quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O passado pode ser um país com futuro

Num domingo passado convoquei selectivamente uma apologética história da social-democracia europeia, da autoria da cientista política norte-americana Sheri Berman, para valorizar a ilha sueca dos anos trinta e a partir dela a lição: quem hegemoniza o conceito de comunidade nacional ganha.

Nem de propósito, na segunda-feira seguinte, Berman escreveu um artigo na Social Europe, sobre a crescente irrelevância da social-democracia europeia, oportunamente traduzido. Segundo ela, o declínio deve-se à troca da chamada política de redistribuição, a de cima para baixo, claro, pela chamada política de reconhecimento. Centrada nas questões de classe, a primeira teria permitido construir uma coligação vencedora; centrada na valorização de múltiplas identidades, a segunda teria fragmentado essa coligação nacional.

Aceitando só por um momento o diagnóstico, logo surgem várias questões: O que levou a essa troca com efeitos perversos? Terá sido a promoção ou a aceitação, a partir dos anos oitenta, da europeização, ou seja, da expressão da globalização neoliberal no continente, prescindindo de instrumentos de política na escala onde tinha sido possível construir o tal propósito nacional redistributivo, centrado no pleno emprego e nos direitos sociais vinculados ao trabalho? Terá sido isso combinado com a força de novos movimentos sociais que colocaram em cima da mesa formas de opressão até aí desvalorizadas? E qual o papel da crise do comunismo, objectivamente o melhor aliado da social-democracia na persuasão, digamos assim, dos capitalistas? Berman não responde.

Seja como for, a verdade é que há uma coincidência entre o triunfo da redistribuição neoliberal, a de baixo para cima, e o reconhecimento selectivo de alguns novos direitos. A social-democracia social liberalizou-se, por assim dizer: liberal em tudo, incluindo na economia. Coincidência não significa necessariamente qualquer relação de causalidade, claro.

Estou convencido que chegámos a um momento em que grande parte das conquistas no campo do reconhecimento passarão a estar ameaçadas pelos recuos entretanto registados nas questões redistributivas de classe. A crise económica permanente e a nova questão social alimentam uma intolerância cultural crescente.

Não se trata então de propor uma reversão da troca. Trata-se de reencontrar uma articulação produtiva entre as duas, na linha do que tem tentado fazer Bernie Sanders, por exemplo. Contra Nancy Fraser, a autora associada a estes dois termos e que acha que a esfera nacional já não está disponível, apelando como a maioria da chamada teoria social crítica para uma transnacionalização sem futuro, tal passa por revalorizar o espaço nacional, onde todos os direitos de cidadania foram na realidade conquistados. Sanders nunca deixa de falar da nação, claro. Tudo o que aí não for garantido, dificilmente o será numa escala superior. E a partir da hegemonia sobre este espaço é necessário tentar encontrar as articulações internacionais mais vantajosas, que possam criar contágios favoráveis. Talvez seja de voltar ao passado como atalho para um futuro radicalmente diferente, para usar e abusar dos sugestivos termos de um astuto marxista, que nos ensina a desconfiar do progresso...

15 comentários:

Jose disse...

A social-democracia está agora com muito inesperados adeptos.
O problema é que tais adeptos não prescindem do léxico bolchevique que lhes é essencial a manterem o mantra revolucionário com que asseguram o sentimento de seita.
Pretender que tal léxico contribui para promover a social-democracia só traduz o não reconhecimento da orfandade soviética e a equação 'do mal o menos' que estava associado a uma tal ameaça.

Anónimo disse...


As bases do pensamento marxista de hoje estão ancoradas na Revolução Técnica e Cientifica actual muito diferente, portanto, daquelas bases do tempo de Marx e Engels. Porque entendo que o marxismo e´ vivo e mexe connosco não vejo necessidade de voltar ao passado, temos e´ de aplica-lo adequadamente as premissas de hoje. de Adelino Silva

Anónimo disse...

Entretanto tomam o freio nos dentes.O Parlamento Europeu discutiu, esta terça-feira, o aprofundamento da ingerência sobre os estados-membro e a criação de ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros da União Europeia está na forja.

Amanhã serão votados relatórios centrados na evolução do funcionamento da UE e, particularmente, da União Económica e Monetária – o euro.

Os relatórios defendem alterações no sentido da federalização e do reforço do poder de Bruxelas. No plano orçamental, é proposta a criação da figura de um «ministro das Finanças e do Tesouro da UE», assim como o abandono do método de decisão por consenso no Conselho da União Europeia (onde estão representados todos os estados-membro), passando a esmagadora maioria das decisões a ser tomada por maioria.

A tónica é mantida nas «reformas estruturais» e para as concretizar é proposto um reforço do chamado Semestre Europeu, o mecanismo através do qual Bruxelas vai controlando as opções orçamentais de cada país. A par disto, surge a sugestão de integração do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) nos tratados europeus e a sua transformação num «Fundo Monetário Europeu». O MEE foi criado para participar nos programas de «resgate» aos países com dificuldades de financiamento, tendo já participado nos empréstimos a Espanha, a Chipre e à Grécia, que estão condicionados à assinatura do Tratado Orçamental e ao cumprimento de um «programa de reformas e de consolidação fiscal».

No plano da política externa, é defendida a criação de um outro posto ministerial no seio da UE, desta vez com a transformação da figura de Alta Representante para a Política Externa num verdadeiro «ministro dos Negócios Estrangeiros da UE».

As relações exteriores da União devem ser articular-se com a política de Defesa, lê-se nos relatórios, tendo em conta os «interesses estratégicos da UE» – tudo em articulação com a «parceria estratégica com a NATO». Curiosamente, à discussão sobre os relatórios em causa seguiu-se uma declaração de Federica Mogherini, a actual Alta Representante, sobre a situação no Leste da Ucrânia.

A retórica militarista ressurge num momento em que se multiplicam apelos, em Bruxelas, de combate ao inimigo externo, no caso, a Federação Russa.

A experiência de «externalização» das fronteiras da UE, iniciada com o acordo com a Turquia para a expulsão de migrantes para campos de detenção neste país, é defendida nos relatórios. É mesmo proposta a celebração de acordos idênticos face ao drama dos refugiados.

A Agência Europeia de Defesa é descrita como uma instituição com «grande potencial», nomeadamente na dinamização do mercado de armamento.

A votação dos relatórios, da autoria de deputados dos grupos dos Socialistas e Democratas (integrado pelo PS), do Partido Popular Europeu (PSD e CDS-PP) e dos Liberais e Democratas (MPT e Marinho e Pinto), está agendada para amanhã, a partir das 11h.

A dinamização do mercado de armamento e o sonho de uma verdadeira «União Europeia de Defesa».

Marchar0, marchar em passo de ganso

Anónimo disse...

Mais uma vez um excelente post

Anónimo disse...

Ninguém pode pedir a esse tal jose que leia de novo o texto.
Seria bom que ao menos o compreendesse minimamente.
Chega a ser penoso tal como foi penoso ler o que esse mesmo disse sobre a social-democracia em tempos idos. Não, não era apenas idiotice. Era ignorância pura e dura. Tal como o é agora

Anónimo disse...

Herr Jose, que acha que a social-democracia está agora com muitos adeptos, está é de facto com problemas de compreensão. Sérios e graves. Mais uma vez

Não compreendeu nem percebeu. Se leu, é uma incógnita. De tão apressado no seu "trabalho" saltou por cima duma frase explicita: "a crescente irrelevância da social-democracia europeia".E depois desta:"A social-democracia social liberalizou-se, por assim dizer: liberal em tudo, incluindo na economia".

Pensará que isto é uma promoção da social-democracia (sic) ? A partir duma inexplicável patetice ( ou talvez não ) parte para um exercício patético em que tenta à martelada convocar não só os soviéticos como os revolucionários, mais o seu mantra pessoal e de seita

Há dias exprimia-se assim, tentando defender a tal social-democracia (que fervilha de adeptos):
"Quanto à social-democracia basta que se saiba que foi criada forçando a partilha mas sem ameaçar a propriedade, exigindo mais mas partilhando responsabilidades, requerendo e prestando rigor profissional."

O ridículo da questão (porque traduz uma paternalismo senil) passa também por esse "basta" aí apenso. O resto é pura ignorância, idiotice, incompreensão, burrice, apedeutismo ou incompetência.

Jose disse...

Como sempre este chorrilho insuportável de anónimos!
A social-democracia faz-se com sindicatos profissionais competentes (das profissões verticalizando aos sectores económicos)que não sejam meros treteiros de classe e piegas da doutrina dos coitadinhos.
Para mim serve-me o modelo alemão cujo único exemplo residente é a Auto-Europa; quase tudo o mais não cumpre os mínimos.

Anónimo disse...

O Acordo Económico e de Livre Comércio entre a União Europeia (UE) e o Canadá (EU-Canada Comprehensive Economic and Trade Agreement), conhecido pela sigla CETA [http://www.abrilabril.pt/internacional/ceta-um-acordo-ao-servico-das-transnacionais], foi ontem aprovado no plenário do Parlamento Europeu (408 votos a favor, 254 contra e 33 abstenções):

http://www.votewatch.eu/en/term8-eu-canada-comprehensive-economic-and-trade-agreement-draft-legislative-resolution-vote-consent-conse.html

Previa-se que a família europeia dos "Socialistas & Democratas" (S&D) votasse a favor; nesse sentido, o lider da família, Gianni Pittella, defendeu que "For S&D, CETA is not a model, but it is a beginning of a change in trade policy in the world. We need to move forward with wisdom and prudence". Contudo, só foi seguido por cerca de metade dos eurodeputados da família. Registe-se, pela positiva, que todos os eurodeputados eleitos pelo PS francês votaram contra, em concordância com a posição do seu candidato oficial à presidência de França, Benoît Hamon. Registe-se também, pela negativa, o facto de quase todos os eurodeputados eleitos pelo nosso PS terem votado a favor; Ana Gomes foi a honrosa excepção, juntando o seu voto aos dos três eurodeputados do PCP (João Ferreira, João Lopes e Miguel Viegas) e da eurodeputada do BE (Marisa Matias). Em declaração de voto, a rebelde do nosso PS nesta matéria explicou que "Acordos como o CETA fazem o jogo das forças populistas e nacionalistas que cavalgam o ressentimento dos povos contra o neoliberalismo desregulatório" (https://causa-nossa.blogspot.pt/2017/02/acordo-de-comercio-livre-ue-canada-ceta.html).

Daqui a umas horas, serão votados no Parlamento Europeu três relatórios sobre o "Futuro da União Europeia" e, particularmente, da Eurozona:

http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=AGENDA&reference=20170214&format=XML&language=EN&secondRef=SIT

(ver, a propósito, o apropriado comentário anónimo das 15:47).

Vejamos como votam os eurodeputados das várias famílias políticas e dos vários estados membros da União Europeia.

A. Correia

Anónimo disse...

Sorry mas herr jose o que tem é que pedir desculpa pela ignorância que manifesta e pela doutrina que tenta impingir à martelada.

E não refugiar-se em patetices sobre a social-democracia e de como é que ela se faz (!).

Como treteiro de classe regista uma notável falta de classe. Como invocador de piegas e de suas agendas revela uma outra coisa bem mais feia, que não se específica aqui por respeito a quem nos lê.

Quanto ao modelo alemão que invoca de modo idiota...já sabemos qual o que lhe serve. Desde há bastos anos, não é mesmo herr jose?

Anónimo disse...

É uma pena haver quem discorde não é mesmo ó das 00 e 01?

Um chorrilho insuportável.

Só mesmo o modelo alemão dos anos 30 do século passado.

Ou o modelo português dos anos 50 tão elogiado pelo das 00 e 01

Anónimo disse...

No seguimento do meu comentário das 00:31, aqui vão os resultados das votações referentes a cada um dos três relatórios
[http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2f%2fEP%2f%2fNONSGML%2bPV%2b20170216%2bRES-RCV%2bDOC%2bPDF%2bV0%2f%2fEN&language=EN (pág. 53, 59 e 23)]:

- "Improving the functioning of the European Union building on the potential of the Lisbon Treaty" com 329 votos a favor, 223 contra e 83 abstenções;

- "Budgetary capacity for the Eurozone" com 304 votos a favor, 255 contra e 68 abstenções;

- "Possible evolutions of and adjustments to the current institutional set-up of the European Union" com 283 votos a favor, 269 contra e 83 abstenções.


Dois factos a registar, desde já:

1. Em todos os casos, houve mais votos a favor do que votos contra, mas em dois dos três casos (os que propõem maiores mudanças) a percentagem de votos a favor foi inferior a 50%;

2. Em cada um dos três casos, todos os eurodeputados do PS, do PSD e do CDS-PP votaram a favor e todos os eurodeputados do PCP e do BE votaram contra.


A. Correia

Anónimo disse...

O "basta saber da social-democracia" e o "para mim serve-me o modelo alemão" são duas afirmações no mínimo pedantes e descontextualizadas que não justificam nem desculpam as atoardas ditas (nem estas).

O contraditório é lixado. A propaganda ideológica medíocre e rasca não passa. Isto não é um sítio mal frequentado

Anónimo disse...

Bom trabalho A.Correia

Jaime Santos disse...

Também me parece que as conquistas de novos direitos estarão ameaçadas se algo não for feito no campo da redistribuição, e saúda-se a defesa inequívoca desses direitos. A Esquerda não é Esquerda porque defende os direitos dos nossos, é-o sobretudo porque defende os direitos dos outros, dos excluídos. As desigualdades não nascem iguais. Mas o João Rodrigues não deveria esquecer que aquilo que vale para os EUA, não vale para um País pequeno como Portugal. Portanto, aconselha-se a prudência recomendada por Keynes. É bom lembrar que num mundo onde exista uma preponderância de nacionalismos (e já lhe lembrei que as suas versões progressistas não chegaram muito longe), os grandes comem os pequenos. Quem se queixa das relações de força no âmbito da UE deveria lembrar-se que nada garantiria uma harmoniosa relação entre Estados na ausência dela. Aliás, os exemplos do Passado mostram precisamente o contrário...

Anónimo disse...

Pois não. Quem se queixa das relações de força dentro da UE sabe que os grandes continuam a comer os pequenos. Vorazmente como sucedeu com o caso grego.
E despojam os pequenos de qualquer instrumento de soberania. Como se vê no presente

Ou seja, basta olhar com um olhar isento de europeismos suspeitos para concluirmos que hoje a soberania está perfeitamente hipotecada aos mercados e ao directório.
E os tambores da guerra voltam a soar alimentados por uma extrema-direita xenófoba , por uma direita que procura recuperar o seu poder económico a todo o custo e por uma dita social-democracia que traiu os que representava e que se mudou de armas e bagagens para o lado neoliberal da nova ordem