Um estudo recente da CMVM veio dar conta da existência de remunerações desproporcionadamente elevadas auferidas por administradores de empresas cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa. Note-se que o que está em causa não é simplesmente o facto de os executivos serem bem pagos em Portugal. Estamos antes a falar de membros de conselhos de administração que recebem remunerações astronómicas (e.g., 3 milhões de euros/ano no BCP) sem se perceber porquê. Em particular, não se compreende que empresas com desempenhos relativamente modestos paguem significativamente mais (2, 3 ou 4 vezes) aos seus administradores do que outras empresas dos mesmos sectores de actividade.
A dificuldade em encontrar uma qualquer desculpa aceitável para estas práticas é o motivo pelo qual o tema tem sido objecto de discussão, mesmo por parte dos colunistas mais insuspeitos (ver dois exemplos, aqui e aqui).
Na verdade, a questão das remunerações desproporcionadas dos executivos em Portugal merecia um debate público mais vasto, tanto mais que nele convergem vários interesses e posições que surgem em pólos opostos noutros contextos, por exemplo:
● os trabalhadores dessas empresas, a quem é dito que têm de trabalhar mais por menos (ou seja, o produto do trabalho colectivo está a ser apropriado por apenas uma das partes da organização);
● os pequenos accionistas, que têm tipicamente pouca influência na definição das regalias dos administradores e que estão assim, como diz o Robin Joe Berardo Hood, «a pagar as viagens em avião privado» dos Jardins Gonçalves;
● os consumidores, que têm motivos para desconfiar que uma empresa que paga recompensas desproporcionadas aos administradores está a abusar de uma posição dominante, quando poderia fazer reflectir em maior medida os seus ganhos de produtividade nas condições de consumo;
● os defensores da concorrência, que não podem ver neste tipo de situações outra coisa que não seja um sinal de ausência de pressão concorrencial (e, logo, uma potencial arena de intervenção das autoridades de concorrência);
● os economistas morais, que sustentam que a lógica de mercado não é nem nunca foi base legítima de justificação para as condições de troca e que qualquer sistema económico se define pelo que é (e pelo que não é) socialmente aceitável;
● os defensores da justiça social e/ou da igualdade de oportunidades, que vêem nesta situação um sinal de que a sociedade está a ser incapaz de promover tais valores.
Num post anterior o João alertou para o direito e a importância da sociedade escrutinar o que se passa no sector privado. Seria, de facto, um bom exercício de cidadania generalizarmos esta prática em Portugal - não partindo do princípio de que as práticas de gestão de empresas privadas não são passíveis de discussão pública.
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1 comentário:
Concordo se evolua para um sistema em que também esta variável de empresas privadas seja escrutinada publicamente, á semelhança do que acontece nos EUA por exemplo.
Mas concordaria ainda mais, começar por escrutinar esta mesma variável nas empresas públicas, naquelas que não dão lucro, que são buracos negros para o orçamento de estado e que ainda assim têm administradores que têm aumentos. Grandes aumentos e grandes indemnizações a premiar a incompetencia.
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