Cito de memória o diálogo de um filme dos anos oitenta, «Aeroplano» (de Jim Abrahams e Jerry e David Zucker). Quando o avião se começa a descontrolar, um dos assistentes sugere um conjunto de procedimentos ao impreparado e improvisado piloto, tendo em vista estabilizar o aparelho. Mas o piloto responde que não, que nem pensar, que «fazer isso seria uma loucura irresponsável». Para dizer, de seguida, o que decidira fazer, em alternativa ao que lhe era proposto: levar a cabo os procedimentos que lhe tinham acabado de recomendar.
Vem isto a propósito, evidentemente, das garantias ontem dadas por Passos Coelho, de que «Portugal não quer nem mais dinheiro nem mais tempo» da troika. De facto, ao ser confrontado com o descarrilamento total dos objectivos do Memorando de Entendimento, o que o primeiro-ministro vai fazer é apenas discutir a possibilidade de dilatar, em mais um ano, o prazo estabelecido para o cumprimento do défice, nos 3% fixados pela UE. Nada de mais tempos nem de mais dinheiros, nem pensar. Mas não será isto uma espécie de renegociação? Sim. Só que nada tem que ver com as propostas loucas e irresponsáveis que têm sido feitas, à esquerda, nesse sentido. «Estamos na direcção correcta. Não existe necessidade de alterar a trajectória», afiança Passos Coelho.
O que quer isto dizer? Que a crise está superada? Não. O desemprego que alastra, as falências em catadupa, o empobrecimento sem fim estão aí para o demonstrar: estamos hoje muito pior do que quando a maioria de direita tomou posse. Quer então dizer que a austeridade está finalmente a chegar ao fim, a tornar-se desnecessária? Não. O primeiro-ministro prepara-se para reforçar a dose, antecipando para 2013 o corte de mais 4 mil milhões na despesa pública e esboroando assim ainda mais o consumo interno, numa economia que já se encontra em farrapos.
O que isto quer dizer é, como assinalava o Nuno Teles no dia em que o governo celebrava a fraude do «regresso aos mercados», que estamos a entrar formalmente no segundo resgate. Isto é, o financiamento de mercado chegar-nos-á eventualmente graças às intervenções do BCE, enquanto garante de última instância das dívidas soberanas dos países da zona euro. E a austeridade, que se prolongará criminosamente, está agora inscrita nas «condicionantes» referidas por Mario Draghi para que o BCE possa exercer esse papel, quando a troika já não andar por cá. Novas, redobradas e sucessivas medidas de corte orçamental e aumento de impostos, numa espiral destrutiva que não terá fim. É a isto que Passos Coelho e Vítor Gaspar chamam o início do fim do Memorando de Entendimento.
No Brasil, o título do filme de Jim Abrahams e Jerry e David Zucker foi traduzido por «Apertem os cintos... O piloto sumiu!». Sim, apertem os cintos: é isso que nos vão continuar a pedir para fazer, enquanto o avião continua a despenhar-se. Sim, apertem os cintos: o piloto não sumiu, apenas entrou em modo automático. Sim, apertem os cintos: mesmo que isso, como até aqui, não nos vá valer de rigorosamente nada. Se não for detido, o avião prosseguirá a sua rota suicida, até ao impacto final.
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5 comentários:
Robert Hays era o piloto, Leslie Nielsen era o médico! Falha imperdoável a citar um filme brilhante...
Tem razão caro anónimo. Obrigado.
Talvez o erro na análise, esteja no processo de intenções que está subadjacente, ás medidas implementadas! Capturar a riqueza do cidadão - trabalho e património!
EMPOBRECER, diria o Passos.
e nem precisamos de nenhum estarola de Harvard que nos venha dizer isso.
O objectivo da austeridade näo é o crescimento económico, é a destruiçäo do que resta do Estado Social, fim dos sindicatos, precariedade social, proletarizaçäo da antiga classe média.
E por isso está a resultar em cheio, por isso continuaremos a ter mais e mais austeridade.
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