O syriza combaterá a corrupção, dado que é gente com as mãos limpas, aplicará a austeridade com mais suavidade, dado que é gente com sensibilidade social, melhorando as coisas dentro do possível, dado que é gente obrigada a converter-se ao pragmatismo reformista que produz sempre resultados. Três grandes ilusões, que dizem bem da degradação da cultura política de uma certa esquerda, agora reduzida a sensibilidade e bom senso.
Dadas as experiências passadas de governos de esquerda sem rupturas com as políticas neoliberais, a probabilidade de acabarem corrompidos e integrados numa oligarquia, ainda que eventualmente recomposta, é muito maior do que a de combaterem a corrupção e a tal oligarquia, até porque essas só se combatem com um nível de mobilização popular que o governo pela apatia não permite: de resto, das privatizações às parcerias público-privadas, indissociáveis de planos como o de Juncker, as estruturas aí estão; o combate à corrupção não é obviamente questão de carácter que paire para lá delas.
Quanto à austeridade com sensibilidade social, trata-se de uma contradição nos termos para quem tem de fazer cortes severos e reformas favoráveis à concentração de poder no capital, para quem governa sob tutela dos credores, sob tutela do memorando, do tratado orçamental, do semestre europeu e da restante tralha eurocrática.
A conversão à arte do possível, o tal reformismo, é, por sua vez, a confissão da derrota, dado que o importante em política é quem fixa os limites do possível e nós sabemos onde está a soberania, a autoridade, na zona euro. Mas há mais e pior: a expressão reformista presta-se a todas as confusões, dado que, por ausência de instrumentos e falta de capacidade de os recuperar, não se trata sequer de alterar as regras para promover um capitalismo mais igualitário e com mais espaço para a democracia como noutras épocas. Não é esse o sentido das reformas hoje em dia e esta situação faz com qualquer reformista social-democrata sério pareça um utopista radical. Na zona euro, é um utopista radical: não, não é um elogio, dado que eu gosto muito de realismo...
Dito isto, e usando a distinção entre legitimidades pelos procedimentos e pelos resultados, Tsipras terá baseado a sua vitória sobretudo na primeira: o seu triunfo deveu-se provavelmente à percepção mais generalizada de que o importante foi ter travado um combate e que isso até lhe permitirá polir alguns ângulos, sobretudo pelo combate à corrupção e ao desperdício, ou seja, ter resultados, sendo que as expectativas em relação a estes foram profundamente diminuídas (para quê votar, perguntam-se muitos, entretanto, sendo a abstenção provavelmente mais intensa entre as classes populares, as que tinham sido mais mobilizadas pelo oxi). As duas formas de legitimidade são inseparáveis, na realidade, restando então saber por quanto tempo a legitimidade dos procedimentos sobrevive à falta de resultados, mesmo num contexto de desesperança insuflada.
Pela minha parte, continuo a considerar que a melhor aposta política é a que acha que insistir na depressiva receita macro produzirá resultados socioeconómicos e, quem sabe, políticos, aparentados, mesmo que os cozinheiros sejam diferentes. Apesar da pesada derrota e dos erros, as razões que levaram à formação da unidade popular parecem continuar válidas. Porquê desistir neste caso?
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13 comentários:
Julgo que existem duas falhas no seu argumento. A primeira é supor que é possível ganhar eleições só com os votos das classes populares. Os Partidos de Centro Esquerda, quando ocuparam o Poder, fizeram-no sempre enquanto Coligação do voto das classes populares e das classes médias. Nos últimos Anos, estes Partidos têm desprezado as Classes Populares que em muitos casos fugiram para a Extrema-Direita. Mas ninguém vai conseguir governar em Maioria virando as costas às classes médias (sempre estou para ver o que Corbyn irá fazer no Reino Unido). Em segundo lugar, neste espaço discute-se muito o que o Syriza deveria ter feito, em lugar de se discutir como o deveria ter feito e o que deveria em particular ter ou não prometido em Janeiro. A incompetência e a venialidade em Política pagam-se caro e olhe-se a este respeito o destino de Varoufakis, não lhe valeu de nada ter razão. A grande desvantagem dos novos Partidos Europeus de Esquerda é que tendo nascido no protesto, falta-lhes a tarimba do Poder...
Dito de outra maneira:
Na esquerda não há qualidade moral que prevaleça sobre as oportunidades e normas funcionais do capitalismo e conduza a uma sociedade mais justa.
Só a destruição do capitalismo permitirá que os homens de esquerda possam exercer as qualidades que apregoam ser o fundamento da sua superioridade moral.
Eu diria...
" Grandes desilusões. "
Unidade Popular ou..."chinelos"?
Se aumentam a idade de reforma...
temos de aumentar a idade p´rós "chinelos"!
Jose
Como sempre és uma besta
onde se fala aqui sequer de destruição do capitalismo ?
Reparei que ao longo desta semana muita coisa se escreveu sobre a divisao da esquerda…Pessoalmente, invoco essa divisao como prejudicial ao proletariado. Reside uma sombra antiga, ideologica, que teima em bloquear uma unidade essencial de esquerda e mais importante para o Pais
Mas então, mesmo que essa sombra persista, não há porque esmorecer, pois os trabalhadores, nas suas diversas categorias, estão cada vez mais conscientes e organizados, percebendo-se como classe, o que é ainda mais importante, na medida em que, no fundo, é a força da classe trabalhadora que determina os rumos da história.
Bem o sabemos, e´ preciso muita paciencia para se la´ chegar…Quem sabe se não havera outras eleiçoes para alem destas muito em breve? Quem sabe? Comecem já a treinar com organizaçao, vao-se juntando, vao-se unindo no essencial… pela vossa Liberdade! Unam-se Porra! De adelino Silva
Caro JR,
Este artigo "O fim da aventura" (http://economico.sapo.pt/noticias/o-fim-da-aventura_229502.html) embora escrito por alguém marcadamente de direita (e com alguns 'excessos' que daí resultam), não deixa de ser uma resposta bem fundamentada (na minha opinião) ao argumento central do seu post.
Sem discutir a questão central da ideologia, a pergunta que lhe faço diz respeito ao método/processo: há condições no eleitorado para obter a maioria necessária à acção prometendo rupturas?
A meu ver, tudo o que aconteceu recentemente (em vários países, mas principalmente na Grécia) aponta claramente para que a resposta seja 'Não'.
Os eleitorados (em todas as democracias) são essencialmente conservadores e avessos a rupturas. Qualquer estratégia que vise a acção, e não meramente o 'deleite' intelectual, tem de ter isso em consideração. Do meu ponto de vista foi assim que o paradigma neoliberal se implantou: sem rupturas (pelo menos de forma visível).
Um segundo aspecto tem a ver com a necessidade de o processo, qualquer processo, necessitar de elites para o promover e conduzir: uma ruptura conduzida por "mobilização popular" não acontecerá nunca em democracias mais ou menos estabilizadas. Consegue pensar em algum contra-exemplo recente?
Finalmente, não tenho qualquer ilusão de que o contra-movimento ao neoliberalismo demorará (pelo menos) tanto tempo a impor-se quanto levou o neoliberalismo: décadas. E terá de usar os mesmo tipo de tácticas: acesso ao poder (conduzido por elites) e gradualismo.
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/universidade-de-coimbra-usa-bolsas-para-contratar-administrativos-1708675
entretanto, num país real
Caro anónimo das 13:37, Os Gregos quando votaram 'Não' estavam, creio eu, prontos para a ruptura. Podem ter à posteriori achado que Tsipras fez bem em capitular (eu também acho que fez, dada a ausência de estratégia), mas aquele voto foi de pura raiva (e Merkel e Hollande andavam a dizer que o Não implicava a expulsão do Euro). Humilhe demasiado um Povo e vai ver a Fúria que ele tem (e os Gregos já passaram por muito pior). Dito isto, concordo consigo. Uma estratégia fabiana será muito mais bem sucedida do que uma tentativa de ruptura. O Estado Social Europeu é fruto do Reformismo de Centro-Esquerda e de Centro-Direita, não de rupturas revolucionárias de má memória. A aderência absoluta a princípios e a recusa do Pragmatismo revela a mais das vezes a inexistência de qualquer estratégia de longo prazo. Jerónimo de Sousa aludiu hoje a que o PS, num dos seus documentos, foi mais longe que o PCP, pois enunciou claramente as condições em que Portugal não poderia permanecer no Euro. É verdade que os Socialistas não assumem que este cenário é bem mais provável que o 'Terramoto' de que falou Costa no debate com Jerónimo, mas Jerónimo deveria ter ficado calado, porque revelou que na verdade, o Partido que defende de forma mais consistente a saída do Euro, sabe menos da dita que o PS... Esperemos que não esteja à espera que seja o PS a prosseguir o Estudo...
Este texto é confrangedor...
1 - "Os Gregos quando votaram 'Não' estavam, creio eu, prontos para a ruptura."
2 - "... aquele voto foi de pura raiva ..."
3 - "Humilhe demasiado um Povo e vai ver a Fúria que ele tem ..."
Caro Jaime Santos,
As duas primeiras frases parecem-me contraditórias. Concordo totalmente com a 2ª mas isso significa que a 1ª não faz sentido. O que ditou o voto foi efectivamente a raiva e o orgulho ferido (o voto foi ditado pela emoção), mas duvido que quisessem (racionalmente) a ruptura (saída do euro e todas as consequências que daí adviriam). Uma outra razão para o voto ´Não' teve a ver com a ideia "vendida" pelo Syriza que um voto ´Não' fortaleceria a posição Grega nas negociações. O que, como era de esperar, não se verificou. Poderia ainda haver alguns que, em teoria e em abstracto, defendiam a ruptura. Bastou o controlo de capitais para que a razão se sobrepusesse à emoção e agora duvido que continuem prontos para a ruptura (na realidade, não em abstracto).
Repare no seguinte. Com maiores ou menores dificuldades, melhor ou pior, hoje o quotidiano Grego 'funciona'. E a seguir a uma ruptura? O que acontece? Exagerando (muito), a crise dos refugiados ilustra o que acontece em países onde o quotidiano 'não funciona'. Será isso um vislumbre do que pode acontecer quando o quotidiano 'não funciona' devido a uma ruptura?
Finalmente, a 3ª frase. É uma boa retórica mas a realidade é que, desde que o quotidiano 'funcione', as sociedades se adaptam e interiorizam as dificuldades. Analisando a frio, Fernando Ulrich tinha razão: não é uma questão política, faz parte da natureza humana (veja, por exemplo, a forma nos como vamos progressivamente tornando indiferentes à violência).
Cito do artigo de Sotiris na Jacobin: 'We failed during the campaign to insist on what perhaps was our strongest point, namely the fact that we had an alternative narrative regarding the annulment of debt and exit from the eurozone. People wanted to hear a complete program and a road map for the exit from the eurozone, not simply anti-austerity and anti-memoranda rhetoric.' Um programa completo de Governo e um plano de saída da Eurozona. Eis o que falta também à Esquerda em Portugal. Os Economistas e Juristas de Esquerda têm muito trabalho pela frente nos próximos anos. Deviam imitar o PS na forma como desenhou as políticas, embora não nas políticas e na gestão da campanha eleitoral, como é óbvio. As pessoas para votar à Esquerda já não votam só em retórica.
Caro anónimo das 10:07, O que eu quis dizer foi que quem votou 'Nao' tinha plena consciência que a vitoria do Nao podia levar a saída do Euro. Alguém pode votar cego pela raiva sem ter consciência das consequências, mas não acho que fosse esse o caso. Era um 'I will vote 'No' and be damned'. Havia ali raiva mas não cegueira, por muito que Tsipras dourasse a pílula. Quanto a 3 frase, tudo depende do desespero. Os Gregos tem uma longa Historia de resistência ao estrangeiro e não me parece que eles estejam a ficar mais moles. A resposta que a Grécia tem dado para a crise dos refugiados e verdadeiramente admirável, Aurora Dourada a parte, que se mantém abaixo dos 10% apesar de todas as dificuldades. Curioso e que a Europa castigue a Grecia e assobie para o lado quando Orban quer mandar o Exercito atirar contra civis indefesos. Se há povo que esta preparado para sair do Euro e o Grego. Mas isto não quer dizer que eu ache responsável que um Governante razoavelmente incompetente como Tsipras leve agora a Grécia por esse caminho. Como já aqui disse e repito, os Gregos vão ficar na prisão da divida durante anos (o mesmo se passando connosco). E bom que aqueles que querem tirar a Grécia do Euro comecem a trabalhar e apresentem algo mais do que retórica (como admite Sotoris numa passagem do artigo da Jacobin que eu citei acima). No caso português, creio que o interessante esboço apresentado por F. Louca e Ferreira do Amaral e um bom ponto de partida...
Acontece que as “instituições” não foram criadas pelo sistema financeiro mundial para dar dinheiro, mais, foram concebidas para, ao serviço dos impérios, controlar e liquidar contas dos possíveis rebeldes. Estas “instituições” actuam como usurárias!
A CECA, CEE e agora União Europeia não teria sido nada sem o apoio do Tio Sam através do Plano Marshall. E nos sabemos para que direção económica e política esse plano foi destinado.
Aquela de uma Europa Social --o tratada de Roma-- com países e famílias em ruinas, não da´ a bota com a perdigota.
Estas instituições e mais algumas, sempre tiveram em conta o “perigo” que vinha do Leste. Ontem a União Soviética, hoje a Rússia acompanhada da China.
O No´ Górdio judaico/anglo/saxónico não e fácil de destruir -
Já se perguntaram o porque do Sr. Tsipras e seu ministro da defesa assinarem um pacto ou acordo militar com Israel?
Os membros da NATO sujeitaram-se no acto de entrada a não poder sair, assim como os membros da U. Europeia.
Os nossos dirigentes: primeiro Salazar, depois Mário Soares
Entregaram-nos aos bichos e nem sequer nos consultaram.
Tudo, por “sermos um povo sereno “. De Adelino Silva
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