- primeiro, que a crise das dívidas soberanas (que conduziu à intervenção externa em vários países da UE, dentro e fora da zona euro) está fortemente associada à acumulação de dívida externa desde meados da década de 1990;
- segundo, que a acumulação de dívida externa está fortemente associada à estrutura produtiva inicial de cada país.
Uma vez que a estrutura produtiva demora décadas a transformar, faz pouco sentido afirmar que a crise europeia se explica fundamentalmente pelas razões habitualmente apontadas (má gestão das contas públicas, ausência de "reformas estruturais", etc.).
O gráfico que apresento abaixo ajuda a perceber melhor um dos motivos pelos quais a estrutura produtiva de partida é tão importante. Este gráfico mostra que os países cujas estruturas produtivas mais se assemelhavam à das economias emergentes da Ásia são aqueles que mais dívida externa acumularam.
Correlação entre a acumulação da dívida externa e o grau de exposição à concorrência asiática
Fonte: OCDE e AMECO
Nota: o endividamento externo é aqui medido com base na Posição do Investimento Internacional, uma das medidas de dívida externa mais usadas.
Posto em termos simples, entre os países europeus houve uns que beneficiaram mais do que outros da forma como a UE se expôs à globalização. Economias produtoras de bens e serviços que são menos produzidos e mais procurados pelas economias emergentes (máquinas para a indústria, equipamentos de transporte, etc.) beneficiaram em termos líquidos com os acordos comerciais entre a UE e aquelas economias. Pelo contrário, países produtores de bens mais expostos à concorrência das economias emergentes (como sejam os têxteis, o vestuário ou o calçado) não só passaram a enfrentar mais concorrência, como foram mais penalizados pela forte apreciação do euro face ao dólar (cujas implicações em termos de competitividade são mais relevantes no caso de produtos menos sofisticados).
É mesmo assim: esta UE e as suas regras servem os interesses de alguns. Mas não servem os interesses de todos.
2 comentários:
Caro Ricardo
Desde já agradeço o trabalho que teve em realizar a análise.
Tenho algumas questões para colocar, nomeadamente no que diz respeito à capacidade explicativa da regressão em causa: o grau de correlação dos padrões de especialização são, todos eles, muito baixos. E o R2 também não é muito famoso.
Daí que ache que tirar uma conclusão sobre o mesmo é um tanto ou quanto arriscado.
Se transformar estrutura de um país demora décadas, mesmo a mais longa das marchas começa com o primeiro passo. E tal exige reformas estruturais. Que não foram, de forma alguma, realizada. E já estamos nisto há décadas.
Aliás, pós 1987 as duas grandes "reformas estruturais" foram o Novo Sistema Ruinoso, digo, Remuneratório e a melhoria da cobrança de impostos e sistemas de controlo da receita. De resto, posso estar a ser muito injusto, mas essencialemnte "tudo na mesma". E penso que as pessoas queriam era mesmo que não mudasse.
O relatório Porter, porventura por não nos redefinir como sendo a "Califórnia da Europa", foi essencialmente colocado na gaveta, e sem estratégia enquanto país e área de desenvolvimento económico continuámos. Que aliás não temos desde o Estado Novo.
Eu diria que a ausência de reformas estruturais e o autismo face a um mundo pós queda do muro são boa parte da explicaçã oda crise actual. A outra parte não é uma questão de política, mas de polícia.
Caro Pyros,
tem razão quando diz que, nos dados apresentados, a correlação entre as estruturas das exportações (dados da OCDE) não é muito elevada. No entanto, a relação entre as duas variáveis aponta para uma direcção clara, já mostrada no post anterior (e que continuaremos a mostrar neste blog com recurso a outros dados): o endividamento externo está fortemente dependente do perfil de especialização de cada país.
As razões para isto são diversas, sendo a exposição à globalização (que não se mede apenas pela estrutura de exportações) uma delas. Este é um tema que eu, o João Rodrigues, o Nuno Teles e o Ricardo Cabral desenvolvemos neste texto: http://www.economiacomfuturo.org//media/Economia%20com%20Futuro%20-%20Portugal%20no%20contexto%20europeu%20(final).pdf. Voltaremos a ele um dia destes.
Nesse texto discutimos também os factores determinantes da evolução da estrutura produtiva portuguesa nas últimas duas décadas. Creio que resulta claro da nossa discussão que as regras, instituições e decisões tomadas a nível europeu são factores preponderante para perceber por que motivo a economia portuguesa acentuou algumas das caratacterísticas que mais a fragilizam. Também a isto voltaremos um dia destes.
De facto, a estrutura produtiva demora décadas a transformar. Uma sequência de posts que aqui publiquei já lá vão uns anos (http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/search?q=as+li%C3%A7%C3%B5es+de+chang - ver por ordem), baseada nos trabalhos do economistas coreano Ha-Joon Chang, ajuda a perceber que tipo de políticas económicas contribuem para as transformações desejáveis. Infelizmente, constatamos que essas políticas estão fora do actual espaço de possibilidades proporcionado pelo actual quadro de governação económica da UE.
Dito isto, há muito que se pode fazer para melhorar a estratégia de desenvolvimento do país, dentro ou fora dos constrangimentos actuais. Mas uma vez, é matéria para outros posts.
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