Hoje saiu uma pequena entrevista minha no Jornal de Negócios sobre a aparente divergência entre indicadores económicos e financeiros nacionais. Como não está em linha e, mesmo na edição impressa, foi sujeita a cortes devido à falta de espaço, coloco aqui as minhas respostas completas.
Como explica a divergência entre os indicadores dos mercados financeiros e os indicadores económicos?
A divergência entre os indicadores dos mercados financeiros e os indicadores económicos explica-se por duas grandes razões. A primeira diz respeito à miopia e volatilidade dos mercados financeiros, cuja actividade e rentabilidade está voltada para o curto prazo, sendo por isso muito sensível a nova informação. Ora, durante 2011 e a primeira metade de 2012 a incerteza sobre o futuro do euro e solvabilidade dos estados periféricos foi muito forte, o que se traduziu numa abrupta quebra nos mercados. Depois das declarações de Draghi sobre a defesa do euro na sua actual configuração a todo o custo e consequente anúncio das OMT, é natural que os mercados financeiros tenham reagido de forma quase eufórica, já que o risco de curto-prazo de implosão do euro foi anulado. Este movimento foi comum quer ao mercado de dívida pública, quer aos mercados de dívida e capitais privados. Entretanto, os maus números do último trimestre do ano passado, agora conhecidos, colocaram um ponto final nesta euforia.
A segunda razão encontra-se intimamente ligada com a primeira. As políticas públicas quer ao nível europeu, quer ao nível nacional, têm estado voltadas para o suporte à esfera financeira. As baixas taxas de juro e os empréstimos de longo prazo do BCE, a redução de exigências de colateral nos empréstimos ELA dos bancos centrais nacionais e os processos de recapitalização bancária com o mínimo de interferência com os interesses accionistas mostram um activismo público em apoio ao sector financeiro que tem como reverso da medalha as políticas de austeridade orçamental que condenam à falência milhares de empresas não-financeiras e ao desemprego quase um milhão
de trabalhadores. É, portanto natural que o sector financeiro, que anima e é animado por estes mercados, tenha uma resiliência não partilhada pelo resto da economia.
Os mercados e os investidores estão a antecipar correctamente uma recuperação económica?
Não me parece que os mercados e agentes de mercado estejam a antecipar qualquer recuperação económica, nem correcta, nem incorrectamente. O que os agentes fizeram foi uma aposta fundada, à luz do que referi antes, na subida das cotações de obrigações e acções no curto prazo. Aliás, como bem mostra a recente emissão de obrigações do Estado português, foram agentes com perfil mais arriscado que compraram títulos de dívida, procurando ganhos de curto
prazo com o movimento de subida de preço destes títulos, aliado, dado o peso dos EUA na origem destes compradores, nos ganhos cambiais decorrentes da valorização do euro face ao dólar. O andamento da economia é aqui secundário,
face aos medos de colapso financeiro reinantes há pouco menos de um ano.
Que indicador considera mais relevante para identificar uma inflexão do ciclo económico?
No actual ambiente de espiral recessiva é difícil escolher um indicador avançado do ciclo económico. O país tem estado à mercê de sucessivas ondas de austeridade que baralham e deprimem necessariamente as expectativas dos agentes. Na minha opinião, só quando o PIB crescer e, sobretudo, a destruição de emprego terminar, poderemos ver um sinal de inflexão.
Perante a divergência entre os dois e maus resultados dos indicadores económicos,
isso significa que é necessário mudar a estratégia de política económica?
Parece-me evidente. Portugal está hoje numa espiral que só pode ser invertida com uma profunda mudança de rumo político. A aposta do governo de que com um sistema bancário capitalizado e mercados estabilizados haja uma recuperação de crédito na economia que redinamize o consumo e investimento, esbarra com a
perda de rendimento dos consumidores e encomendas das empresas causadas pela austeridade radical em curso. Só haverá recuperação de crédito, quando as empresas tiverem perspectivas futuras de rendimento para o reembolsar. Veja-se o recente exemplo do Reino Unido, com uma austeridade bem mais suave do que a nossa, onde os programas de promoção de crédito à banca do Banco de Inglaterra falharam estrondosamente, com o crédito total à economia a contrair. Portugal
precisa urgentemente de uma articulação entre política monetária e política orçamental expansionistas que sirvam os interesses do emprego. Estou convencido que tal inversão não é possível no quadro desta união monetária europeia.
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