quinta-feira, 23 de maio de 2013

Zombie


O Governo pretende reduzir o IRC de 31,5% para 20%. Boas notícias para quem paga IRC, claro. E para a economia e sociedade como um todo? Poderá esta medida estimular o investimento e retirar Portugal da recessão? E que outros efeitos previsíveis terá?

Comecemos por recordar aquelas que são as principais transformações, sem dúvida intencionais, que acompanham a actual recessão – ela própria muito longe de se inverter, na medida em que decorre da conjugação da crise estrutural internacional com a perda de competitividade decorrente da adesão a uma zona monetária disfuncional - e obviamente, nos últimos anos, a sangria de juros da dívida pública e um programa brutal de compressão da procura interna.

Temos então, por um lado, um processo sistemático de transferência de poder e de rendimento do trabalho para o capital, por via tanto legislativa como da própria economia política da recessão. Só em 2012, a parte dos salários no rendimento nacional reduziu-se de 65% para 62%; estima-se que, neste momento, já esteja abaixo de 60%. Por outro lado, um processo acelerado de centralização do capital por via da falência em massa de micro e pequenas empresas – devido à contracção do mercado interno e a medidas de impacto diferenciado directo, como as alterações no IVA.

Neste quadro, a redução do IRC agravará a relação de forças entre o trabalho e o capital em detrimento do primeiro – e, por esse via, agravará ainda mais a desigualdade interpessoal. Nada fará para deter a centralização do capital, uma vez que não distingue entre pequenas e grandes empresas e uma vez que, na verdade, são as grandes empresas quem paga mais de metade do IRC, sendo por isso as principais beneficiárias. E nada fará para promover a retoma, uma vez que o principal determinante do investimento é a perspectiva de procura e esta encontra-se em queda livre. O Governo actual pode ser para muitos um zombie, mas como todos os zombies tem ainda a capacidade de provocar muita destruição.

(publicado originalmente no Diário Económico da passada 3ª feira)

Sem comentários: