quarta-feira, 8 de maio de 2013

Saída do Euro


João Ferreira do Amaral acredita na possibilidade de uma saída ordenada de Portugal da zona euro, apoiada financeiramente pelos nossos parceiros europeus, e defende ainda o pagamento da totalidade de uma dívida pública que, na sua opinião, deveria ser mantida em euros. Independentemente dos méritos que poderiam advir da saída de Portugal do euro, a proposta apresentada por João Ferreira do Amaral é, de todas as que foram sendo exprimidas neste campo, a mais irrealista e a mais penalizadora para o futuro do nosso país.

Irrealista porque acredita que os nossos parceiros estarão dispostos a pagar para recuperarmos o direito a desvalorizar a moeda e para aceitarem o fim da ideia de irreversibilidade do euro na sua configuração actual. A Alemanha tem interesse, por um lado, em impedir o regresso ao tempo das desvalorizações competitivas na União Europeia e, por outro, em não deixar que ganhe espaço a ideia de que podem sair países do euro – saídas da moeda única significariam que a defesa da manutenção dos países na zona euro tem um limite, e isso fragilizaria o euro enquanto moeda. A Alemanha não tem qualquer interesse neste cenário e portanto não pagará para que saiam países. Quando muito pagará (e quase sempre no limite) para que se mantenham.

Mas pior que o irrealismo da proposta de João Ferreira do Amaral é a defesa da manutenção da dívida pública ao exterior em euros, sem a necessária reestruturação. Se já hoje a nossa dívida pública atingiu um nível impagável e constitui o principal garrote da nossa economia, o que seria de nós se a tivéssemos de pagar com uma moeda desvalorizada 30%? João Ferreira do Amaral invoca a poupança externa que seria conseguida através da desvalorização cambial para a defesa da sua tese. Mas quanto teria de crescer a nossa economia e o nosso excedente externo e durante quanto tempo? E não precisaríamos dessa eventual poupança externa para investir no desenvolvimento da nossa economia? Ou mantemos a dívida pública em euros e a reestruturamos em 50%, ou a passamos para a nova moeda. Sairmos do euro, mantendo a dívida pública em euros e sem reestruturação, só se formos suicidas.

(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

5 comentários:

José M. Sousa disse...

Pois, concordo que esses são os dois aspectos pouco convincentes da posição de Ferreira do Amaral, embora acredite que a saída do euro é a melhor solução.

Rui MCB disse...

Concordando que a proposta de JFA em matéria de dívida não se me afigura como solução pelas razões invocadas pelo PNS, como é que é mais credível que os nossos parceiros aceitem uma redenominação da dívida + um corte à cabeça de 50% do que aceitem o que é proposto por JFA?

Unknown disse...

De facto não se percebe. A saída do Euro faria sentido para conseguir fazer um default da dívida e largar o peso do serviço de dívida ao mesmo tempo que se ganharia competitividade externa. Assim continuaríamos a trabalhar para pagar juros que seriam mais caros ainda pela via cambial. De qualquer forma parece-me mais sensato lutar pelo Euro e por uma reforma do Euro que é inevitável.

Nuno Costa disse...

Se eu bem entendo a proposta do Professor João Ferreira do Amaral, a ideia passa por uma introdução do novo escudo dentro de uma banda de flutuação de 15% em relação ao euro. Não existem desvalorizações súbitas de 30% em equação.

Num primeiro momento, o BCE defenderia o escudo de desvalorizações superiores a essa.

Logo, ao manter a dívida externa em euros estaríamos a dar um sinal aos credores de que lhes queremos realmente pagar integralmente através da criação de uma balança de excedentes (e não através de alguma estúpida austeridade expansionista) e seria a contrapartida, possivelmente, para podermos manter os nossos depósitos denominados em euros.

Isto pode ser fulcral para não sermos afastados dos mercados de financiamento da dívida, através de uma estratégia de suave e progressiva desvinculação em relação ao espartilho do euro.

No fundo, trata-se de um processo similar ao da nossa entrada no euro, mas em "reverse mode".

É, do meu ponto de vista, o cenário mais realista.

Espero não ter distorcido, sem querer, os pontos de vista do Professor JFA.
Acho que devemos ouvi-lo com muita atenção: é das poucas vozes públicas que conseguem manter alguma sanidade no meio desta tragédia.

Quanto às considerações políticas sobre as intenções da Alemanha: enfim...por esta altura, já salvaram os bancos deles. Estão mais livres do que nunca para fazerem o que bem lhes apetecer. A menos que alguém pense que os políticos germânicos realmente servem o seu povo. Vamos deixar passar a reeleição da Merkel e logo veremos sobre quem é o seu verdadeiro senhor: se o povo ou o Commerzbank.
Mais: a prazo, as reeleições ficarão cada vez mais difíceis para um político Alemão à medida que os bailouts se vão sucedendo.
Logo, um ponto chegará em que a Alemanha vai deixar de pagar (ou melhor...de usurar...)
Lamento, mas neste aspecto da análise, está mesmo equivocado.

Deixe-me, ainda, reverter o seu raciocínio:
Reestruturar a dívida pública em euros a um nível de 50% significaria ficarmos fora do financiamento da dívida soberana durante décadas e para sempre ligados ao BCE e ao FMI (com toda a escravidão e programas cautelares que isso implica).

Passar a dívida pública para a nova moeda significaria fazer um haircut através da desvalorização cambial, pelo que ficaríamos totalmente dependentes da pura emissão monetária para pagar essa mesma dívida.
Nesses condições, a nossa nova moeda valeria tão pouco que, não tenho dúvida, a hiperinflação iria comer qualquer crescimento nominal da economia e iria deixar-nos com um saco de notas para tentar comprar meia dúzia de batatas.

A solução do JFA pode não ser perfeita, mas parece-me ser, sem dúvida, a mais organizada e a menos má nas suas consequências.

Mas, enfim, cada macaco no seu galho: eu sou um mero leigo nesta matéria.
O JFA sabe do que fala.

R.B. NorTør disse...

Mas a questão aqui é pagar a dívida ou garantir que se paga a dívida e não precisamos de um empréstimo "no dia seguinte"?

Como disse o Pedro, a proposta de JFA simplesmente amarra-nos a não fazer mais nada do que pagar dívida até aos nossos netos. Confesso que, nesse aspecto, sinto muita dificuldade em ver diferenças com a situação actual.

A questão, como já tem sido dita noutros comentários por aqui, passa por ver que partes da dívida foram usadas de forma legítima, que partes foram para "encher a barriga a uns quantos" e que partes são ainda dívida fictícia, fruto das sedes de empresas em paraísos fiscais e esquemas carrossel. Claramente, um destes tipos de dívida é para pagar, outro é impagável (por ser fantasma) e o terceiro tem obviamente de se discutir se se paga e quem o vai pagar.

Independentemente da visão que se tem sobre as dívidas, uma questão sobressai: um esquema de pagamento que não garanta ao devedor meios de subsistência e o amarra a sucessivos empréstimos não passa de um esquema de extorsão requintado, um acto criminoso, senão legalmente (porque se sabe a relação entre quem faz leis e enriquecimento nebuloso) pelo menos moralmente. Qualquer coisa que vá "mais além do memorando" (e este já foi rasgado tantas vezes que duvido que reste uma letrinha inteira) encontra-se nessas condições, porque o próprio memorando nelas se encontrava.