quinta-feira, 14 de março de 2013

Os vícios do debate político nacional sobre a crise

Sempre que são confrontados com a gravidade da situação actual, os partidos do Governo apontam o dedo aos governos socialistas pela dívida acumulada. Como se os desequilíbrios da economia portuguesa tivessem começado a agravar-se nos últimos 6 anos e não nos últimos 20. Como se a maior crise mundial das últimas oito décadas não tivesse acontecido. Como se os partidos do actual governo tivessem seguido orientações ou práticas governativas substancialmente distintas sempre que estiveram no poder no passado.

O maior partido da oposição, por seu lado, aponta o dedo à falta de solidariedade europeia, acusando ainda o actual governo de ser mais troikista que a troika. Como se as orientações europeias não estivessem inscritas em Tratados e a generalidade das opções do actual governo não estivessem inscritas no Memorando da troika, documentos em que governos socialistas puseram a sua assinatura.

Os partidos mais à esquerda oscilam entre ser oposição ao governo – atacando a estratégia de austeridade – e ser oposição ao maior partido da oposição – enfatizando os erros de governação e as contradições do discurso socialista. Como se apontar o dedo aos partidos do centrão bastasse para encontrar um novo rumo.

Perante este cenário, alguns resolvem culpar o sistema político e as lógicas partidárias. Como se a crise não fosse mais do que um produto das imperfeições da nossa democracia. E como se para sair da crise bastasse uma reforma do sistema político, sem necessidade de uma estratégia de governação com opções políticas claras e fundamentadas.

13 comentários:

Carlos disse...

As relações entre o PS e os partidos mais à esquerda azedam por responsabilidade do próprio PS. O problema é que o "aparelho partidário" do PS pouco se distingue do PSD e do PP/CDS. É ele que assina o acordo com a Troika, que vota a favor do "regra de ouro", que impediu (juntamente com os partidos de direita) nos anos 90 qualquer referendo acerca da integração europeia, por ex. o referendo acerca da entrada no Euro...em face disto, e muito mais, atribuir culpas aos partidos mais à esquerda (CDU e BE) pelo azedar de relações e pela falta de "unidade de esquerda" é, no mínimo tapar o Sol com uma peneira.

João Carlos Graça disse...

Bom texto, caro Ricardo, e muito atual.
Quanto ao PS e ao PSD/PP, de facto, as conversas não passam de fútil e enjoativo "diz o roto ao nu"...
Quanto ao BE e ao PC, evidentemente, as responsabilidades são muitíssimo menores do que as do "arco da governação", aliás na maior parte dos casos não são nenhumas.
Não basta porém, caro Carlos, registar e sublinhar isso. É preciso ter remédios para os problemas agora. E convém que o fundamental da terapia seja claro, sucinto e facilmente compreensível.
Ora isso, infelizmente, transporta-nos para os bloqueios infelizmente intransponíveis do "europeísmo de esquerda" (no caso do BE) e para um certo tom evasivo ou uma tergiversação, no mínimo (no caso do PC). A verdade fundamental, quanto a isso, não está em dizer: "nós tínhamos razão ao dizer que não devíamos aderir ao Euro". O fundamental está em saber bem, face à situação atual, se devemos sair, quando e como!
Aí é que está o busílis.
Não o compreender é, infelizmente, deixar as portas escancaradas para a avalanche de "grillismo" que, como se nota bem no manifesto dos descontentes, está a aí a chegar, e a todo o vapor.
Era bem melhor, do meu ponto de vista, que coisas simples e praticáveis fossem contrapostas como alternativa à esquerda. Não apenas o fim da austeridade, embora isso seja fundamental. E decerto que não a abstrata "unidade das esquerdas" reclamada a todo o transe (e contra todas as evidências) pelas cuecas demasiado húmidas de vontade de se deitar com o PS, custe o que custar.
Isso, decerto que não.
Mas, como CONTRAPROPOSTA A ISSO, há que ser claro: começar por ter bem presente a necessidade de saída "argentina". A ironia disto tudo é que, realmente, neste momento já "não há alternativa" para nós senão isso mesmo.
Quando houver "fumo branco" nessa matéria, teremos meio caminho andado.
Os realinhamentos partidários serão para discutir depois, aliás junto com um montão de outras coisas.

R.B. NorTør disse...

Concordando com a totalidade do texto, sinto que a vontade de alguns em mudar o sistema político é um passo positivo.

De facto o sistema político tem mudar e os cidadaos têm de sentir que podem efectivamente fazer chegar a sua voz ao centro de decisao.

Nao se pode esperar de quem vive à sombra e se alimenta do actual estado de coisas que seja responsável pela sua mudança. Basta ver a reacçao à proposta troikista (e acho eu acertada) de re-estruturar as estruturas autárquicas, ou de diminuir (com vista a acabar) as contribuiçoes para dos protocolos de associaçao com colégios privados.

A verdade é que muita gente fica surpreendida quando lhes digo/relembro que nas últimas legislativas haviam 14 entradas (o que dá 16 possibilidades de voto), das quais apenas 5 estao representadas. Para haverem mais 3 bastava que, sem mudar os circulos, se mudasse o sistema de atribuiçao de lugares do método de Hondt para o de Saint-Lage. Alguém acredita que a AR como está irá de sua livre e espontânea vontade mudar a Constituiçao para permitir uma maior representatividade?

Rui MCB disse...

Há várias crises "a cavalo" e a requerer intervenção.
A económica (chamemos-lhe assim de forma simplificada) abafa as restantes e assim sendo vão-se confundindo potenciais objetivos de algumas das iniciativas em curso, provavelmente até na cabeça dos respetivos promotores.

Anónimo disse...

Metade da dívida a junho de 2011 foi contraída entre 2004 e 2011. Alguma dúvida?

Ricardo Paes Mamede disse...

Caro anónimo,
e da dívida contraída entre 2004 e 2011, sabe quanta foi contraída a partir de 2008?

Anónimo disse...

Considero uma simplificação desnecessária (e desonesta) afirmar que "Os partidos mais à esquerda oscilam entre ser oposição ao governo – atacando a estratégia de austeridade – e ser oposição ao maior partido da oposição – enfatizando os erros de governação e as contradições do discurso socialista. Como se apontar o dedo aos partidos do centrão bastasse para encontrar um novo rumo."
A avaliação de posições políticas tem de ser tão rigorosa quanto o discurso económico. E se o RPM é cuidadoso, fundamentado e rigoroso nas suas análises económicas, porque razão há-de ser leviano, chegando mesmo a ser desonesto, na análise política aos partidos mais à esquerda.
Falando concretamente do PCP, acha mesmo que o PCP oscila " entre ser oposição ao governo e ser oposição ao maior partido da oposição", deixando implícito que não apresenta alternativas ("Como se apontar o dedo aos partidos do centrão bastasse para encontrar um novo rumo").
Este é o discurso debitado pela maioria dos comentadores do "centrão".
O PCP acima de tudo faz oposição às políticas, quer sejam do PS quer sejam do governo, que considera não servirem os interesses do país e do seu povo. E apresenta propostas, faz estudos, promove conferências e debates, edita ensaios, etc, centrados nas questões económicas e nas alternativas exatamente para que haja um "novo rumo".

Ricardo Paes Mamede disse...

Caro anónimo do comentário anterior,
tudo no post é simplificação - é da natureza dos posts. Desonesto, não me parece. Não estão em causa os esforços do PCP para promoverem o debate e a discussão - a que me junto sempre que me desafiam e sempre que posso. Como não está em causa a legitimidade - e a dignidade - de quem se opõe às políticas que não servem o país e o povo. Mas não será difícil concordarmos que é preciso mais. E como aqui escrevi faz agora dois anos (http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2011/03/como-vamos-construir-o-caminho-para-o_6674.html), espero mais dos partidos a quem habitualmente confio o meu voto do que estes têm sido capazes de propor. Se não é necessário dizê-lo agora, quando será?

Nuno Costa disse...

RPM, revejo-me completamente no seu texto.
Obrigado pela lucidez: uma aptidão aparentemente tão simples, mas com representação tão minoritária nos dias que correm.
Não estou nada optimista. O maniqueísmo e a tacanhez analítica abundam de forma esmagadora e opressiva.
Acho que nem sei muito bem como é que o RPM ainda encontra forças para pregar no deserto.
Sim. Pelo andar da carruagem nacional e europeia, esse será o destino LITERAL do país: o deserto.

R.B. NorTør disse...

De acrescentar a "grande" atitude do Bloco e do PCP em não se reunirem com a troika...

Pyros disse...

Caro Ricardo,

A crise em que estamos tem por únicos e exclusivos responsáveis os portugueses. Todas as outras considerações é colocar as nossas vidas nas mãos de terceiros, tipo criancinhas ou inimputáveis.
Tem razão em dizer que a dívida - ou antes - os desequilíbrios da economia Portuguesa não são só dos seis anos anteriores ao actual governo. Isto embora o anterior governo tenha sido um caso de polícia e traição. A começar por colocar interesses eleitorais claramente acima do nacional. Mas tal eventualmente não será crime.
Mas relembro que dos 20 anos que referiu, uns 15 foram do PS. O PSD só é melhor por que é menos consistente no promover o descalabro nacional. Curta diferença.
A crise mundial é como o caso do BPN: aquilo (nós) ia rebentar mais cedo ou mais tarde. A crise apenas tornou evidente o inevitável.
Mas o verdadeiro vício do debate político nacional é acharmos que a Troika ou os alemães estão interessados em governar-nos. Não, não estão. Desde que assegurem um mínimo de estabilidade e tenham o seu dinheiro de volta, os nativos que se governem. O que tem o inconveniente de não nos enviarem as "paletes" de eusro que gostaríamos de ter.

Anónimo disse...

Pelo seu comentário parece-me que defende a continuação no Euro para Portugal, como sendo a melhor alternativa para os trabalhadores.
Está portanto a pensar numa revolucao socialista europeia. Qual será para si o primeiro País a revoltar-se? A Holanda?

Aires da Costa disse...

As estratégias de governação reais, com ou sem opções políticas claras e fundamentadas, não surgem no abstracto do debate político, emergem de movimentações políticas.Num país onde, nos últimos trinta anos, tem existido um fortíssímo consenso que tem gerado estratégias de governação no essencial muito similares, o qustão que se coloca em primeiro lugar, face à situação em que o país se encontra, é como gerar alternativas? E esta questão coloca indubitàvelmente a questão da organização política.
Quando o país aposta ( quase sem contestação) numa estratégia e ao fim de trinta anos se encontra à mercê dos ditames de poderes exteriores, a pergunta que se coloca é: como pode densenvolver-se uma movimentação política que origine uma nova estratégia para o país.
O problema de Portugal não é um simples problema de estratégia governamental, mas de estratégia global.