São José Almeida escreve hoje no Público sobre «as razões por que a crise se discute pouco ou nada em Portugal». Razões. No plural, como deve ser. Na linha do que aqui temos escrito, acho que este défice no nosso país pode, em parte, mas só mesmo em parte, ser explicado pelo medo do pluralismo que ainda domina o ensino e o debate da economia dentro e fora da academia num contexto marcado por um paradoxo: a acção de muitos economistas académicos convencionais foi parcialmente responsável pelo retorno dos padrões de instabilidade e de desigualdade que tornaram cada vez mais pertinente a teoria económica crítica, que sobreviveu nas margens da disciplina e que sempre se preocupou em estudar as crises do capitalismo. Acho que há muita gente, sobretudo economistas, com receio de perder o pé num debate aberto sobre as origens da crise. Nem todos estão dispostos a assumir responsabilidades, a aprender e a rever posições.
A experiência ensina-nos que na academia há sempre quem prefira recorrer a métodos que podemos designar por «extra-científicos» para evitar debates que agora são fundamentais e para manter e difundir convicções que agora são obsoletas. Essas convicções suportaram todos os idealismos de mercado. Estes últimos são inofensivos e até podem ser intelectualmente estimulantes se não se desse o caso dos economistas que os defendem serem particularmente afectados pelo que Schumpeter designou por «vício ricardiano», ou seja, pela tendência para a prescrição de políticas e de soluções institucionais a partir de saltos mortais que se iniciam em pressupostos irrealistas sobre as dinâmicas socioeconómicas e acabam em propostas liberais com resultados quase sempre catastróficos.
Felizmente, a crise pode acelerar a tendência para que a economia, enquanto objecto de estudo e campo de inevitável e instrumental experimentação, deixe de ser monopólio dos que alinharam com uma «ciência esquálida», manipuladora e claramente enviesada do ponto de vista ideológico. A necessária perda de monopólio da «ciência esquálida» poderá vir, entre outros, do crescente interesse nas outras ciências sociais por temas económicos que a economia dominante tendeu a descurar: os fundamentos institucionais da economia que determinam quem se apropria do quê e porquê, a relação entre a diversidade das instituições e a diversidade dos hábitos e comportamentos humanos ou a necessária compatibilização de uma multiplicidade de fins no campo da provisão. Economia, economia política, filosofia social, sociologia ou antropologia económica. Chamem-lhe o quiserem.
De qualquer forma, há quem continue apostado em discutir a história das ideias económicas ou os actuais fundamentos das políticas públicas no campo da provisão. São os temas de dois cursos de formação abertos a todos. Porque os temas económicos são demasiado importantes para serem deixados aos economistas esquálidos e porque uma das formas de superar os défices de discussão no nosso país passa por democratizar a discussão. Não percam.
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1 comentário:
Que pena não ser feito em Coimbra... Ainda por cima com tantos docentes de cá.
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