quarta-feira, 2 de maio de 2007

Velhas ficções

Por detrás deste discurso manso sobre as virtudes em termos de «eficiência e equidade» de uma taxa plana («flat tax»), ou seja, de um sistema fiscal em que todos pagam a mesma taxa de imposto sobre o rendimento, esconde-se um modelo apostado em fazer contrair os serviços públicos (a ideia de «dieta» do Estado) através de uma brutal queda das receitas públicas. O objectivo de largo alcance é reduzir o Estado à sua dimensão de «guarda nocturno», ou seja, o Estado que se limita a manter a «ordem» tal como os grupos privilegiados a entendem.

O objectivo imediato, aliás muito mal disfarçado, é o de diminuir a carga fiscal que recai sobre os mais ricos. Para isso desenha-se um esquema com isenções para «os mais pobres», mantendo-se um remendo de progressividade no sistema. Mobilizam-se «estudos» que provariam as virtudes económicas de tal medida.

Devem ser os mesmo «estudos» em que certos economistas ortodoxos pegam nas suas ferramentas matemáticas e definem um conjunto de hipótese irrealistas: «agora vou assumir que os agentes económicos têm toda a informação sobre o passado, o presente e o futuro da economia e que operam em mercados que funcionam como eu imagino que eles funcionam, ou seja, sem falhas». Assim conseguem eliminar todos os ruídos inconvenientes da realidade exterior e «demonstram» as conclusões que já haviam previamente retirado.

Isto é bastante conveniente. Até porque também evitam a confrontação com uma realidade histórica muito mais complicada. Que nos mostra, por exemplo, que o período que viu o reforço da progressividade dos impostos foi também, nos países centrais (Europa e EUA), o período em que mais se cresceu (décadas de cinquenta e sessenta). Ou ainda que as sociedades mais desenvolvidas (com níveis de bem-estar social e rendimentos mais elevados e com menos desigualdades) são também as que têm sistemas fiscais mais progressivos (caso dos países escandinavos).

Mas é evidente que isto nada diz a tais economistas. Afinal de contas eles opinam em jornais lidos sobretudo por quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro geralmente não gosta de pagar taxas de imposto tão elevadas e pode muito bem dispensar a maioria dos serviços públicos existentes.

Nota: Deparei com o artigo aqui referido graças a esse grande armazém da ideologia do «individualismo possessivo» que é o Insurgente.

3 comentários:

AA disse...

Isto é bastante conveniente.

Que baboseira. Os impostos e o aumento do Estado são produtos do crescimento, não a sua causa. Primeiro foi preciso gerar riqueza para pagar custos "sociais". E estes custos agora atrasam o desenvolvimento, como se pode ver em comparação com outros países onde os impostos são baixos e os serviços sociais são modestos.

João Rodrigues disse...

Comparar com países atrasados como a Noruega, a Suécia, a Dinamarca e tutti quanti...

Essa ideia de que os impostos travam o desenvolvimento não tem qualquer sustentação empírica.

Sabia aa por acaso que a igualdade no acesso a certos activos (o que pressupõe provisão pública e impostos que a financiem) é hoje vista por muitos economistas "mainstream" como um importante ingrediente para um processo de desenvolvimento bem sucedido? Sen, Rodrik...

Mas claro estes só podem ser perigosos socialistas.

Filipe Brás Almeida disse...

Faz-me todo sentido que o imposto enquanto um mal necessário seja cobrado causando o mínimo de mal possível, i.e. o sistema progressivo vertendo a carga fiscal para quem tem mais flexibilidade em o suportar. Mas por outro lado, um dado curioso que pode ser um forte argumento a favor do flat tax (para além do bom desempenho económico demonstrado nos países que o adoptaram), é o facto dos que têm mais rendimentos encontrarem sempre lacunas e evadirem ao pagamento dos impostos pelos escalões mais altos.
O sistema progressivo é mais difícil de implementar.