quarta-feira, 27 de março de 2013
O mesmo de sempre
Para além de apoiar os banqueiros e de fazer eco da troika, o Banco que já foi de Portugal também se especializou em fazer revisões das suas previsões e em subestimar o impacto da austeridade recessiva: o PIB cairá 2,3%, em 2013, em vez dos 1,9% previstos há dois meses, e, em 2014, devido às novas rondas de austeridade, agora designadas por “poupanças”, estimadas em 1,5% do PIB, este ficará por um crescimento de 0,3%, em vez dos 1,1% previstos. Continuam a subestimar os efeitos multiplicadores dos cortes. Curiosamente, 0,3% era o crescimento previsto, no início de 2012, para 2013. É tudo tão previsível no círculo vicioso da austeridade apoiada por quem manda no Banco: Carlos Costa, especialista em paraísos fiscais e em evangelismo de mercado, conta com o desemprego de massas para levar a cabo o programa dos seus amigos na banca, em Bruxelas e em Frankfurt.
É claro que o investimento caiu 38% em seis anos e que, só em 2013, serão destruídos mais de 150 mil postos de trabalho, ainda segundo o Banco que não é de Portugal. É a compressão da procura e os seus efeitos. Pouco importa, já que enterrada no meio do relatório de uma primavera que não chega encontramos uma pérola que resume todo o programa ideológico: “a evolução registada deve ser enquadrada na tendência ascendente registada ao longo da última década, a qual tem assumido em parte um carácter estrutural [estimam uma taxa de desemprego dito estrutural perto dos 12%] A actual projecção não incorpora no entanto qualquer efeito associado às medidas de natureza estrutural entretanto tomadas, dada a dificuldade em estimar a sua magnitude e perfil temporal.”
Que dizer desta pérola? Comecemos pelo fim: desconhecem-se os efeitos que as tais medidas estruturais tão propaladas, leia-se redução dos direitos laborais e sociais, aumento das obrigações laborais e dos direitos patronais, terão na economia, o que aliás é bastante sensato, dado o que se sabe sobre o assunto. É um reconhecimento velado de que a conversa sobre as reformas ditas estruturais é pura ideologia. A questão está mesmo no desemprego estrutural, o outro lado do pleno emprego estrutural. Não pensem que estrutural seja o euro ou a sobreapreciação cambial e a austeridade que nele estão inscritas e os seus impactos negativos na procura, incluindo no investimento. Não, desemprego estrutural é o desemprego natural, uma construção imaginária, formulada por Milton Friedman, entre outros, para tentar persuadir os decisores de que as políticas keynesianas nada podiam gerar neste campo a não ser inflação. Trata-se de uma estimativa que parte de um esforço para imaginar uma economia no seu equilíbrio de longo prazo, no seu máximo potencial nesse misterioso horizonte. Bom, a verdade é que o longo prazo é um encadeamento de curtos prazos determinados pela evolução da procura: a sua compressão deixa capacidade produtiva por utilizar, seguindo-se a sua destruição, o que significa que a recessão ao incluir quebras de investimento continuadas comprime a capacidade produtiva, naturalizando novas e mais elevadas taxas de desemprego.
No fim de contas, o Banco que um dia terá de voltar a ser de Portugal diz-nos que tudo isto é inevitável e que a recuperação até está no horizonte se não houver fadigas e outras falhas humanas que consigam inventar. Até lá, podemos não estar mortos, mas cada vez mais estaremos naturalmente desempregados. É toda uma estrutura que temos de reformar...
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1 comentário:
Excelente texto. Não é a economia a minha especialidade, mas dá para entender o ponto. Bem escrito, com estilo e cheio de conteúdo sério.
Não conhecia este blogue, nem me lembro já ond ouvi o nome. Talvez o tenha não ouvido, mas lido no JN. De certeza que volto cá, para comentar, que é uma forma de colaborar.
Cumps.
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