quarta-feira, 11 de julho de 2007

Novas oportunidades para o abandono?

O programa «Novas Oportunidades» é já uma das principais bandeiras deste Governo. O programa permite a certificação de competências adquiridas pelos trabalhadores ao longo do tempo. Complementadas por eventuais períodos de educação formal, tal certificação conduz normalmente à obtenção do diploma do 9º ou 12º ano. Até aqui tudo bem. Ficaremos melhor colocados nas estatísticas internacionais e o nível educacional dos portugueses será, de facto, maior.


O problema começa quando se percebe que a educação formal associada ao projecto está, pelo menos no caso do 9º, cingida às disciplinas nucleares (Matemática, Português e Cidadania). Ou seja, a obtenção do diploma do 9º é consideravelmente facilitada, face a um currículo intenso de Fisico-Química, História, Geografia, Inglês ou Françês, que o actual ensino obrigatório (e bem!) inclui. Este diploma é assim desqualificado no mercado de trabalho e os estudantes encontrarão uma forma mais fácil de o conseguir (embora só aos 18 anos e com três anos de experiência). Conclusão: o incentivo ao abandono escolar, problema central do nosso sistema educativo, cresce.

Reproduzo, em baixo, um excerto de uma entrevista de Eugénio Rosa à revista «Formar» do Instituto de Emprego, onde este economista da CGTP alerta para estes riscos na certificação do 12º ano.


«Eu tenho a experiência, de um acompanhamento muito próximo, de cursos de Educação e Formação de Adultos realizados no distrito de Braga, cujo objectivo era a certificação profissional e a obtenção do 9.º ano. Dirigiam-se a desempregados, que recebiam uma bolsa de formação. Os cursos eram de 1200 horas, em horário laboral.
Verificávamos que, geralmente, os formandos conseguiam obter as competências profissionais mas a obtenção de resultados ao nível das competências escolares era muito mais difícil. Em relação a muitos deles, entre o teste diagnóstico de entrada e a avaliação final as diferenças não eram significativas. Por isso, nunca nos arriscámos a organizar cursos para o 12.º ano. Transpondo essa nossa experiência para as metas que agora se propõem... e que tornam o 12.º ano o nível de escolaridade de referência, recorrendo em larga escala ao Sistema de Reconhecimento e Validação de Competências, através dos Centros de Novas Oportunidades, levantam-me algumas inquietações. Se for utilizado de uma forma incorrecta, este processo de reconhecimento de competências pode vir a provocar «estragos» muito grandes no ensino formal e aumentar ainda mais o abandono escolar. Porque para se fazer o 12.º ano no ensino secundário é necessário um grande esforço. Se houver uma forma de obter o certificado de uma maneira mais fácil, essa informação generaliza-se num instante e o abandono escolar, que já é em Portugal (40%) o mais elevado na UE (15%), tenderá a aumentar ainda mais».

2 comentários:

Cristiana Tourais disse...

Existem ainda outras oportunidades a nascer. O novo diploma das carreiras da Função Pública prevê que os júris dos concursos se substituam às instituições do Ensino Superior e permitam o acesso a carreiras para as quais anteriormente era necessária uma licenciatura, como é o caso da carreira técnica superior, desde que o candidato apresente currículum relevante. Este facto poderá constituir uma nova oportunidade para o abandono dos mais qualificados trabalhadores do Estado que poderão a vir ser substituídos por outros com currículuns relevantes muitas vezes pela cor do respectivo cartão partidário

baldassare disse...

"Este diploma (do ensino básico) é assim desqualificado no mercado de trabalho"

Até pode desqualificar, mas a verdade é que o diploma "9ºAno" tem tão pouca empregabilidade que pouco diferente fica.

Quando uma coisa tem validade muito próxima do zero, e é desqualificada de modo a ficar um bocadinho mais próxima do zero, pouca diferença faz, porque continua a valer muito pouco.

Hoje, ter o 9º representa pouquíssimo. Para o Estado, não existe desqualificação, porque foi o Estado a implementar esta medida, e porque no Estado as coisas são bastante diferentes do privado.
Nos empregadores privados, para empregos pouco qualificados, ter ou não ter o 9º é quase igual. Para trabalhos mais qualificados também é igual: nem entram os que não têm o 9º, nem entram os que o têm...

O 9º ano é tão acessível que já ninguém lhe liga. Torná-lo acessível numa segunda oportunidade, parece-me positivo para todos.
Podemos dizer que é uma medida que descredibiliza o bêbado...