Volta não volta temos de voltar a isto. Um comentador económico aparece na televisão, põe um ar sério e ufano, e diz: “o problema da economia portuguesa é a baixa produtividade do trabalho”. E logo a seguir qualquer coisa do tipo “em Portugal trabalha-se pouco e mal” ou “os trabalhadores portugueses são preguiçosos” ou “é preciso liberalizar o mercado de trabalho para fazer as pessoas trabalhar mais”.
Este tipo raciocínio é tão absurdo que às vezes apetece-me responder ao mesmo nível, com algo do género:
QUEM DIZ QUE A BAIXA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO EM PORTUGAL SE DEVE À FALTA DE ESFORÇO DOS TRABALHADORES É IDIOTA OU DESONESTO – OU AMBOS.
Mas já percebi que esta é uma ideia feita que passa tão bem ou melhor que outros mitos do senso comum, pelo que vale a pena tentar, uma vez mais, desconstruir isto.
A produtividade é um conceito que remete para a relação entre factores produtivos e valor acrescentado pela produção. Ou seja, uma economia (ou um sector, uma empresa, etc.) é mais produtiva do que outra se consegue gerar mais valor acrescentado com os mesmos recursos, ou o mesmo valor acrescentado com menos recursos, ou uma mistura das duas.
A produtividade, enquanto conceito, é importante porque existe uma forte associação entre o crescimento da produtividade e o crescimento económico – e, diria eu contra algumas sensibilidades, o aumento do bem-estar geral.
Se o conceito de produtividade é relativamente fácil de entender, é muitíssimo mais difícil de medir. O problema é que os factores produtivos são muitos e diversificados, e colocá-los sob a mesma unidade de medida é semelhante a querer comparar laranjas com maçãs.
Os factores de produção clássicos são a terra, o trabalho e o capital. Mas a terra não tem toda a mesma qualidade, existem infinitas formas de capital, e os tipos de trabalho utilizados na produção dos bens e serviços das sociedades modernas são tudo menos homogéneos – e, logo, dificilmente comparáveis. Para além disto poderíamos (e deveríamos) acrescentar factores de produção imateriais como o conhecimento científico e tecnológico, as formas de organização, etc.
Medir isto tudo e colocar sob a mesma unidade de medida, para perceber se uma economia está a gerar mais ou menos valor com recursos produtivos equivalentes, é um bico-de-obra.
Esta é uma das razões pelas quais frequentemente se simplifica a análise usando um indicador que está facilmente disponível – um indicador que dá pelo maldito nome de “produtividade do trabalho”.
Em geral, quando os economistas falam em “produtividade do trabalho” referem-se a um rácio entre o valor acrescentado gerado numa economia e o número de trabalhadores (ou de horas trabalhadas) associados a essa produção num dado ano. Ou seja:
“Produtividade do trabalho”= “Valor acrescentado”/ “Nº de trabalhadores”
É só isto. Não há aqui nada a dizer se esta economia é muito ou pouco intensiva em capital (máquinas, equipamentos, redes de transportes e comunicações, etc.), nem a qualidade desse capital (já desgastado ou ainda novo, com grande incorporação de tecnologia avançada ou rudimentar), etc. Também não sabemos se esta economia recorre mais a trabalho altamente qualificado ou a mão-de-obra barata e desqualificada. Não sabemos se as empresas são bem ou mal geridas, como se posicionam nas cadeias de valor internacional, se assentam a sua competitividade nos baixos preços ou em factores avançados como o design de produto, a engenharia de produção ou a investigação e desenvolvimento.
O facto de o rácio acima apresentado ser mais elevado nuns países do que noutros é explicado por todos estes factores. Um país bem pode ter o povo mais esforçado do mundo que se não tiver máquinas e equipamentos modernos, boas infraestruturas e de transportes e comunicações, competências e conhecimentos avançados ou estratégias empresariais adequadas a cada contexto, terá sempre uma “produtividade do trabalho” modesta.
Por outras palavras, dizer que o nosso problema é a “baixa produtividade do trabalho” é o mesmo que dizer que chegámos ao que chegámos por culpa dos gambuzinos. Na verdade, é mais correcto atribuir a baixa produtividade da economia portuguesa aos gambuzinos do que dizer, com ar sério e ufano, que a culpa é da preguiça endémica que assola o nosso país.
Este post, escrito há mais de 5 anos, tentava avançar um pouco na discussão. Mas está visto que, volta não volta, temos de voltar ao tema.
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9 comentários:
Este post deveria ser repetido até à exaustão ! Devia ser viral (como está na moda dizer...). Porque o que de facto existe é uma ignorancia de alto a baixo nas hierarquias do Estado, dos governos e dos comentadores/jornalistas e empresas , sobre o assunto.
Apontam o factor trabalho como a única causa de todos os males e isso é mais uma criatividade lusa, olá se é!
Ignorando as relações de trabalho e todas as forças de produção (que não só os trabalhadores, obviamente), o “ónus” da produtividade acaba sempre por recair sobre a única variável “disponível”: os trabalhadores (esses preguiçosos!)
Esses avençados (comentadores económicos da TV) não são burros, fazem-se…
Ricardo:
Para mim o mais importante é o numerador do rácio e a determinante, não só do VA, mas de todo o output e que é o PREÇO. A análise desta variável conduz-nos ao poder, à força que domina a «seleção natural» que já passou ao discurso despudorado. O mais forte impõe o preço. Os avençados chamam-lhe mercado. E continuam a medinacarreirar-nos os ouvidos.
Lídia (Vila Real)
A baixa produtividade em Portugal não se deve ao factor trabalho , mas a outros factores
Concordo com o comentário do anónimo, este post devia ser repetido até à exaustão.
Sobre a produtividade há ainda um factor que parece que não foi referido.
Empresas como a PT, Autoeuropa, Cimpor (antes do descalabro provocado pelos novos patrões brasileiros), etc. têm uma produtividade elevada, mais elevada, por exemplo que a do sapateiro aqui ao pé de casa (patrão e um "colaborador").
E isto é importante, Portugal tem micro empresas a mais, parece que cerca de 250.000! E estas micro empresas têm sempre uma produtividade baixa.
O que Portugal precisa não é de um programa de empreendorismo para cada um criar o seu posto de trabalho mas antes um programa de engorda de empresas pois o mix de micro, pequenas, médias e grandes empresas encontra-se demasiado inclinado para as micro empresas. A Alemanha tem uma produtividade maior do que Portugal, a Alemanha ou o Japão mas estes países têm uma percentagem menor de micro empresas e uma percentagem maior de empresas médias.
Se 1% das micro empresas (2.500) passassem a empresas médias com uns 300 trabalhadores em vez dos um ou dois das micro empresas, criavam-se 750.000 postos de trabalho, isto é, o desemprego passava a ser um mínimo técnico e tínhamos de voltar a receber imigrantes, o PIB dava um salto e a produtividade aumentava.
E o que faz o governo? Faz propaganda para convencer que qualquer jovem que não crie uma micro empresa, isto é, não crie o seu posto de trabalho é atrasado mental ou cobarde e, ao mesmo tempo, em vez de ajudar as micro empresas a crescer, afoga-as em impostos e até as obriga, muitas vezes, a endividar para pagar adiantadamente o IVA.
Porque é que o governo não dá um "prémio" fiscal quando uma empresa cresce? Isto é, empresa que aumente as vendas, contrate mais trabalhadores e melhore a sua produtividade, em vez do castigo de pagar mais impostos, não teria antes direito a um desconto nesses mesmos impostos?
Em Portugal Temos um sector primário e secundário muito débeis e um sector terciário de serviços tradicionais o que torna este país numa sociedade bloqueada
O país chegou á falência em 2011, por vários motivos dos quais saliento: foram feitas obras que não necessitavam ser feitas, tais como estádios de futebol (Leiria, Aveiro e outros), parques de estacionamento (Armação de Pera e outros...), agora fechados, autoestradas (onde agora não passam carros)por isso não fazem falta, porquê??? porque muita gente meteu dinheiro no bolso indevidamente, politicos, presidentes de camaras, advogados, imobiliários, .... para comprar montes no Alenteja e outros. Agoram digam que é da produtividade e dos gastos do Zé povinho. F.
Como temos um aparelho produtivo muito débil , houve a tentação de desenvolver o país e arranjar receitas através da construção de infraestruturas materiais.
A grave crise do capitalismo financeiro , as política monetaristas em vigor na Europa , o ataque das agências de rating e dos grandes bancos Europeus e Norte- americano a que eufemisticamente se chamam de "mercados ",o alinhamento do actual Governo com as instâncias internacionais dominantes, entre outros factores deu origem aquilo que todos nós podemos ver
Pois! A produtividade...
Já faz uma década que tenho esta opinião, mas vou repeti-la mais uma vez:
O problema da falta de produtividade das empresas portuguesas não está nos trabalhadores (os dos níveis inferiores), mas na enorme falta de capacidade/cultura de gestão dos níveis intermédios e de topo (em especial estes últimos).
Os nossos trabalhadores, são mais esforçados e trabalham mais horas do que os de outros países. Os seus dirigentes é que por falta de capacidade e formação (e dimensão e capital, reforçando a ideia do comentário anterior sobre as microempresas) não conseguem transformar esse esforço em maior valor acrescentado.
Digo isto com o conhecimento de quem já trabalhou no estrangeiro, e sabe que lá, horas de saída são horas de saída e nem mais um minuto. Mas que enquanto se está a trabalhar, os superiores tudo fazem para retirar o máximo proveito desse tempo.
A começar pela gestão dos recursos humanos: há uma correcta definição dos postos de trabalho, ou seja, quais as características de quem os deve ocupar, qual a formação que deve ter, e que lhes é efectivamente dada.
Continua numa boa definição dos processos das empressas: acabando com o tempo perdido à procura de informação sobre como fazer e com quem, e com improviso e falta de rigor. Também as ferramentas de trabalho estão identificadas, estão à disposição e existe formação nelas.
A gestão de produção garante a pontualidade dos matériais e das entregas das encomendas, reduzindo os tempos os mortos, os desperdícios e os defeitos.
A gestão comercial sabe quem são os clientes, o que procuram e como os conquistar.
A gestão financeira trabalhando integradamente na empresa, planea o futuro e controlando o presente.
E a gestão de topo, formada, informada e com visão estratégica, comanda a médio/ longo prazo apoiada em boa informação, confiança na capacidade dos trabalhadores que formou e no modelo de negócio que demorada e estudiosamente definiu.
Mas para isso é necessário, tal como referi, capital, conhecimento e tempo. Tudo aquilo que o microempressário não tem. E por isso andamos sempre a correr a trás do prejuízo. Insatisfeitos, cansados e cada vez mais pobres.
Outras vezes, o capital até existe, mas é controlado por quem não tem a formação, e recusa-se a abdicar do poder, insistindo em fazer as coisas "como sempre se fizeram", que que bons frutos lhes renderam no passado, como se tudo evoluísse excepto os seus preciosos micro cosmos (leia-se empresas).
Mas a dura realidade é que gostamos que as coisas sejam assim. Gostamos do improviso, dos salários baixos, de não termos de dar contas a ninguém, nem que ninguém nos peça por contas ou questione as nossas opções.
Gostamos do vendedor que, sem formação, se desenrasca. Mesmo à custa da imagem da empresa.
Do operário que, sem formação, se desenrasca. Mesmo à custa de menor qualidade e produtividade.
Do contabilista que, sem orientação, desenrasca poucos impostos e nenhuma inspecção das finanças. Mesmo à custa de total ignorância dos verdadeiros custos, margens e lucros da empresa.
Mas a culpa não é deles, os Sr.s engenheiros, médicos, advogados e outros, que sem qualquer formação em gestão, comandam as nossas empresas, privadas e publicas. É do "sacana" do trabalhador, que sem qualquer formação, nao sabe distinguir uma chave inglesa de uma francesa. Que utiliza o word é para fazer orçamentos, porque não sabe que as contas se fazem no excel. Que vende um fax porque nao sabe que um computador pode fazer a mesma coisa com menos custos e mais utilizações possíveis.
E em tudo isto se perdem alguns cêntimos, mas que ao fim do ano representam milhares de milhões de euros na nossa economia.
Ah, a produtividade... Essa malandra que nos escapa.
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