sexta-feira, 24 de julho de 2015
Aprender com a derrota da Grécia
O governo grego afinal ajoelhou, melhor, rastejou e engoliu tudo o que se propunha eliminar quando foi eleito. Não mudou a UE, como prometeu. Não acabou com a austeridade e as privatizações, como prometeu. Não se libertou das equipas técnicas da troika dentro dos ministérios, como prometeu. E ainda não sabe o que pode obter quanto a um “alívio” da dívida pública. Em tempos manifestei o meu receio de que o Syriza não estivesse à altura do desafio que lançou à UE (“Germanização ou soberania?”). Infelizmente, os meus maiores receios confirmaram-se.
Confrontado com o Diktat do Eurogrupo, Alexis Tsipras e a maioria do seu governo alimentaram a ilusão de um possível “acordo honesto e vantajoso para as duas partes” e não se prepararam, nem prepararam o povo grego, para a ruptura no melhor momento. Quando convocou o referendo, Tsipras tinha a obrigação de aceitar o repto da direita e dizer ao povo grego que a experiência de longos meses de negociações falhadas o obrigava a concluir que um “não” implicava a provável expulsão de facto do euro através do BCE. O que se seguiu foi penoso e humilhante. Uma pesada derrota para a esquerda que ainda acreditava na mudança da UE por dentro, uma derrota que terá repercussões negativas nos resultados eleitorais do Podemos em Espanha.
Repare-se que Tsipras e Varoufakis sempre disseram que não punham em causa a participação da Grécia na zona euro. Rapidamente os seus interlocutores perceberam que tinham pela frente um adversário frágil (as divisões internas eram do domínio público), sem qualquer trunfo negocial. Como é possível que a direcção do Syriza tenha sido tão incapaz neste confronto vital? A explicação que encontro para este suicídio político remete para o enorme poder das ideias, em particular das ideologias. De facto, durante o processo negocial, Tsipras e a maioria do governo grego mantiveram intacto o seu europeísmo de esquerda. Esta ideologia tem raízes na cultura política do eurocomunismo, também dominante no que resta do Partido Comunista Francês e na esquerda europeia que ainda sonha com uma globalização progressista. Para estes sectores da esquerda, o fim do euro é “um retrocesso civilizacional”. Assim, a derrota do governo grego foi causada, em última instância, por uma cegueira ideológica que o impediu de perceber o significado do impasse em que caiu e de, a partir daí, mobilizar o povo grego para a aceitação das implicações últimas da recusa da austeridade.
Após a derrota, Tsipras e Tsakalotos já disseram que não havia alternativa à capitulação por falta de condições financeiras. Apesar das viagens a Moscovo, Putin terá falhado com o apoio financeiro de que os gregos precisariam para poderem bater com a porta. Também o apoio da China não se terá concretizado, pelo que, sem reservas em dólares, seria uma catástrofe sair do euro. De facto, quando permanecer no euro é uma preferência ideológica, tudo se converte em obstáculos intransponíveis para justificar uma inércia de meses e a evidente desorientação nos últimos dias. Em boa verdade, as contas externas gregas têm estado perto do equilíbrio, pelo que apenas seria necessária uma reserva de segurança para evitar problemas imprevistos no abastecimento de bens essenciais importados.
Jacques Sapir até deu algumas pistas para a constituição imediata dessa reserva (“Les conditions d’un "Grexit""), incluindo o adiantamento de 5 mil milhões pelo gasoduto russo em território grego, mas, como é evidente, o que mais escasseava no núcleo duro do governo era a vontade política de estar à altura do entusiasmo das classes mais desfavorecidas, que votaram “não”. Em vez de as convocar para irem juntos na recusa da austeridade até às últimas consequências, Tsipras converteu o grito soberano do “não” num humilhante “sim” a mais austeridade. Entretanto, alguma esquerda portuguesa já começou a explicar porque devemos continuar a apoiar Tsipras e o seu governo. Fica-lhe bem, mas infelizmente isso pode querer dizer que nada aprenderam com esta pesada derrota.
(O meu artigo no jornal i)
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10 comentários:
Mesmo que tivessem tido os fundos necessários da Rússia ou China, nunca teriam o apoio popular para saír do Euro.
No entanto talvez fosse isso que o Syriza queria: ser empurrado para fora do Euro, desde que tivesse uma almofada onde caír.
Para a história do anedotário político nacional:
«Uma coisa é já certa. Um Governo que assume a defesa do seu povo e enfrenta as instituições europeias que pretendem prosseguir um plano de austeridade que falhou, consegue melhores resultados do que outro que se limita a obedecer.» [Catarina Martins, comunicação oficial do Bloco de Esquerda, 23 de junho de 2015]
Francamente gostei. E cá, que se vai fazer?
Sobre o Syriza e o seu caminhar serpenteante, tenho um opinião consistente e antiga que fui expressando ao longo do tempo, designadamente neste "fórum" que é o Ladrões de Bicicletas. As condições objectivas não eram fáceis para a Grécia,nem o serão doravante para outros países europeus onde o problema da dicotomia em relação ao euro, se vai colocar de forma incontornável. Bem vistas as coisas, por cá também tivemos e temos muita gente bem intencionada, que se afirma "europeísta" (depois da invenção genial da "classe média", esta do europeísmo, é um achado capitular de desonestidade pura), querendo com isso afirmar que é impossível com esta Europa, mas que com a Europa deles (?) outro galo cantará. Recupero por exemplo o João Galamba e a sua afirmação tremendista de que o euro é uma arma de destruição maciça e que agora foi para retiro pré-parlamentar e que portanto sobre o assunto pensa "nim". como de costume. Imagine-se, por consequência, esse jovem turco (que não só não usa gravata, como até tem um brinco na orelha, certificado absoluto de modernidade transigente!) e desafiar Bruxelas de indignação em punho. Por conseguinte, afrontar o garrote das imposições neoliberais implica também aportar para o debate público, para além das questões técnicas "intra-sistemáticas" - da moeda, do juro, dos depósitos e das poupança, da balança de pagamentos e por aí fora, como todos esmagadamente sabemos - uma outra linha de pensamento, dirigida precisamente à superação do sistema por um outro. Naturalmente que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, naturalmente que é preciso coragem, determinação e uma firmeza de princípios inabalável. Mas se não fossem esses valores a movimentar a História, onde é que nós estaríamos? E, por outro lado, não sendo assim, para onde é que nos encaminhamos?
Siryza, uma organização humana feito bode expiatório para ser causticado pela humana gente…
Vejam só a aberração: “O governo grego afinal ajoelhou, melhor, rastejou e engoliu tudo o que se propunha eliminar quando foi eleito. Não mudou a UE, como prometeu. Não acabou com a austeridade e as privatizações, como prometeu. Não se libertou das equipas técnicas da troika dentro dos ministérios, como prometeu.“ E no entanto :-
Aquela organização humana não falhou!
Aquela organização humana acreditou!
Aquela organização humana e´ digna!
Aquelas organizações e escribas ao seu serviço que, incapazes de oferecer esperança aos povos…Aquelas organizações e delatores que estão sempre a espera que os outros façam por eles…A esses direi – esperem ate as calendas gregas! Alguns já estão preparados para atacar o “Podemos”, outra organização humana digna de o ser.
Esta gente (que ate´ são pagos chorudamente), como Abutres, afiam as garras antecipadamente esvoaçando em espiral quando avistam o que lhes parece carniça.
Para além da verdade que renega, e falta de coragem, não vão além de si próprios – Sombras do Passado –De Adelino Silva
Concordando, no essencial, com o que o articulista afirma no seu "post", tenho, no entanto, uma pequena divergência num único ponto: não foi Putin que terá faltado ao prometido apoio financeiro à Grécia, foi Tsipras que vacilou na aceitação desse apoio,vacilação essa, aliás, que exasperou o executivo de Putin e foi bem notada na imprensa russa. Podemos disso concluir que, também aí, Tsipras e o seu executivo viram a sua acção tolhida pela sua crença no europeísmo. Tsipras e Varoufakis apostaram na "evolução na continuidade" e não no corte radical com a ditadura monetária europeia. Acontece que, tragicamente, o que conseguiram não foi nem "evolução", nem "continuidade": o que lhes impuseram foi o completo desastre.
O problema da Grécia é uma questão de esquizofrenia do eleitorado grego. Todos sabemos que o projeto do euro implica a cedência necessária de parte da soberania. Um povo, um país que não cunha a sua própria moeda é uma entidade fragilizada nas suas opções políticas...O Pasok e a Nova Democracia já tinham demonstrado até que ponto tinham as mãos atadas. Agora foi a vez do Siriza. Neste último caso, o problema não foi de falta de preparação (os alemães até estavam dispostos a patrocinar a saída da Grécia da zona euro...), foi de falta de legitimidade democrática. O OXI grego não queria dizer(ao contrário do que quis fazer querer a Nova Democracia) o desejo de saída do euro, mas sim e tão só o fim da austeridade. O que o eleitorado grego parece tardar a compreender é que um (o euro) implica, por razões várias, a outra (a austeridade), uma vez que os países que "contam" decidiram que a Grécia tem de se "ajustar", custe o que custar...
Pobres gregos; escaparam de boa!! Se estes irresponsáveis que tomaram conta da praça sintagma, continuavam com as fantasias, seria bonito!!
Conclusões apressadas.
Veremos daqui a uns meses o que é que realmente aconteceu.
Esta crónica exclui os EUA da equação. Percebe-se, neste momento, que a acção do Syriza tem sido, muito provavelmente, concertada com os EUA que, por motivos geoestratégicos, e através do FMI, está a exercer uma forte pressão sobre a Alemanha para aceitar um reescalonamento muito alargado da dívida grega. Se essa recalendarização for quase perpétua (com adicional descida dos juros), então isso será equivalente a um haircut (ainda que nunca ninguém lhe venha a dar esse nome). Podem até chamar-lhe outra coisa qualquer, mas, na prática, será um haircut que permitirá ao estado grego funcionar com excedentes orçamentais realistas, dando espaço à economia e às funções sociais do próprio estado.
Aquilo que agora parece uma humilhação vai ser uma coisa muito diferente daqui a uns meses (não me admiraria que numa volta de 180º muita gente venha a dizer que o Tsipras é, afinal, um génio) e, aqui o escrevo, a Alemanha acabará por perder ao longo dos próximos anos uma parte considerável da influência que possui neste momento na União Europeia.
Contudo, não sou um euro-optimista. A zona monetária está tão mal construída que alguma coisa terá de implodir no fim da linha.
Pensar que as coisas podiam ter sido feitas de forma diferente é absolutamente legitimo, culpabilizar um governo pelo suposto fracasso na defesa dos mais fracos tem algo de indigente. Agora, "à posteriori", é tudo certezas, ainda ontem tudo ou quase tudo eram duvidas, é esta a coerência. Não é digno não nos solidarizarmos com os mais fracos, e é demasiado estúpido aceitarmos o poder dos mais fortes.
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