quarta-feira, 2 de maio de 2007

Três comentários sobre o uso indevido do conceito de produtividade

1. Ouve-se dizer, repetidamente, que os salários em Portugal não podem aumentar sem que haja um aumento da produtividade. O que os manuais de macroeconomia ensinam é que aumentos dos salários que não sejam acompanhados por aumentos equivalentes de produtividade têm como efeito o aumento da inflação, assumindo que se mantém constante a distribuição de rendimentos entre capital e trabalho. Ou seja, a afirmação de que os salários têm de acompanhar a produtividade só faz sentido: (i) se o aumento da inflação for sempre considerado um mal, (ii) se a alteração da distribuição do rendimento a favor do trabalho for considerada um problema e (iii) se se acreditar que os manuais de macroeconomia estão sempre certos. Eu não daria por garantido nenhum destes pressupostos...

2. Também se ouve sistematicamente dizer que o fraco desempenho da economia portuguesa, entendido enquanto crescimento do PIB per capita, se deve ao baixo crescimento da «produtividade do trabalho». E grande parte das pessoas aceita a afirmação sem perceber que estamos perante pouco mais do que uma tautologia. O PIB per capita consiste num indicador que divide o valor do produto interno bruto pelo número de habitantes no país; quando se fala de «produtividade do trabalho» geralmente tem-se em mente outro indicador que consiste na divisão do PIB pelo número total de trabalhadores. Ora, como a proporção de população activa no total de habitantes não se altera radicalmente de um ano para o outro, o crescimento da produtividade e o crescimento do PIB per capita de um ano para o outro tendem a consistir essencialmente no mesmo fenómeno. Ou seja, quem afirma solenemente que o baixo crescimento do PIB per capita se deve ao baixo crescimento da produtividade está no fundo a afirmar que o crescimento é fraco porque... o crescimento é fraco.

3. Isto leva-nos à questão fundamental: o que determina a «produtividade do trabalho»? Com disse atrás, este conceito corresponde a um indicador que divide o valor do produto pela quantidade de trabalho utilizada para o produzir. Há quem insista em sugerir que se a produtividade do trabalho é baixa é porque os trabalhadores não são capazes ou não se esforçam (o que serviria para justificar que os baixos salários que recebem...). Na verdade, o que determina o valor do produto são múltiplos factores onde se incluem a eficiência técnica e organizativa, a qualidade e a diferenciação dos produtos, o grau de novidade dos mesmos, a capacidade negocial de quem produz face a quem distribui e vende, entre muitos outros. A «produtividade do trabalho» da economia portuguesa é baixa? É. A que é que isso se deve? Comece-se por perceber por que é que não existe eficiência técnica e organizativa, qualidade e diferenciação dos produtos, inovação, capacidade negocial nos mercados internacionais, etc... talvez se baixem os salários a outros que não os do costume.

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