terça-feira, 3 de julho de 2007

O renascer da Economia Pós-Autista


Foi ontem publicada no Libération uma carta aberta de alunos de economia franceses crítica do actual rumo do ensino desta ciência social. Esta carta recupera as propostas feitas já há sete anos pelo movimento «pós-autista». Este movimento, composto por estudantes de economia, dava conta da desilusão que acompanha muitos dos estudantes com a ciência económica, devido ao pensamento neo-clássico, «autista», reinante nas faculdades de economia. Este movimento teve, na altura, ampla repercussão internacional. As petições multiplicaram-se e emergiu um estimulante debate público entre alguns dos principais economistas vivos. O fim da excessiva formalização matemática (quase tida como única linguagem aceitável), uma abordagem mais plural das diferentes correntes teóricas e uma maior confrontação entre teoria e realidade, foram, e são, algumas das propostas deste movimento, agora aparentemente renascido.

Em França, houve mesmo um relatório oficial, elaborado por Jean-Paul Fitoussi, muito crítico e com propostas de reforma. Infelizmente, num período em que a economia neo-clássica é, cada vez mais, a imperialista "rainha" das ciências sociais, esta discussão parecia ter morrido.

8 comentários:

A. Cabral disse...

Mas entao o que e' a teoria neoclassica? O termo designava originalmente a microeconomia Marshalliana, hoje temos um oceano de diferentes perspectivas: General Equilibrium, Dinamic Programming, Structural e Time Series Econometrics, Behavioural and Experimental, Neuroeconomics, New Classicals, New Keynesians, Neo-Schumpeterian, Chicago Econ, Public Choice, Austrian Econ...

Estes esforcos congregadores (Post-autistic network, ICAPE, AHE) sao interessantes mas a retorica tem que ser reconsiderada. Ate os metodologistas mais adeptos da causa heterodoxa tem dificuldades em defender a existencia de uma unica ortodoxia (o John Davis da UvA e de Marquette).

O caso frances pode ilustrar outra dificuldade. Os pos-autistas franceses que conheci em 2001 nao tinha qualquer sofisticacao metodologica, reagiam de uma forma nao muito reflectida contra a matematizacao da economia. E o relatorio do Fitoussi le-se como uma defesa da identidade academica francesa contra importacoes americanas. E' aos meus olhos um argumento de autonomia nacional que por si vale pouco.

João Rodrigues disse...

Tens razão quanto ao argumento da ortodoxia e da sua fragmentação. Ainda que eu considere que podes identificar traços comuns nas abordagens por ti identificadas. Mas adiante. A questão essencial é se isso se reflecte no ensino de manual da disciplina. Acho que ainda não. Em Portugal cada vez menos.

Nuno Teles disse...

Por paradoxal que possa parecer, a ortodoxia económica tem, cada vez mais, geometrias variáveis e muitas vezes os os pressupostos metodológicos centrais nem sequer são totalmente partilhados.

No entanto, penso que podemos identificar um conjunto de axiomas centrais, com origem na revolução marginalista, que definiriam a ortodoxia. Imaginemos que são a, b, c, d. A teoria X parte dos axiomas a, b, c. A teoria Y dos axiomas b,c,d. E a teoria Z dos axiomas a, c, d.

Ao deixarem cair um dos pressupostos cada teoria será distinta de outras e (digo eu) terá maior capacidade explicativa da realidade. No entanto, partilham todas uma mesma matriz de origem. Penso que é isso que se passa com a maioria dos exemplos oferecidos por a.cabral.

Contudo, alguns dos exemplos não caem, na minha opinião, na ortodoxia neo-clássica, como por exemplo a Economia Austríaca. Assim, se a teoria U parte dos pressupostos b, e, f e g, estará fora da economia "respeitável". E como a.cabral sabe, existem vários exemplos para estes casos heterodoxos.

No entanto, como o João indica, o que está aqui em causa é a "vulgata" que os estudantes aprendem na licenciatura. E essa continua a ser a dos pontos a,b,c,d.

Finalmente, quanto ao caso françês, o argumento parece ser o contrário. A actual petição parte do diagnóstico de uma excessiva formalização matemáticados currículos franceses face aos anglo-saxónicos. Uma realidade que alías é partilhada pelo nosso país.

Ricardo G. Francisco disse...

Caro Nuno Teles,

Pergunto, porque é que os seguidores e apoiantes deste movimento não fundam uma nova faculdade ou mesmo uma nova universidade?

Lembro o exemplo da Universidade Nova de Lisboa. Quem não estava disposto a alinhar com os métodos e currículos existentes fundou uma nova universidade. Com o resultado que está à vista.

Na minha opinião existe uma diferença que faz toda a diferença. É que o espírito da UNL representava o futuro, a evolução das cieências sociais e humanaas enquanto este movimento representa o passado. Representa a reação à evolução natural das ciências sociais e humanas.

Comentáio tambem publicado no Small-brother. http://small-brother.blogspot.com/

A. Cabral disse...

A ideia do Ricardo Francisco nao e' absurda. A Universidade Nova de Lisboa envelheceu e enquistou-se tao depressa que em duas decadas se tornou doutrinal, refem e previsivel. E bons exemplos veem de Franca, com a Universidade de Todos os Saberes: www.utls.fr. Modelos novos se exigem que nao sejam so' pela mudanca de manuais. Ha' uma discussao interessante sobre a producao dos manuais de economia no livro do jornalista David Warsh - KNOWLEDGE AND THE WEALTH OF NATIONS; as editoras tem incentivo de mudar muito pouco de ano a ano para garantir a constante novidade dos manuais ao mais baixo custo.

Preocupa-me, Nuno, que a tua analise da ortodoxia economica seja estruturada na teoria dos conjuntos, partilha de axiomas, e que nesse formalismo nao se considere o rasto historico onde nos encontramos.

Nas vossas caixas de comentarios repito sempre a mesma provocacao... Como fellow traveller considero que os heterodoxos tem que re-inventar a sua identidade. Nao porque sejam antigos como quer difamar o Ricardo Francisco, mas porque correm o risco de ficarem imoveis perante um mundo em mudanca.

A guerra nao e' de posicoes, e' de invencoes.

Ricardo G. Francisco disse...

Caro A. Cabral,

Como muitas outras artes e abordagens antigas, falamos de abordagens ultrapassadas. O dogmatismo e fuga à refutabilidade felizmente perdeu adeptos.

Se o princípio epistemológico da exigência de refutabilidade à partida deveria ser consensual é assustador, que perante as consequèncias desse princípio este (o princípio) seja recusado.

A separação entre os valores morais e a ciência é difícil mas deve ser valorizada, a bem da não intrumentalização da ciência. POr mais que doa aos movimentos "Pós autistas" que por aí andam.

L. Rodrigues disse...

A ciência sim, mas a economia ortodoxa, neo-clássica ou neo-liberal(como lhe queiram chamar) dificilmente se pode qualificar como ciência. Até eu que não sou economista sei isto.
Em ciência a teoria deve ser validada pelos factos e as observações e, fora dos modelos matemáticos, no mundo real pouco do que aquela "economia" defende resiste.

A. Cabral disse...

Caro Ricardo Francisco,

Vamos la ver quem e' "antiquado" e "ultrapassado"...

Apresenta a "refutabilidade" como principio da demarcacao da ciencia e nao-ciencia. Ora isto seria moderno se estivessemos nos anos 50. Hoje o argumento mais ouvido para as questoes da justificacao e': inference to the best explanation. Mas mais importante, o principio da demarcacao e as questoes da justificacao nao tem o peso que tinham. As grandes questoes da filosofia da ciencia actual sao a causalidade, a racionalidade, o realismo...

Ja que passa receita para os outors que a "separação entre os valores morais e a ciência é difícil mas deve ser valorizada" pergunto-lhe se o seu apego a este antiquarismo filosofico nao vem abracado ao apelo moral de um founding father do liberalismo: Karl Popper?