quinta-feira, 31 de maio de 2007

Os discursos de Sócrates

«Ninguém será penalizado pelo exercício do direito de liberdade de expressão, mesmo que seja utilizado no limite da boa educação», disse hoje José Sócrates no Parlamento. A primeira vez que ouvi o primeiro ministro defender esta posição, fiquei mais tranquila. Porém, dadas as contradições entre este discurso e as afirmações de vários responsáveis do seu partido, e admitindo que não gosta de ser desautorizado, começo a desconfiar que Sócrates tem um discurso para fora do partido e outro para dentro.

Como é que um socialista pode defender a delação?

«Um professor, pelas responsabilidades que tem, não pode insultar cidadãos. Como é que pode ensinar alunos?» pergunta Renato Sampaio, presidente da distrital do PS/Porto, intervindo em defesa do processo disciplinar instaurado contra o funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte.

Berlusconi não esquece os amigos

Silvio Berlusconi ofereceu um emprego ao amigo Tony Blair para quando este deixar o Governo britânico, no dia 27 de Junho: o cargo de reitor na Universidade Internacional, que este está a criar em Florença.

Aposto que é fura-greves

Um técnico da companhia de electricidade Mercury Energy cortou a luz a uma utente que dependia de um ventilador para sobreviver porque esta não pagara a conta. A família desta professora de 44 anos alertou o funcionário para o facto, mas este respondeu que estava apenas a fazer o seu trabalho e abandonou a casa depois de cortar a luz, noticia o DN de hoje, citando a BBC. Devia estar a acumular pontos para receber o prémio de produtividade ao fim do mês.

Sindicatos

Uma coisa temos clara: a defesa do Estado Social, a luta pela «rigidez no mercado de trabalho», que tem indubitáveis vantagens socioeconómicas, ou o combate às desigualdades, que têm nos sindicatos o seu principal esteio, são das melhores expressões de qualquer coisa que se assemelhe ao bem comum. Em Portugal as nossas precárias expressões desse bem comum estão a ser, mais do que nunca, corroídas. Aliás, não é por acaso que as sociedades com uma variedade de capitalismo mais decente são aquelas que têm taxas de sindicalização mais elevadas (países escandinavos). Todos os liberais sabem isto. Caso contrário não fariam dos sindicatos o seu principal alvo. Nos próximos tempos voltaremos a estes temas.

Tempos sombrios

Num contexto de desemprego elevado, de generalização da precariedade e de proliferação de relações laborais atípicas que aumentam os laços de dependência, fazer greve tem custos demasiado elevados para demasiados trabalhadores. O poder nas relações económicas é isso: a capacidade que A tem de fazer com que B faça o que A deseja porque A tem a capacidade de impor custos sobre B se isso não acontecer. Em Portugal, os patrões têm hoje demasiado poder. A ameaça de despedimento é obviamente a principal arma. Em tempos de crise essa ameaça é demasiado credível.

Por isso, é natural que a greve ocorra sobretudo onde os trabalhadores conquistaram uma maior capacidade, através da sua acção colectiva, de diminuir esses custos. Por isso é natural que a greve geral de ontem tenha sido mais elevada na função pública, nas empresas públicas e em algumas grandes empresas do sector privado onde os trabalhadores estão mais organizados e resistem melhor à fragmentação das solidariedades de classe. Também é claro que a mobilização nestes sectores, pelas exigências que coloca na agenda política, tem impactos positivos sobre todos.

Dito isto, parece que até aí a greve também não atingiu a adesão de outras greves. A conclusão parece-me tão clara quanto dura: «foi a mais fraca greve geral até hoje organizada em Portugal». Embora haja lutas em que o mérito está todo em nelas participar, mesmo que se perca, é preciso dizer agora que a greve geral parece não ter cumprido os seus objectivos de mobilização. Apurar as razões para este facto deve ocupar seriamente o movimento sindical nos próximos tempos. Pesada agenda. Esperemos apenas que dessa agenda estejam afastadas tentações de impor linhas sectárias na estratégia do movimento sindical.

Motivos de denúncia pública das práticas de gestão privada

Um estudo recente da CMVM veio dar conta da existência de remunerações desproporcionadamente elevadas auferidas por administradores de empresas cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa. Note-se que o que está em causa não é simplesmente o facto de os executivos serem bem pagos em Portugal. Estamos antes a falar de membros de conselhos de administração que recebem remunerações astronómicas (e.g., 3 milhões de euros/ano no BCP) sem se perceber porquê. Em particular, não se compreende que empresas com desempenhos relativamente modestos paguem significativamente mais (2, 3 ou 4 vezes) aos seus administradores do que outras empresas dos mesmos sectores de actividade.

A dificuldade em encontrar uma qualquer desculpa aceitável para estas práticas é o motivo pelo qual o tema tem sido objecto de discussão, mesmo por parte dos colunistas mais insuspeitos (ver dois exemplos, aqui e aqui).

Na verdade, a questão das remunerações desproporcionadas dos executivos em Portugal merecia um debate público mais vasto, tanto mais que nele convergem vários interesses e posições que surgem em pólos opostos noutros contextos, por exemplo:

● os trabalhadores dessas empresas, a quem é dito que têm de trabalhar mais por menos (ou seja, o produto do trabalho colectivo está a ser apropriado por apenas uma das partes da organização);

● os pequenos accionistas, que têm tipicamente pouca influência na definição das regalias dos administradores e que estão assim, como diz o Robin Joe Berardo Hood, «a pagar as viagens em avião privado» dos Jardins Gonçalves;

● os consumidores, que têm motivos para desconfiar que uma empresa que paga recompensas desproporcionadas aos administradores está a abusar de uma posição dominante, quando poderia fazer reflectir em maior medida os seus ganhos de produtividade nas condições de consumo;

● os defensores da concorrência, que não podem ver neste tipo de situações outra coisa que não seja um sinal de ausência de pressão concorrencial (e, logo, uma potencial arena de intervenção das autoridades de concorrência);

● os economistas morais, que sustentam que a lógica de mercado não é nem nunca foi base legítima de justificação para as condições de troca e que qualquer sistema económico se define pelo que é (e pelo que não é) socialmente aceitável;

● os defensores da justiça social e/ou da igualdade de oportunidades, que vêem nesta situação um sinal de que a sociedade está a ser incapaz de promover tais valores.

Num post anterior o João alertou para o direito e a importância da sociedade escrutinar o que se passa no sector privado. Seria, de facto, um bom exercício de cidadania generalizarmos esta prática em Portugal - não partindo do princípio de que as práticas de gestão de empresas privadas não são passíveis de discussão pública.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Furei a greve conscientemente



Fica aqui não mais que a minha cena preferida de um filme. Neste caso do filme "Querido Diário", de um dos meus realizadores favoritos, Nanni Moretti. A música é de Keith Jarret, Concerto de Colónia. Até amanhã.

Greve Geral

Elogio da Dialéctica

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo

Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.

Bertolt Brecht

Afinal a JSD queria ofender o camelo


O líder da JSD, Pedro Rodrigues, disse em entrevista ao DN que a sua organização não pretendeu ofender Mário Lino com o cartaz reproduzido em baixo. «Rejeito totalmente a ideia de a JSD estar de forma directa ou indirecta a ofender Mário Lino com o camelo». Ah não? É que parecia mesmo. Aquela seta do Ministério das Obras Públicas que, por caso, aponta para um camelo que, por acaso, é cor-de-rosa resultou afinal de uma infeliz coincidência. Resta então uma de duas alternativas: ou a JSD pretendeu ofender o camelo ou então gosta de tratar como camelos os leitores daquele jornal.

Isto começa bem...


terça-feira, 29 de maio de 2007

Eu cá prefiro os grevistas

Meus amigos, vale mesmo a pena perder tempo (que é como quem diz 15 segundos) com este poste sobre a greve geral. Nele, o autor tem o mérito de conseguir reunir de forma inocente e singela um conjunto de lugares-comuns da direita ignorante (sim, porque nem toda a direita fala assim) sobre o exercício da greve. A determinada altura refere JCD que «hoje em dia [...] já quase ninguém faz greve no sector privado», apenas meia dúzia de trabalhadores-piratas das empresas dos transportes e funcionários públicos.

Isto até nem está longe da verdade e a razão é simples: neste País, onde a democracia ainda é imberbe, há muitos patrões e chefes como o JCD que confundem o exercício da greve com preguiça e comunismo e que escrevem a expressão «direito inalienável» [à greve] em itálico. Pois, fique este senhor a saber se eu estivesse a seleccionar um trabalhador entre dois empregados de uma empresa dirigida por um qualquer JCD, não hesitaria em escolher o grevista: seria com certeza corajoso (sem receio de enfrentar um chefe autoritário e ignorante), abnegado (perder um dia de salário e enfrentar a desconfiança do chefe), empenhado (nas suas ideias, certas ou erradas), franco (aderir a uma greve é feito à vista de todos) e teria de ser mesmo muito bom e diligente para não ter sido ainda despedido.

PS: Gostei também da foto do Carvalho da Silva em jeito de feio, porco e mau, mesmo a pedir um tiro na cabeça.

Bloquear a concorrência fiscal

João Miranda considera que a harmonização fiscal à escala da União Europeia, no que diz respeito à taxação sobre os rendimentos do capital, consistiria em alinhar os regimes fiscais pelo padrão mais exigente. Isto não é necessariamente assim. Harmonização fiscal pode significar apenas um acordo em que se fixam níveis mínimos abaixo dos quais nenhum Estado poderia passar. Bloquear-se-ia assim, parcialmente, um dos instrumentos de política que em contexto de integração económica europeia perversamente foram deixados nas mãos dos Estados nacionais e limitar-se-ia a erosão da base fiscal que afecta todos e que impõe na prática opções neoliberais que conduzem à estagnação. E sabe-se que a convergência entre diferentes espaços exige políticas públicas robustas e diversificadas de investimento e a realização de transferências para as regiões mais pobres.

Políticas que na União Europeia precisam de ser mais promovidas (através do aumento do orçamento comunitário). Isto tem de ser financiado. Porque na ausência destas políticas, o mais provável é que, num contexto em se privilegiam apenas as forças de mercado, tenhamos mais polarização social e espacial. Felizmente, esta intuição está inscrita na União Europeia através do instrumento dos fundos estruturais. É só aprofundá-la. Todos ganhamos.

Do outro lado do Atlântico



Dada a pobreza de meios da nossa comunicação social, a informação internacional de que dispomos está hoje, com notáveis excepções, completamente dependente dos critérios das grandes agências de notícias, como a Reuters ou a AFP. Sabemos por isso pouco de realidades que nos interessam, mas escapam ao seu critério editorial.

O Brasil é um bom exemplo. Soubemos tudo sobre a visita papal, mas dificilmente sabemos do actual clima de forte contestação estudantil. Vários decretos do governador do Estado de São Paulo, José Serra (PSDB, centro-direita), puseram em causa a autonomia financeira das universidades públicas. O risco de este ser o primeiro passo para o estrangulamento financeiro e privatização do ensino superior foi bem identificado pelas organizações estudantis. Começou pois um enorme movimento de ocupação (pacífica) das universidades, iniciado na USP (Universidade de São Paulo) e que se estendeu à Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e Unicamp (Universidade de Campinas).

Para saber mais, vale a pena ler o blogue do sociólogo português Elísio Estanque, a viver os acontecimentos in loco. Deixo também a ligação para o blogue dos estudantes paulistas.

Um sopro de democracia nos locais de trabalho


Esta é a feliz expressão escolhida por Manuel Carvalho da Silva para descrever a natureza da Greve Geral que foi convocada pela CGTP para amanhã. Vejam aqui e aqui as boas razões económicas, sociais, políticas e morais invocadas pela central sindical.

A perversa concorrência fiscal

«Existe uma característica dominante na generalidade dos países da OCDE, de acordo com estudos recentemente divulgados: as nações, em busca da captação de investimentos reduziram, nos últimos dez anos, de forma drástica, as taxas - incluindo a derrama - sobre os lucros». No DN de hoje.

Portugal encontra-se na vanguarda deste processo uma vez que «está entre as nove nações da OCDE com a mais baixa taxa de IRC». Com os belíssimos resultados que todos conhecemos. É o que acontece quando, num contexto de liberdade irrestrita de circulação de capitais, se evita a harmonização fiscal. É por estas e por outras que quem defende a justiça fiscal não pode deixar de ser europeísta.

Greve Geral

Sobre a economia política da greve Daniel Oliveira diz o essencial: «As empresas têm formas de pressionar os governos quando qualquer política prejudica os seus legítimos interesses. Usam o seu poder económico e político, imensamente superior ao do comum dos cidadãos. Os trabalhadores, que mais não têm que o poder do seu voto, têm, para reforçar o seu poder negocial junto do empregador ou para defender os seus não menos legítimos interesses junto do poder político, um outro instrumento: a greve. Legal em muitos países europeus há mais de um século, é a forma institucionalizada dos trabalhadores fazerem sentir ao poder político e ao poder económico o seu próprio poder: o de não produzirem».

A Greve Geral é uma das formas de acção colectiva que pode sinalizar a capacidade de uma parte das classes trabalhadoras de intervir como sujeito político organizado, exprimindo a necessidade socioeconómica, política e moral de se reverter a orientação das políticas públicas que afectam o conjunto do país. A Greve Geral é um instrumento de luta política, ou seja, de intervenção nas questões que fazem a comunidade. E pode, se bem sucedida, ajudar a alterar correlações de forças e assim contribuir para instituir novas regras do jogo que bloqueiem certas liberdades dos grupos que controlam os activos da economia e assim aumentem as liberdades dos que para viver não podem deixar de se levantar todas os dias da semana à mesma hora de sempre.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Rufus Wainwright - Going to a town


Novo albúm deste cantautor. Vale a pena estar atento à letra.

Vitória dos trabalhadores europeus! (II)



O Hugo Mendes responde a este meu post, mostrando preocupação com o que aconteceu com os trabalhadores letões. Não sou indiferente à sua sorte, mas continuo a afirmar que sim, foi uma vitória dos trabalhadores europeus, letões incluídos.

Posso não me ter explicado bem, mas o que sucedeu foi simplesmente a exigência dos sindicatos suecos de abranger os trabalhadores letões (a trabalhar na Suécia) nos seus acordos colectivos de trabalho. Parece-me, por isso, chocante que se defenda que os trabalhadores letões podiam ganhar menos do que os seus congéneres suecos, com quem trabalhavam lado a lado, só por serem... letões!

O Hugo diz ser um defensor do modelo sueco e eu sinceramente acredito. Contudo, penso que se esquece como foi este modelo construído, além de aderir acriticamente ao modelo neoclássico do mercado de trabalho, já bem criticados neste blogue. Foi através da luta social nacional e internacional(ista), muitas vezes trágica, e não por aceitarem "provisoriamente salários bem mais baixos do que os seus congéneres", que os trabalhadores s alcançaram o actual modelo social europeu. Beneficiamos hoje das lutas e conquistas que os trabalhadores tiveram fora das nossas fronteiras e fora do nosso tempo. Não é por acaso que o dia do trabalhador é comemorado em memória dos que morreram (nos E.U.A.) pelas actuais oito horas de trabalho.


É engraçado que o Hugo invoque o hipotético caso de se tratarem de trabalhadores portugueses em vez de letões. Curiosamente, trabalhadores portugueses viveram exactamente a mesma situação em França na France Telecom, onde trabalhavam para uma empresa portuguesa (Visabeira) com contratos de trabalho portugueses. Aplicando o desonesto, mas ubíquo, exercício do insider/outsider, deveria considerar os emigrantes em França com contratos franceses como os privilegiados insiders, frente aos outsiders trabalhadores da Visabeira, certo? Dividir para reinar sempre foi uma boa estratégia.

Agora, mais devagar...

Ainda sobre a «taxa plana». Primeiro, um conselho: leiam os posts com mais calma. O João Rodrigues limita-se neste post a reiterar as críticas já postadas (com excelente comentário) ao famoso artigo do Banco de Portugal defensor da progressividade da taxa plana. Para quem não tem paciência para lá voltar fica só um lamiré: o artigo criticado parte do pressuposto da imortalidade das famílias. Se isto não é uma ficção, então eu quero saber o fantástico segredo que estes bloggers escondem.



«Acho que devíamos ser mais explícitos no segundo passo (um milagre ocorre)»

Depois, fico muito contente em saber que os nossos ultra-liberais têm preocupações com a justiça social e fiscal. Pensava que defendiam que tudo o que ganho a mais comparativamente com os outros é merecido (o mercado funciona!) e tudo o que tiver que pagar a mais em impostos é puro roubo.

Vital Moreira, um jurista, revela mais conhecimentos de economia politica (há outra?) do que todos os blogues neo-liberais juntos, aqui e aqui.

Um grande economista de combate no ISCTE

Paul Singer, um dos mais importantes economistas brasileiros, um dos mais conhecidos especialistas da economia solidária da América Latina e actual Secretário Nacional de Economia Solidária do Brasil, vai dar uma conferência no ISCTE (Lisboa, Av. das Forças Armadas, metro de Entre Campos), na próxima 4ª feira, dia 30 de Maio de 2007 às 18h. O tema será «A Economia Solidária no Brasil e na América Latina, por comparação com a da Europa». A não perder. Bem sei que dia 30 de Maio é dia de Greve Geral. Mas a conferência é em horário pós-laboral.

E Paul Singer faz parte daquela minoria activa de economistas, que pelo seu trabalho académico e intervenção pública, está à altura das tarefas que Alfred Marshall fixou para a profissão no início do século XX: «Mesmo hoje, não há dúvida de que os homens são capazes, muito mais do que imaginam, de comportamentos generosos: assim, o objectivo supremo do economista deve ser descobrir como é que este activo social latente pode ser o mais rapidamente e sabiamente possível posto em prática e desenvolvido».

Pobreza em Portugal

Ontem o jornal Público referia um estudo de Alfredo Bruto da Costa, um dos investigadores nacionais que mais tem estudado o fenómeno da pobreza em Portugal, onde se avançava com mais um dado revelador da fractura social: aparentemente entre 1995 e 2000, «quase metade das famílias portuguesas - exactamente 47% - passou por uma situação de pobreza pelo menos durante um ano».

Perante este dado, Bruto da Costa citou Agostinho Fortes que em 1925 havia afirmado: «Infelizmente o que se tem conseguido neste ramo do problema social é tão pouco eficaz que deixa a impressão de que a miséria é cultivada com ternura, amor e dedicação». O pior é que desde 2000, com o acentuar da crise económica e social, esta situação só se deve ter deteriorado. Em Portugal são sempre os mais pobres que têm de suportar a maior parte do fardo do que alguns economistas chamam o «ajustamento necessário da economia».

A privatização da segurança

«O número de empresas de segurança está a aumentar fortemente em Portugal. No final de Março, existiam no País 112 companhias a operar neste sector, mais 23% do que no ano passado».

Em época de crise económica e social, aqui está um ramo que tende a prosperar nas sociedades mais polarizadas. Os custos com a vigilância poderiam ser fortemente diminuídos se se apostasse na mudança de modelo socioeconómico. Sociedades mais desiguais e com maiores clivagens são sociedades onde se investe mais neste tipo de «sectores improdutivos». E como sempre acontece, o Estado dá um forte contributo.

Perdidos no Atlântico

O blogue Atlântico tem um poste recente sobre a Venezuela onde faz referência a um texto nosso. Seria uma excelente oportunidade para polemizar com a direita, mas não estou a ver como. É que a linha de raciocínio de Pedro Marques Lopes é muito confusa de tão vasta (atlântica) que é... Primeiro compara a Venezuela e a governação de Chávez à invasão da Hungria, do Afeganistão e Primavera de Praga. Depois faz alusão à «lealdade inusitada» de Mário Soares a Chávez e seus ataques à democracia e liberdade. E finalmente termina, indignando-se com o facto do Governo português receber um chefe de Estado, democraticamente eleito, diga-se, de um país onde existe uma importantíssima comunidade portuguesa. Meus amigos, atirem-nos um argumento, só unzinho, para podermos responder de volta!

domingo, 27 de maio de 2007

O drama de Carvalho da Silva

A SIC Notícias acabou de emitir uma entrevista com Carvalho da Silva. O líder da CGTP esforçou-se por explicitar os motivos que justificam esta greve: perda do poder de compra dos trabalhadores, aumento do desemprego, redução do valor futuro das pensões, desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e um ataque sem precedentes, em todos os domínios, aos funcionários públicos. São motivos válidos e mais do que suficientes para se convocar uma greve. Mas que não chegam para fazer dela um sucesso. Faltam as tais condições subjectivas, tão caras aos marxistas. Falta uma bandeira (como foi o código de trabalho em 2002), falta mobilização e falta a convicção no instrumento político da greve. No sector privado, a greve será marginal, ainda mais do que o habitual dados os vergonhosos serviços mínimos fixados nos transportes. No sector público, os trabalhadores estão cansados das inúmeras greves «que não servem para nada» e sem cheta (têm as progressões na carreira congeladas há quase dois anos e parece que assim vai continuar). Carvalho da Silva sabe isso perfeitamente.

Claro que a greve geral trará alguns frutos. Servirá para agitar a semana, garantindo algum algum tempo de antena nos meios de comunicação social e abrindo espaço à discussão das políticas do Governo e à denúncia dos ataques aos interesses dos trabalhadores. Mas, no final da semana,virá a ressaca e a percepção de que a jornada de luta fracassou. José Sócrates saberá capitalizar a fraca adesão, confundindo-a com um apoio tácito dos trabalhadores ao seu projecto governativo. E a maior e mais combativa central sindical do País sairá enfraquecida. E pior de tudo, Carvalho da Silva e a linha heterodoxa que o suporta será responsabilizada pelo fracasso por aqueles que o forçaram a avançar para este protesto. Carvalho da Silva também sabe isso mas dirige-se de peito aberto para mais uma batalha na sua vida. Não a da greve geral, mas a que se está a travar em surdina dentro da CGTP, e da qual vai sair vencido. Mas vai à luta porque ele é um daqueles «imprescindíveis» (que lutam toda a vida) de que falava Bertolt Brecht. Nessa luta, pela liberdade viva da CGTP, pode contar comigo!

Uma grande bicicleta


O Arrastão fez anteontem um ano. Está de parabéns Daniel Oliveira por manter sozinho um dos mais importantes blogues para a luta das ideias e para a renovação do discurso de esquerda em Portugal.

Vale mais rir do que chorar


Deixo-vos aqui os agradecimentos de Paulo Portas segundo a "Edição Extra". Cada vez mais acho que o que salva este País é o humor.

sábado, 26 de maio de 2007

Sociologia de Combate

«Em 2005, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, colocou na agenda política o objectivo de construir o "socialismo do século XXI". Desde então, dois outros governantes, tal como Chávez, democraticamente eleitos, Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador), tomaram a mesma opção. Qual o significado deste aparente desmentido do fim da história? Qual o perfil da alternativa proposta ao capitalismo? Que potencialidades e riscos ela contém? O socialismo reemerge porque o capitalismo neoliberal, não só não cumpriu as suas promessas, como tentou disfarçar esse facto com arrogância militar e cultural; porque a sua voracidade de recursos naturais o envolveu em guerras injustas e acabou por dar poder a alguns países que os detêm; porque Cuba, qualquer que seja a opinião a respeito do seu regime, continua a ser um exemplo de solidariedade internacional e de dignidade na resistência contra a superpotência; porque, desde 2001, o Fórum Social Mundial tem vindo a apontar para futuros pós-capitalistas, ainda que sem os definir; porque nesse processo ganharam força e visibilidade movimentos sociais, cujas lutas pela terra, pela água, pela soberania alimentar, pelo fim da dívida externa e das discriminações raciais e sexuais, pela identidade cultural e por uma sociedade justa e ecologicamente equilibrada parecem estar votadas ao fracasso no marco do capitalismo neoliberal».

Boaventura de Sousa Santos, um dos mais importantes sociólogos portugueses, na Folha de São Paulo. Interrogações e algumas convicções. Como deve ser para uma esquerda que não desistiu de construir projectos de emancipação social. Aqui está um artigo que uma certa esquerda, que insiste em ver a história como uma eterna repetição das suas simplistas avaliações, deveria ler.

Leituras de fim-de-semana: John Stuart Mill

«Já não sendo escravizada ou reduzida a relações de dependência por força da lei, a grande maioria é-o por força da pobreza; está ainda agrilhoada a um lugar, a uma ocupação e à conformidade com a vontade de um empregador, estando também desprovida, por força do lugar onde nasceu, dos privilégios e das vantagens mentais e morais que outros herdaram sem esforço e independentemente do merecimento. Os pobres não se enganam quando pensam que este é um mal idêntico à maioria dos males com que a humanidade já se confrontou. Será um mal necessário? Assim lhes é dito por todos aqueles que não têm de o suportar, por todos os que ganharam os prémios na lotaria da vida. As classes que o sistema social tornou subordinadas têm poucas razões para ter fé nas máximas que o mesmo sistema social transformou em princípios». John Stuart Mill, talvez o mais importante economista liberal britânico do século XIX, escreveu isto nos seus Capítulos sobre o Socialismo, publicados postumamente em 1879.

O que torna o liberalismo de Mill tão interessante, entre outras coisas, é que ele procurou aplicar os princípios liberais às relações laborais. Foi assim para além da representação fortemente enraizada que fundava a separação entre a esfera política e pública (a dos direitos de cidadania) e a esfera económica supostamente privada (a das relações contratuais entre indivíduos supostamente dotados do mesmo grau de autonomia). Contribuiu desta forma para alargar a lógica dos direitos políticos à economia em geral e ao mundo do trabalho em particular. Isto, combinado com a ideia de que a autonomia individual exige um conjunto de condições socioeconómicas prévias, levou-o a defender reformas robustas no sistema dos direitos de propriedade e certas formas de «intervenção pública». E a defender também as virtudes económicas, morais e políticas de uma transição gradual para uma espécie de socialismo de mercado, em que fossem os próprios trabalhadores a controlar os activos das empresas, assim acabando com relações de dependência que considerava contrárias às ideias liberais. Este liberalismo está obviamente muito longe do que agora se propaga, tantas vezes usando e abusando do contributo certamente ambíguo, mas sempre fascinante de Mill.

Isto é uma espécie de anúncio publicitário


Entre nós ainda abunda a ideia de que ser de esquerda é ser contra as actividades mercantis. Eu sou dos que acreditam que o capitalismo pode e deve ser impregnado de impurezas, que contribuam para denunciar as suas lógicas mais absurdas e para manter viva (através da prática!) a ideia de que outros mundos são possíveis. Não sei se o projecto dos Goliardos merece tantos epítetos. Mas quem teve o prazer de os conhecer percebe que eles levam a sério princípios como a resistência à industrialização (mas também à elitização) do vinho, o respeito pelo princípio do preço justo, ou a preocupação de tirar do anonimato aqueles que procuram produzir vinho sem subjugar tudo (as pessoas, a terra, o ambiente, a cultura) ao objectivo do lucro. À vossa!

sexta-feira, 25 de maio de 2007

O dia em que a blogosfera criou pânico na economia de casino

«Um simples e-mail provocou a maior desvalorização da Apple em bolsa desde Janeiro, altura em que Steve Jobs anunciou que a empresa vai fabricar telemóveis. A queda de 2,7% nas acções deu-se minutos depois de ter sido anunciado no blogue Engadget.com que a Apple iria adiar o lançamento do iPhone para Outubro e do novo sistema operativo Leopard para 2008.»

(Diário Económico)

Economia única

Muitos economistas excedem-se no seu esforço para promover uma redistribuição do rendimento que favoreça os mais ricos. Fazem-no com argumentos corroborados por «evidência» frágil e que escondem as suas hipóteses de base mais inverosímeis. É agora o caso de Luís Aguiar-Conraria (artigo publicado no suplemento do Público) que procura ultrapassar Tiago Mendes pela direita propondo a eliminação do imposto sobre o rendimento e a sua substituição por um único imposto sobre o consumo (IVA) com umas transferências universais para dourar a pílula. Garante-nos o paraíso na terra: equidade e aumento da eficiência. Quanto à equidade, é evidente que os mais ricos pagariam muito menos impostos e que a capacidade do sistema fiscal para promover a redistribuição do rendimento seria largamente afectada. Quanto à eficiência, o argumento resume-se a uns «inegáveis impactos sobre o Rendimento Nacional» causados por um supostos maiores «incentivos para trabalhar».

E depois vem a frase final «Isabel Correia, investigadora do Banco de Portugal, dissecou estas contas» e concluiu que «os mais pobres seriam os mais beneficiados». É falso. Estamos a assumir que o autor se refere ao já famoso artigo publicado no último boletim trimestral sobre economia portuguesa do Banco de Portugal que demonstra que esta instituição é hoje porta-voz das ideias mais extremistas em matéria de política económica. Na realidade, o artigo de Isabel Correia não passa de uma ficção que só alimenta uma agenda socialmente regressiva. Como o artigo de Luís Aguiar-Conraria.

Diz uma coisa de esquerda



Nuvens negras no horizonte?


Uma das características mais irritantes de alguma esquerda, quando se refere à economia global, é a constante previsão de uma grande depressão (como a de 1929) ao virar de cada esquina da História. Mais inquietante é, contudo, quando as preocupações com o futuro do capitalismo global vêm de fontes insuspeitas de simpatias anti-capitalistas. Esta semana tivemos dois exemplos.

O primeiro vem hoje num excelente dossiê do Diário de Noticias sobre globalização. O professor de Harvard, Jeffry Frieden, alerta para a crescente tensão entre (e dentro) países gerada pelo aumento das desigualdades que a actual globalização neo-liberal encerra. Não é, por isso, difícil fazer o paralelo com o período de forte integração económica internacional (1896-1914) a que se seguiram duas guerras mundiais e uma grande depressão pelo meio.


O segundo exemplo vem do número da The Economist da semana passada, com preocupações mais endógenas ao funcionamento do capitalismo. Num relatório sobre o sector financeiro global, ao mesmo tempo que se dão hossanas à actual pujança dos mercados financeiros, alerta-se, de forma repetida, para os riscos crescentes em que estes se colocam. Na sede da rentabilidade rápida, os bancos de investimento negoceiam com instrumentos cada vez mais complexos, exóticos e sobretudo arriscados. E já sabemos: a moeda é o «sangue» da economia, quando o sistema circulatório (o sector financeiro) entra em colapso, todo o corpo sofre.

Ainda a desigualdade salarial (II)

Já agora isto requer uma discussão: o que causa esta assimetria? Será um efeito de rede social em que os gestores de empresas protegidas da concorrência internacional acabam por constituir uma casta protegida que circula entre empresas sem o devido escrutínio? E como explicar que este padrão (proveniente dos países anglo-saxónicos) se esteja a generalizar? Serão as transformações no capitalismo à escala global, iniciadas nos anos setenta, que explicam isto?

Eu tendo para a segunda hipótese. Mas talvez não se possa descartar também a primeira. Não sei. Mas sei que há poucas discussões mais importantes do que esta. Sem uma adequada compreensão das causas, é difícil definir políticas capazes de, pelo menos, atenuar esta desigualdade.

Ainda a desigualdade salarial (I)

Cada administrador das empresas cotados que fazem parte do índice da bolsa de valores portuguesa (PSI-20) «recebeu em média 863 mil euros no ano passado [mais de 160 mil contos em moeda antiga], quase cem vezes mais que o salário bruto declarado pelos portugueses à Segurança Social, e que se situa em torno dos 8.680 euros». No suplemento de economia do Público de hoje.

Saudamos a proposta tímida da CMVM, a entidade reguladora da bolsa de valores, de tornar obrigatória a divulgação da remuneração individual dos gestores de topo. Não é que isto mude grande coisa no curto prazo. Mas reforçar o direito da sociedade a escrutinar o que se passa no sector privado vai no bom sentido.

Talvez também assim se nutra a indignação moral que é necessária para adoptarmos medidas mais robustas que possam alterar este perverso padrão.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

É sempre tempo de mudar de opinião

«Esta ideologia extremista do mercado livre, também chamada de "ajustamento estrutural", contrariou as lições de sucesso do desenvolvimento dadas pela China e pelo resto da Ásia. Uma estratégia prática de desenvolvimento reconhece que os investimentos públicos na agricultura, saúde, educação e infra-estruturas são complementos necessários ao investimento privado.Em vez disso, o Banco Mundial olhou, erradamente, para esses investimentos públicos como um inimigo do desenvolvimento do sector privado».

Jeffrey Sachs, hoje uma «estrela» da economia do desenvolvimento. É bom saber que até os economistas mudam de opinião. Afinal de contas o próprio Sachs inspirou, entre outros, o desastroso processo de ajustamento estrutural na Bolívia na década de oitenta e a infeliz «transição» russa da década de noventa. Todas com o patrocínio do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Sobre esta mudança de opinião vejam esta recensão de Doug Henwood, um grande jornalista económico norte-americano, ao Fim da Pobreza, o último livro de Sachs.

As virtudes da divisão do trabalho

«Em vez de desperdiçar energias com números que o INE produz melhor, o IEFP deveria antes concentrar-se a fazer um levantamento sério e rigoroso do perfil do desemprego». Helena Garrido, também no Diário Económico. Tendo em conta o que se disse aqui, este parece ser um bom conselho.

A variedade portuguesa de capitalismo

«Há países que criam e distribuem riqueza e trabalho, outros que se limitam a criar ricos e a distribuir sacrifícios. Este é o caso de Portugal». João Paulo Guerra no Diário Económico. Quais são as regras do jogo que promovem o desenvolvimento deste modelo e quais são as alterações necessárias para o superar?

O casino

«No geral, a Bolsa portuguesa negoceia aos valores mais altos desde Abril de 2000». Isto quando o crescimento é anémico, o investimento privado na criação de capacidade produtiva adicional não descola e o desemprego bate todos os recordes.

Temos, neste contexto, de lembrar o aviso de John Maynard Keynes: «os especuladores são inofensivos se forem bolhas numa corrente empresarial incessante. Mas as coisas tornam-se preocupantes quando a empresa se transforma em bolhas num turbilhão de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país se converte num subproduto das actividades de um casino, é provável que o trabalho esteja a ser mal feito» (Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, 1936).

Lino ainda acaba suspenso preventivamente

O ministro das Obras Públicas disse ontem que «a margem Sul é um deserto» e por isso seria uma «obra faraónica» fazer aí o futuro aeroporto de Lisboa. Falando num almoço promovido pela Ordem dos Economistas, Mário Lino explicou que «na margem Sul não há cidades, não há gente, não há hospitais, nem hotéis nem comércio». E rematou brilhantemente, dizendo que fazer um aeroporto «no Poceirão ou nas Faias» seria o mesmo «que construir Brasília no Alto Alentejo».



Lino devia ter cuidado com as piadas ou pelo menos espaçá-las mais no tempo. É que outros, com muito menos responsabilidades, falando em conversas privadas sobre temas bem menos relevantes para o País, acabaram com um processo preventivo e a aguardar processo disciplinar.

Não chorem tanto pela Venezuela

Daniel Oliveira concorda com quase tudo o que o Zé Guilherme escreveu neste blogue menos um pormenor. E eu concordo com quase tudo o que o Daniel escreveu menos esse pormenor: diz no Arrastão que o encerramento da televisão privada RCTV (convém dizer o nome porque há outras a funcionar na Venezuela) motivado pelo seu apoio ao golpe de Estado apenas seria admissível se feita logo no momento, apoiada nos mecanismos do Estado de Direito. É verdade que seria preferível. Mas há duas razões bastante razoáveis para ter adiado essa medida: a primeira, mais formal (e não convém desvalorizar a lei no Estado de Direito), tem a ver com o facto da licença só terminar agora. Assim, Chávez limitou-se a não renovar a licença, com base numa avaliação ao serviço prestado que a mesma lei prevê, e cumpriu o contrato existente. A segunda, mais política, resultou dos receios de vir a ser acusado de atacar a liberdade de imprensa.

Com tudo isto não digo que não se deva estar atento ao que se passa na Venezuela e aos riscos que pairam sobre a democracia, sobretudo num país onde esta nunca existiu fora do papel, como em grande parte da América Latina. Mas faz-me comichão este excesso de zelo de alguma esquerda (bem intencionada), tão preocupada com um país que está permanente sob o escrutínio mediático e onde o menor escorregadela (e tem havido algumas, reconheço) enche as página dos jornais. Acho que o Daniel e outros amigos dariam um contributo muito maior à defesa da liberdade e da democracia se denunciassem os atropelos que se verificam noutros países daquele mesmo continente que, estranhamente, suscitam muito menos interesse e indignação na comunicação social. O México por exemplo.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Independentes há dois dias

Helena Roseta candidata. A direita agradece.

Carmona Rodrigues candidato. A esquerda agradece.

Santana diverte-se. Marques Mendes desespera.

Vitória dos trabalhadores europeus! (I)

Através desta referência, gentilmente cedida pelo nosso leitor JoãoB, cheguei a um paradigmático caso das tensões que hoje atravessam a União Europeia.



Na Suécia, uma empresa de construção civil letã ganhou um concurso público para a construção de uma escola, tendo recorrido a trabalhadores letões para a levar a cabo. O sindicato sueco Byggnads começou então uma feroz luta por um acordo colectivo de trabalho, recusado pela empresa letã com o argumento dos seus trabalhadores estarem já ao abrigo do acordo colectivo letão. Obviamente as condições deste eram bastante piores: o salário dos letões era de 3,2 euros à hora contra 15,5 euros de salário médio no sector para os suecos. Tal acordo ganha particular importância pois as relações de trabalho na Suécia são reguladas sobretudo pelos acordos entre patrões e sindicatos e não, como acontece em Portugal, pela via legislativa. Por exemplo, não existindo um salário minímo legal, este é definido pelos sindicatos.

Depois de um longo bloqueio ao estaleiro e do recurso à justiça, os tribunais suecos deram razão ao sindicato. No entanto, graças à legislação europeia promotora da liberalização dos serviços e do trabalho, bem ilustrada pela famosa directiva Bolkenstein, os tribunais suecos viram-se obrigados a pedir um parecer ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Naturalmente, todo este processo originou toda uma discussão sobre o futuro de modelo sueco e o papel da U.E. no seu desmantelamento.



Não sei se devido à dimensão que o caso ganhou, o Tribunal Europeu deu hoje razão aos sindicatos suecos. Boas notícias para os trabalhadores europeus! Não estamos condenados ao menor denominador comum em matéria de protecção do trabalho. O futuro da Europa depende só da força das diferentes dinâmicas sociais.

Quando é que o podemos demitir?


Ontem, no 11º Congresso da Confederação Europeia de Sindicatos, Jean-Claude Trichet, Presidente do Banco Central Europeu (BCE), apelou a «um elevado nível de responsabilidade» por parte dos dirigentes sindicais nas reivindicações salariais. Trichet pediu moderação salarial mesmo que isso signifique perca de poder de compra para os trabalhadores.

Para o Presidente do Banco Central Europeu, só com baixos salários será possível garantir competitividade para a economia europeia e combater o elevado desemprego. Nada de novo, portanto, do homem que é responsável pela política monetária europeia. E que nessa função nada mais tem feito que liderar a condução de uma política monetária excessivamente restritiva e que tem prejudicado o investimento e o crescimento económico em nome do controlo de uma fantasmagórica e constante tensão inflacionista. Tem cumprido bem o papel de carrasco de muitas economias nacionais, sempre escudado no estatuto de independência do BCE. Não quer saber se as suas receitas têm contribuído para combater o desemprego na Europa ou se para o agravar. Não quer saber se o aumento da produtividade se reflecte ou não em ganhos, também, para os trabalhadores europeus. Não quer saber se as suas decisões em matéria de política monetária ou se as políticas de moderação salarial têm ou não travado o consumo na zona euro. Jean-Claude Trichet não quer saber nada disto, porque só está preocupado em comportar-se como um menino bonito e disciplinado perante os mercados financeiros.

Mas o que mais me choca é que o Presidente do Banco Central Europeu, apesar do elevado poder que detém sobre as nossas vidas, não tem de prestar contas a ninguém e não depende de nenhum poder democrático. Independente, portanto, mas só dos poderes democráticos.

Eu quero que ele preste contas ao Parlamento Europeu (PE). Eu quero que o PE o possa demitir. Eu quero que Jean-Claude Trichet seja demitido.

Venezuela



Acima está um excelente documentário sobre o golpe de estado na Venezuela, que leva algum tempo a carregar mas vale bem a pena, para quem não conhece a história. Quando faltam cerca de 5 minutos para o fim, o documentário inclui a reprodução de um programa de uma televisão privada. Nesse programa, podemos ouvir uma conversa extraordinária entre os directores dos canais privados na manhã que se seguiu ao golpe. É uma conversa insólita e esclarecedora, para dizer o mínimo.

Agora, a minha opinião: Na altura do Golpe, Chávez decidiu, e bem, não reprimir os protagonistas. Os seus responsáveis políticos e militares continuaram em liberdade (e a fazer oposição), sendo os militares afastados do exército, como é evidente. É justo dizer que não lhe faltava legitimidade legal, política, criminal, etc. para os meter todos na prisão. E, como refere o João Rodrigues, seria isso que aconteceria em qualquer país europeu. Chávez não o fez por não querer introduzir uma lógica repressiva na democracia venezuelana.

Sobre a não-renovação de licença, muito se tem escrito em Portugal. O Insurgente fala do avanço de uma «ditadura socialista» na Venezuela. E, no Arrastão, de forma mais sustentada, critica-se a «caminhada para o abismo». Tentemos então separar razões, entre a apologia dos golpistas feita pelos Insurgentes e as preocupações democráticas do Daniel: As licenças atribuídas a canais de televisão são renovadas em Portugal de acordo com critérios de serviço público. Assim aconteceu com a SIC e a TVI em Portugal aquando do seu aparecimento e deveria ter acontecido, aquando da renovação de licenças. Isto não é matéria de liberdade de expressão, tem a ver com requisitos mínimos que se exige a quem utiliza recursos do Estado.

Já que falamos de requisitos mínimos, aqui vai um:

1. Uma televisão que recebe uma licença de emissão de um Estado democrático não deve participar na organização de um golpe militar contra esse Estado (no qual morreram pessoas e a legalidade democrática foi subvertida), omitindo, falsificando e inventando «informação» e oferecendo aos líderes golpistas direitos de antena em exclusividade, ao mesmo tempo que faz desaparecer todas as vozes dos órgãos políticos (e judiciais) legítimos.

A mim, parece-me razoável.

Já não me parece razoável (pelo contrário, parece-me muito perigosa) a argumentação que tem sido usada por muitos dos defensores da medida, incluindo a dos artigos que o João Rodrigues linkou abaixo. Ter uma política editorial de oposição ao governo não é critério para a não-renovação de licenças. A utilização da mentira e da calúnia é matéria para ser tratada em tribunais e não desculpa para o silenciamento. Quanto à «programação apimentada, a roçar a imoralidade», eu cá gosto muito, obrigado. Espero que o Socialismo não traga consigo a moral e os bons costumes. Se fôr assim, fujo logo para a Holanda e começo de novo lá...

Se tiverem tempo, vejam o documentário completo. Vale mesmo a pena.

Contra-corrente

A decisão do governo venezuelano de não renovar a licença, que expira a 27 de Maio, do canal de televisão privado RCTV é absolutamente legítima. Mais, é uma decisão que seria tomada por qualquer governo democrático em idênticas circunstâncias. Um exercício proposto aqui e por nós adaptado para Portugal: imaginem que a SIC ou a TVI tinham fomentado e apoiado um golpe de estado falhado que em 2002 havia deposto por breves dias o Presidente Jorge Sampaio. O que deveria acontecer à sua licença quando fosse o momento de a renovar?

Concordo por isso com Ignácio Ramonet, director do Le Monde Diplomatique, quando em Caracas deu, no passado dia 18, o seu apoio a esta decisão e saudou o projecto «de criar um novo serviço público ao serviço da verdade, da cultura, da educação, da sociedade e do povo». Refira-se que Ramonet criticou ainda «a campanha mundial lançada pela RCTV para atacar, com calúnias e mentiras, a Venezuela». Para uma opinião alternativa à barragem mediática vejam então aqui e aqui.

A desigualdade salarial é um problema de todos

No último programa Prós e Contras, em que se criticava o escândalo que representa a evolução relativa das remunerações dos gestores de topo portugueses nos últimos anos, Fátima Campos Ferreira, num aparte, observava que tal situação se passava no sector privado da economia. Quereria a jornalista dizer que a situação não merecia uma tão intensa condenação moral até porque os custos dessas remunerações não são suportados pelo erário público, antes resultam de decisões privadas «voluntárias» menos passíveis de crítica política e de avaliação moral. Esta ideia, que funda a artificial separação entre o domínio dos assuntos do Estado, sujeita a avaliação política e moral, e um suposto domínio privado, apolítico e amoral, das empresas e do mercado merece a nossa contestação. Só através da superação desta dicotomia é possível colocar a discussão no terreno certo, que é o do tipo de valores que devem definir as relações económicas entre os indivíduos e os resultados que eles assim obtêm, no público ou no privado. Até porque o que se passa na economia, em toda ela, afecta o que cada um de nós é capaz de ser e de fazer nas outras esferas da vida social.

Em primeiro lugar, é bem lembrar, é o Estado que em larga medida institui a economia. O que se passa no sector privado é o resultado de decisões políticas, enquadradas por valores, que estabelecem as «regras do jogo» que influenciam quem se apropria do quê e porquê. Ou seja, o facto de os gestores das empresas privadas portuguesas ganharem o que ganham não é independente da maneira como o Estado enquadra a actividade das empresas privadas, de como estrutura os direitos e obrigações que regem o que se passa para lá do portão onde está inscrito «proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço». O mercado e a propriedade privada não são instituições de geração espontânea e a forma como são enquadradas pela comunidade política influencia o que cada um de nós obtém nas suas «actividades privadas». É por isto que entre os países capitalistas temos situações tão variadas em termos de desigualdade salarial. Em segundo lugar, o que se passa nas empresas privadas afecta as capacidades, os recursos e o poder que cada um de nós detém fora do seu horário de trabalho. A concentração excessiva de dinheiro e de propriedade tende a converter-se em concentração de poder político, em capacidade para influenciar e moldar decisões que dizem respeito a toda a comunidade.

As decisões privadas têm diversos impactos públicos e como tal têm que ser sujeitas a escrutínio. As decisões privadas podem gerar o que em jargão económico se designa por «externalidades negativas», ou seja, potenciais consequências negativas sobre terceiros, neste caso a sociedade portuguesa no seu todo. Estão neste campo as decisões que contribuem e muito para o incremento da polarização social.

Como escreveu José Vítor Malheiros, o somatório de decisões privadas erradas reforça um sistema: «que amplia a conflitualidade social, que não promove a competência e a qualidade e que muito menos promove o investimento profissional ou o empenho profissional» (Público). De facto, muita investigação económica e sociológica tem mostrado que níveis de desigualdade elevados, gerados por regras do jogo vistas como injustas, têm impactos muito negativos sobre o desempenho económico dos países. A cooperação, a confiança, a reciprocidade e a motivação pelo trabalho bem feito, ingredientes fundamentais para um bom desempenho económico, tendem a ser corroídos em sociedades demasiado desiguais e injustas.

Estas são algumas das razões por que é relevante a indignação moral sobre a assimetria salarial no sector privado em Portugal. Isto diz respeito a todos e todos temos que alterar as regras do jogo que geram esta situação. E finalmente, não nos esqueçamos que foi Adam Smith que escreveu «A Teoria dos Sentimentos Morais» onde afirmou que: «a disposição para admirar e quase para adorar os ricos e poderosos e para desprezar, ou pelo menos para negligenciar, as pessoas pobres ou de condição humilde ... é ... uma grande e universal causa de corrupção dos nossos sentimentos morais». E sem sentimentos morais a riqueza da nação pode bem estar em causa.

Artigo no jornal Público de 17/05/2007.

A desigualdade salarial é um problema de todos (I)

No último programa Prós e Contras, em que se criticava o escândalo que representa a evolução relativa das remunerações dos gestores de topo portugueses nos últimos anos, Fátima Campos Ferreira, num aparte, observava que tal situação se passava no sector privado da economia. Quereria a jornalista dizer que a situação não merecia uma tão intensa condenação moral até porque os custos dessas remunerações não são suportados pelo erário público, antes resultam de decisões privadas «voluntárias» menos passíveis de crítica política e de avaliação moral. Esta ideia, que funda a artificial separação entre o domínio dos assuntos do Estado, sujeita a avaliação política e moral, e um suposto domínio privado, apolítico e amoral, das empresas e do mercado merece a nossa contestação. Só através da superação desta dicotomia é possível colocar a discussão no terreno certo, que é o do tipo de valores que devem definir as relações económicas entre os indivíduos e os resultados que eles assim obtêm, no público ou no privado. Até porque o que se passa na economia, em toda ela, afecta o que cada um de nós é capaz de ser e de fazer nas outras esferas da vida social.

Em primeiro lugar, é bem lembrar, é o Estado que em larga medida institui a economia. O que se passa no sector privado é o resultado de decisões políticas, enquadradas por valores, que estabelecem as «regras do jogo» que influenciam quem se apropria do quê e porquê. Ou seja, o facto de os gestores das empresas privadas portuguesas ganharem o que ganham não é independente da maneira como o Estado enquadra a actividade das empresas privadas, de como estrutura os direitos e obrigações que regem o que se passa para lá do portão onde está inscrito «proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço». O mercado e a propriedade privada não são instituições de geração espontânea e a forma como são enquadradas pela comunidade política influencia o que cada um de nós obtém nas suas «actividades privadas». É por isto que entre os países capitalistas temos situações tão variadas em termos de desigualdade salarial. Em segundo lugar, o que se passa nas empresas privadas afecta as capacidades, os recursos e o poder que cada um de nós detém fora do seu horário de trabalho. A concentração excessiva de dinheiro e de propriedade tende a converter-se em concentração de poder político, em capacidade para influenciar e moldar decisões que dizem respeito a toda a comunidade.

A nova aristocracia do dinheiro


Thomas Piketty e Emmanuel Saez são dos economistas com estudos mais notórios sobre o enorme crescimento das desigualdades nos EUA. Este gráfico é sobre a parte do rendimento que cabe aos mais ricos (1% das famílias). Reparem na reversão da tendência «igualitária» a partir do final dos anos setenta. Foi aí que começou a «revolução» neoliberal nos EUA. Depois de mais de duas décadas voltámos ao padrão do final dos anos vinte. Neste artigo os autores apontam o enorme incremento da desigualdade salarial como um dos principais factores que explica esta tendência. Missão cumprida?

terça-feira, 22 de maio de 2007

Admiráveis mundos por detrás de cada 'click' (ou, quando for grande quero ser como o professor de antropologia cultural que fez isto)



Amor à camisola?


É sabido que as últimas décadas foram marcadas por um crescimento exponencial dos mercados financeiros e do seu poder sobre um conjunto cada vez mais alargado de esferas da nossa vida. Símbolo último da globalização, os mercados financeiros organizam e sancionam, sob os ditames da liquidez e da rentabilidade imediata, as nossas reformas, os nossos empregos, os nossos serviços e mesmo os nossos governos.

Esta expansão insaciável, da qual depende a sua própria sobrevivência, chegou nos últimos anos ao desporto e particularmente ao futebol. Os clubes mais ricos, como o Manchester United, abandonaram o anterior modelo associativo e democrático de gestão para adoptarem o modelo de empresa cotada em bolsa. Estes clubes foram então tomados por fundos de investimento ou grandes magnatas, como Rupert Murdoch no Manchester ou Abramovich no Chelsea (este último mais por capricho do que por cálculo financeiro). Por outro lado, a titularização accionista da propriedade dos clubes e as ofertas públicas de venda permitiram uma estupenda fonte extraordinária de receitas - lembram-se dos valores recorde dos passes de jogadores há meia dúzia anos atrás?

Contudo, todo este processo é contraditório e assimétrico. Os mercados financeiros podem procurar a rentabilidade imediata, mas o objectivo primário dos clubes são os seus resultados desportivos (que, por sinal, se revelam cada vez mais caros de atingir). Os dois objectivos podem ser compatíveis em clubes como o Manchester United ou o Real Madrid, onde as suas vitórias desportivas rapidamente se traduzem em receitas chorudas de merchandising ou direitos televisivos. No entanto, os clubes mais frágeis, como os do campeonato português, dificilmente conseguem esta simbiose. Não é, por isso, surpreendente que as acções de clubes como o F.C.P., o Sporting e, provavelmente no futuro, o Benfica, estejam muito abaixo do seu valor de emissão.


Resta saber se o actual rumo não significará, mais cedo ou mais tarde, o fim de uma realidade que ainda distingue os grandes clubes portugueses: a detenção por parte do clube (enquanto associação) da maioria do capital das S.A.D. (Sociedade Anónima Desportiva). Seria o fim do que resta de controlo democrático dos clubes e o início de empresas dedicadas à especulação com a compra e venda de passes de jogadores, única forma de tornar os clubes portugueses rentáveis.

PS: Já agora recomenda-se o excelente dossiê deste mês do Le Monde Diplomatique – edição portuguesa dedicado à relação entre futebol e política.

Um cálculo político

A taxa de desemprego é um dos indicadores socioeconómicos mais politizados. E ainda bem porque o desemprego é um problema de sociedade. Em Portugal, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), sob a tutela directa do Ministério do Trabalho, e o Instituto Nacional de Estatística (INE) usam diferentes metodologias para calcular a taxa de desemprego. O primeiro calcula-a basicamente através do número de inscritos nos centros de emprego e o segundo através de inquérito por amostragem. Muitas vezes os resultados são diferentes. Actualmente, enquanto o IEFP anuncia descidas da taxa de desemprego, o INE anuncia que esta atingiu o valor mais elevado dos últimos 21 anos.

Como demonstra Eugénio Rosa há fundadas razões para suspeitar dos indicadores do IEFP. Este economista da CGTP fala mesmo de «uma gigantesca campanha de manipulação dos dados do emprego registado pelo IEFP com o objectivo, por um lado, de criar a falsa ilusão a nível de opinião publica que o desemprego está a diminuir e, por outro lado, para desacreditar os dados do INE que não agradam nem ao governo nem ao poder económico». Fala também de um «estranho e inexplicável fenómeno do desaparecimento de um numero extremamente elevado de desempregados que se inscreveram nos centros de emprego mas que não aparecem no total de desempregados divulgados todos os meses pelo IEFP».

Nos dados do INE para se ser considerado «empregado basta que um individuo com mais de 15 anos tenha "efectuado um trabalho de pelo menos uma hora no período de referência" (período de referencia correspondem a 3 semanas anteriores ao inquérito)». Uma definição muito liberal. Apesar disso, estes parecem ser hoje os dados mais fiáveis. A situação preocupante que revelam não pode ser por isso escondida.

Deslocalizações

«O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) prepara candidatura a fundo europeu para apoio a despedidos devido a deslocalizações».

Criado recentemente pela Comissão Europeia, o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEAG), representa a constatação, ainda que tímida, de que existe um problema à escala da União causado pela facilidade com que certas empresas multinacionais revertem os seus investimentos como resultado da acrescida liberdade de circulação de capitais. São por isso necessárias medidas que vão para além da transferência para o conjunto da comunidade dos custos com os «danos sociais» causados por decisões privadas como é o caso do FEAG. Esforços de uniformização das condições de contratualização com as empresas multinacionais (incluindo obrigatoriedade de devolução dos apoios), limitações ao encerramento de empresas que apresentem resultados positivos ou limitações à perniciosa concorrência fiscal à escala da União para atrair investimentos são medidas adicionais a adoptar. Suspeito, no entanto, que Durão não irá, neste campo, para além deste incipiente FEAG.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Afinal é mesmo natural

Um casal de flamingos rosas homossexuais adoptou um pintainho abandonado, tornando-se pais depois de muitas tentativas, anunciou ontem uma organização britânica de protecção do ambiente Wildfowl & Wetlands Trust (WWT).
Carlos e Fernando, assim baptizados pela organização, estavam tão desejosos de ser pais que expulsavam os outros flamingos dos seus ninhos para ficar com os ovos e cobri-los, mas sempre sem sucesso, explicou um porta-voz daquela organização, sedeada perto de Bristol.
Assim, o casal era o candidato ideal para tomar conta de um pintainho órfão encontrado num ninho abandonado. O ovo foi colocado numa incubadora até ao seu nascimento antes de ser entregue ao casal, que vive junto há seis anos.
O mesmo porta-voz refere que a homossexualidade é frequente entre os flamingos. Entre os homens também. A diferença está no facto de estes serem bem menos tolerantes...

Tão legítimo como o terrorismo de Estado

O ministro israelita da Segurança, Avi Dichter, ameaçou hoje o primeiro-ministro palestiniano, Ismail Haniyeh, do Hamas, ao afirmar que pode tornar-se num «alvo legítimo».

Trabalhadores de toda a Europa uni-vos!


A Confederação Europeia de Sindicatos (CES), estrutura que reúne as principais confederações sindicais europeias (integra a CGTP e a UGT), está a realizar o seu congresso em Sevilha (ver o projecto de manifesto aqui). Apesar da crise do movimento sindical, este continua a ser o principal movimento social de luta pela defesa do «modelo social europeu» e por uma mudança da orientação da política económica à escala europeia para promover o pleno-emprego e assim reverter a perigosa quebra do peso dos salários no rendimento nacional da generalidade dos países. Para mais, a CES mostra que o europeísmo progressista é hoje o horizonte necessário das lutas das classes trabalhadoras.

Isto passa-se dentro da União Europeia (II)


No seguimento deste post, a caça às bruxas do regime proto-fascista dos irmãos Kaczynski começa a dar resultados. O famoso Ryszard Kapuscinski, falecido em Janeiro, é acusado de ter sido um espião ao serviço da União Soviética, embora fosse um tanto ou quanto incompetente.

Auto-estradas

Na passada quinta-feira foram chumbados na AR dois projectos (do BE e do PCP) que previam, entre outras coisas, que os condutores deixassem de pagar portagens nos troços de auto-estrada quando estes, por motivos de obras, se transformam em exasperantes estradas nacionais. Por razões misteriosas, o PS chumbou tal proposta.

Ficam assim a ganhar as empresas (o grupo Mello que controla a Brisa, por exemplo) que detêm as concessões das auto-estradas, um dos negócio com maiores taxas de rentabilidade do país. Depois admirem-se que os grandes grupos económicos nacionais prefiram investir nestes sectores, onde os lucros estão garantidos e são apreciáveis, em vez de arriscarem investimentos nos sectores de bens transaccionáveis passíveis de exportação e sujeitos à concorrência internacional. Como não se cansam de dizer os economistas ortodoxos: é tudo uma questão de incentivos. Em Portugal, estes incentivos apenas acentuam os traços rentistas do nosso capitalismo.

Sociólogos de combate: hoje no ISEG

Um dos mitos que o paradigma dominante na ciência económica insiste em alimentar é o de que as actividades económicas têm lugar em 'mercados' onde agentes mais ou menos anónimos coordenam as suas acções através do sistema de preços. Neste mundo matemático e plano (para roubar uma expressão a Herman Hess no seu «O jogo das contas de vidro», que não tendo nada a ver com economia tem tudo a ver como o que é hoje a ciência económica), não existe história nem instituições, não existe poder nem relações sociais, os agentes tomam as regras do jogo como dadas e agem segundo essas regras na maximização do seu interesse individual. Este mundo abstracto presta-se com facilidade à formalização matemática, o que dá uma ilusão de rigor que faz os economistas sentirem-se como verdadeiros súbditos de uma suposta rainha das ciências sociais.

Desde há muito que há quem insista em não confundir rigor analítico com simplificação insustentável da realidade. Neil Fligstein é um dos nomes de referência da sociologia económica contemporânea, de onde têm vindo importantes contributos nesse sentido. Nos seus trabalhos, este professor de Berkeley parte da permissa de que, sendo o funcionamento das economias caracterizado pela incerteza, o objectivo de quem conduz as empresas é o de, antes de mais, procurar controlar essa incerteza. Nesse sentido, cada empresa (ou quem as dirige) estabelece padrões de relações com vários dos actores económicos que a rodeiam - clientes, fornecedores, concorrentes, poderes públicos, entre outros - num processo negocial e eminentemente político, o qual molda os termos em que as transacções económicas têm lugar (incluindo a influência das dinâmicas de oferta e de procura sobre as decisões económicas relevantes) e que, como a generalidades das instituições, tende a persistir no tempo não obstante a sua potencial ineficiência em cada momento.

O que nos surge é já não um mundo matemático e plano, mas a noção de 'mercado' enquanto campo de relações sociais complexas, cuja evolução e resultados dependem (pelo menos) tanto das redes sociais, das regras que se foram construindo ao longo do tempo e do poder relativo dos vários agentes para transformar essas regras e utilizá-las a seu favor, quanto das dinâmicas de 'oferta' e de 'procura' reificadas nos manuais de economia.

Neil Fligstein dará hoje um seminário no ISEG, às 18h00, sobre a «Sociologia dos Mercados».