sábado, 3 de junho de 2017

Tudo ligado com a nossa energia

Depois de Ricardo Salgado, agora é a vez de António Mexia: mais um dos três lamentáveis Doutores Honoris Causa ao tempo de João Duque é constituído arguido. É o que dá quando se confunde a honra do conhecimento ao serviço do bem comum com o poder que o dinheiro dá quando está concentrado em poucas mãos. Uma confusão que as sociedades mais desiguais têm tendência a fazer, dado que muito nelas conspira para a tóxica confusão de esferas, para a corrosão das instituições em sentido amplo.

Incensar grandes gestores e capitalistas só porque têm poder para receber rendimentos milionários é parte do problema; um problema agravado pela fraqueza engendrada dos freios e contrapesos, por exemplo sindicais, à aliança entre gestores e accionistas, conluiados para extorquir valor à custa dos trabalhadores e do conjunto da comunidade.

E ninguém sem palas liberais pode ficar surpreendido pelo facto de os processos de privatização e de construção de mercados, com inspiração europeia, em sectores, como a energia, gerarem amplas oportunidades e incentivos para que as inevitáveis grandes empresas, e os que nela têm protagonismo, procurem moldar as igualmente inevitáveis regras políticas do jogo mercantil a seu favor.

Já agora, em vez de se aceitar a perversa divisão de tarefas que marca este tempo neoliberal - onde uns brincam aos mercados, enquanto que outros brincam aos pobrezinhos com a condição de recursos associada às tarifas sociais -, deveríamos estar a pensar em voltar ao controlo e plano públicos nacionais neste sector estratégico. Se calhar, até podemos reaprender com os chineses nesta área. E quem diz na energia, onde a EDP foi uma importante criação do Estado democrático português, diz na banca. Sim, isto anda tudo mesmo ligado. Questão de economia política.

13 comentários:

Jaime Santos disse...

Eu sou a favor da nacionalização da REN e até da EDP, desde que me expliquem de onde virão os recursos para a sua aquisição pelo Estado. Não se esqueça, João Rodrigues, que a CRP não protege apenas os direitos adquiridos dos que trabalham, também protege os direitos de propriedade. Isso mesmo, o confisco é proibido. Porque, ou muito me engano, ou o João Rodrigues não fala de uma nacionalização e sim de uma expropriação. Coisa que poderia ser possível em 1975, durante a 'Economia de Abril', mas já não é hoje (felizmente). As palas liberais têm destas coisas, preocupam-se com o Estado de Direito. Porque o que a conversa sobre a 'Soberania' realmente disfarça é uma coisa muito simples, a falta de vontade em mostrar a mão e explicar qual a política económica que realmente se defende (com os detalhes e as continhas, pois claro) e os riscos para o País que ela implica...

Anónimo disse...

Muito bom. Isto anda de facto tudo ligado.

É tempo de voltarem ao controlo público os sectores estratégicos, como a energia e a banca

Anónimo disse...

O País, as privatizações e o Capital

"Responsáveis da EDP foram constituídos arguidos numa investigação a contratos assinados pelo Estado após a privatização da empresa, que lhe garantem muitos milhões anualmente.

A notícia foi avançada por vários órgãos de comunicação social e confirmada, ontem ao final do dia, pela própria EDP. De acordo com informação prestada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, após buscas na EDP, na REN e na consultora Boston Consulting Group, foram constituídos arguidos António Mexia, presidente da EDP, João Manso Neto, administrador da EDP e presidente da EDP Renováveis, João Conceição, administrador da REN e Pedro Furtado, director na mesma empresa.

As suspeitas são «susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção activa, corrupção passiva e participação económica em negócio», e prendem-se com os termos em que foram fixados os Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Esse mecanismo foi introduzido em 2005 (quando Mexia era ministro das Obras Públicas do governo do PSD e do CDS-PP) mas só entrou em vigor dois anos depois.

Os CMEC surgiram para compensar a EDP – então já privatizada em mais de 66% – pela liberalização do sector energético, imposto pela União Europeia em 2003. A empresa, que manteve uma posição monopolista apesar de já ser privada, passaria a receber uma renda fixa pela produção de energia, substituindo os Contratos de Aquisição de Energia (CAE), até então em vigor.

Para além de uma indemnização de mais de 800 milhões de euros, o valor dos CMEC foi renegociado para cima em 2007. De acordo com o relatório e contas de 2016 da EDP, a margem bruta dos CAE/CMEC ascendeu a 579 milhões de euros (menos 75 milhões que no ano anterior, porque entretanto algumas centrais hidroeléctricas deixaram de estar abrangidas pelo mecanismo).

O mais conhecido arguido, António Mexia, foi secretário de Estado do segundo governo de Cavaco Silva, tendo passado depois para a administração do recém-privatizado Banco Espírito Santo. Entre 2000 e 2004 ocupa cargos de topo na Galp Energia, anos em que a maioria do capital da petrolífero saiu da posse do Estado.

Após a saída de Durão Barroso para Bruxelas, o novo primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, convida-o a integrar o governo do PSD e do CDS-PP, ficando com a tutela das Obras Públicas, Transportes e Comunicações."

Abraham Chevrolet disse...

No tempo em que energia,banca e muito mais estavam nacionalizados é que era tudo uma bandalheira! Agora,afinou muito! Seriedade a perder de vista! Acima,acima gageiro!!!

Anónimo disse...

O João Rodrigues nunca poderia ser médico nem enfermeiro: acaba sempre por meter o dedo na ferida.

Jose disse...

Piorou alguma coisa da passagem do público para o privado? ou é o contrário?

Anónimo disse...

É mesmo uma pena.

A este excelente post de João Rodrigues, o que lemos em jeito de resposta?

"o confisco é proibido".

Uma pena que não se tenham lembrado que o confisco de salários e de pensões também o devia ser

Anónimo disse...

"As palas liberais têm destas coisas, preocupam-se com o Estado de Direito."

Preocupam-se tanto, tanto que não hesitam em avançar para estas privatizações a todo o custo e de qualquer forma. Começando por colocar gestores com a tarefa especifica de abrir o caminho às ditas privatizações e até fazer baixar bem o preço da sua compra pelos tais honrados compradores. Os tais futuros "proprietários" terão assim a porta aberta para as negociatas futuras, para a hipoteca dos interesses do país e para a engorda duns tantos que, de decisores políticos, passarão a breve trecho a administradores das empresas assim privatizadas.

Depois é ver o espectáculo. Que pena a política económica que realmente se defende (com os detalhes e as continhas, pois claro) não tenha tido lugar na altura adequada.


Anónimo disse...

Essa história da propriedade tem muito mais coisas a dizer que as estórias do Estado de direito

Por exemplo a propriedade confiscada aos povos colonizados foi alvo de algum processo de compensação pela violação clara do direito à propriedade?

O estado de direito tem destas coisas. Depende de quem o faz

Anónimo disse...

Em apenas seis meses de 2016, um conjunto de oito empresas privatizadas nos últimos 20 anos (EDP, Galp Energia, Santander Totta, Navigator, EDP Renováveis, REN, CTT e Brisa) tiveram 1,33 mil milhões de euros em lucros, quase metade do défice público no mesmo período (2,8 mil milhões de euros).

Anónimo disse...

"Piorou alguma coisa da passagem do público para o privado? ou é o contrário?"

Piorou e muito . A começar pelo custo

Mas a frase, como exemplo maior da defesa da corrupção e dos corruptos, não está nada mal.

O aumento da taxa de lucro é o que comanda o Capital e a esta tudo sacrificam.
Ora quanto mais se desenvolve a acumulação mais difícil para os capitalistas obterem taxas de lucro para continuar o processo de acumulação.E como uns verdadeiros bandalhos... eis a corrupção

E há quem a defenda assim desta forma tão primária

Anónimo disse...

De tudo o que me foi dado a assistir durante os devaneios criminosos catalogados de neo-liberais selvagens e sei lá o que mais, sinto uma repulsa profunda pela tal livre iniciativa dos privados que só geram resultados e dividendos para os senhores "gestores" e demais comparsas da mascarilha. A manjedoura do Estado já não tem mais nada para chafurdar nem comer, pois fizeram o crime de entregar as empresas estratégicas aos companheiros do clube. Gestores destes e criminosos deste naipe deveriam fazer o favor de desaparecerem do país, pois os portugueses estão fartos deles e era bom que passeassem pelas ruas, para que lhes pudéssemos pedir "selfies" para mais tarde recordar.

Anónimo disse...

Sempre estive contra nacionalização da REN, EDP, e outras instituições do estado.
E Porque?
Porque, serão sempre os contribuintes, a pagarem aos privados (veja no caso das PPP), e quem esta a favor de oferecer tudo aos privados, é porque tem os seus interesses, e estes. São chamados os neoliberais, com tiques a roçar muitas das vezes o fascismo. Como foi o caso do ex-governo de traição-nacional de Passos /Portas, tutela por cavaco.
E mais não digo porque posso ser multado ou preso, como estão MUITOS casos a surgir em Portugal, neste momento são conhecidos onze casos.
Nota final: Ainda estou aguardar a informação da posição, do Nobel da Economia o senhor Joseph Stiggitz, o que disse nas “Conferências do Estoril 2017”, sobre o euro! Isso ninguém fala. Porquê?
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