semanas que antecedem a Páscoa, será talvez preciso acautelar devidamente o fim-de-semana da própria Páscoa.

4 comentários:

Jorge disse...

O Jorge Buescu é o nosso Neil Fergunson de estimação.

Anónimo disse...

O Buescu tem tido uma intervenção errática e errada desde o início. A quantidade de "previsões" furadas é praticamente ao ritmo a que abre a boca. Hoje custa a acreditar, mas começou, de facto, por denunciar a "corona-histeria"; veja-se a reprodução da sua primeira manifestação, por exemplo, aqui:

https://www.ovarnews.pt/para-acabar-de-vez-com-o-virus-da-coronahisteria/

Lúcio Ferro disse...

Este texto assenta numa falácia. Parte das posições assumidas por um matemático que em matéria de pandemia tem sido tudo menos consensual, para se atacar o confinamento e por inerência as pessoas de diversas áreas e quadrantes que o defendem e o implementam. A questão, como bem sabemos, é totalmente diferente. Radica na necessidade de se conter o desastre que estava a suceder no SNS e de se propiciarem condições para um maio e um verão bons, algo que implica muita precaução e cautela na reabertura, a qual, do meu ponto de vista, não deve ser intentada, tal como diz o PR, antes de Abril. Antes disso, qualquer reabertura é um convite ao desastre. O SNS tem de descansar (conseguem imaginar o desgaste e a pressão a que os profissionais do setor têm sido sujeitos?); é preciso tratar todos os não-covid quando, a partir de agora e na primavera, o SNS tiver uma aberta; é preciso ter um plano sistemático e rigoroso de reabertura faseada e de mecanismos de travão e de marcha atrás rápidos; é preciso ter meios económicos, bazookas ou não, para assistir às famílias e empresas em dificuldade; e é preciso ter um plano de vacinação consistente que passe para números diários muito superiores atuais; tudo isso só pode ser feito sem desconfinamentos apressados (ao contrário do que o autor deste e doutros posts a atirar para o negacionismo sugere, o qual pelo visto não percebe que sem vida não há economia, bastar-lhe-ia olhar para os países que estão a ter melhor desempenho económico e qual tem sido a sua gestão da pandemia para perceber os seus erros), doa agora quem doer, pois mais vale doer agora do que em dobrado ou triplicado depois.

Lowlander disse...

Caro Nuno Serra,

Grosso modo concordo. Em particular, a critica ao Buescu e justa.
Tenho so dois problemas:
1) O pico epidemico pos quadra festiva, e resultado de um quadro adverso como o Nuno Serra indica - mas falta de controlo antes do Natal faz parte desse quadro adverso -ao ter colo cado Portugal numa posicao desfavoravel a entrada de uma quadra festiva que previsivelmente, levaria a um pico epidemico. Uma outra postura nas semanas/meses anteriores teria resultado num pico menos pronunciado e numa pressao sobre o SNS mais sustentavel. Essa postura mais cautelosa foi activamente combatida por exemplo, pelo proprio Nuno Serra nos seus textos neste blogue.

2) A implicita colagem que tenta fazer depois do Buescu com quem criticou uma abordagem, nao digo negacionista, mas temeraria ao problema do COVID nas semanas e meses que antecederam a quadra festiva de 2020/21, para justificar a inaccao ou meias medidas ate ao Natal em Portugal.
Nunca ninguem disse, pelo menos aqui nas caixas de comentarios deste blogue, que o confinamento e a "cura". Mas na ausencia real no terreno de vacinacao que garanta imunidade de grupo ou pelo menos que previna sintomatologia clinica, tem de haver medidas no terreno que reduzam o contacto social. E lamento dizer, com todos os efeitos secundarios que tem, o confinamento e uma das ferramentas mais eficazes para impedir o colapso dos servicos de saude no pais e a propria coesao social. Nao ha como escapar a este obvio ululante.

Repito as vezes que forem necessarias: quem procura equilibrio entre saude publica e economia/sociedade sem acautelar que o valor R se mantem sustentadamente abaixo de 1 - nao equilibra absolutamente nada.
Um valor de R sustentadamente acima de 1, leva inevitavelmente ao confinamento - que sera tanto mais longo e mais severo, quanto se deixar correr a situacao.