quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Não homem, o abandono escolar não aumentou

Em matéria de educação, o comentariado de direita tem um problema sério com a pandemia. Aparentemente não a desvalorizam, pois referem-na. Mas trata-se apenas, em regra, de um pró-forma retórico, para evitar a acusação de ignorarem o seu impacto nas escolas, nos alunos e nas aprendizagens. Uma vez cumprido esse expediente retórico, dedicam-se a análises que visam atribuir à política educativa os efeitos da pandemia, como se esta não tivesse existido. Já foi assim com o PISA 2022 (ver por exemplo aqui e aqui e aqui) e é assim, agora, relativamente ao abandono escolar. Escrúpulos? Zero.

De facto, e na sequência de um comentário inicial no twitter, Alexandre Homem Cristo, apoiante do PSD de Montenegro, tenta hoje, novamente, passar uma esponja sobre a pandemia, assumindo como normais os anos em que esta afetou o país. Diz Homem Cristo que, «em 2023, o abandono escolar foi de 8% e, portanto, aumentou 1,5 pontos percentuais face a 2022 (6,5%)», recusando-se assim a assumir a existência de dois anos atípicos (2021 e 2022) e desvalorizando a necessidade que o próprio INE sentiu de corrigir os valores iniciais que apurou (justamente pela alteração do método de recolha, por força do contexto pandémico).


Homem Cristo parece nem sequer reparar no valor anómalo da redução da taxa de abandono escolar entre 2020 e 2021, de -2,4 pontos percentuais, depois da revisão do INE (-3,2 pp antes dessa revisão), quando a média das descidas anuais, desde 2011, é de apenas -1,3 pp. Tal como não repara que entre 2014 e 2015 ocorre uma quebra anómala idêntica, com a retoma imediata do padrão de descida no ano seguinte. E como o seu objetivo é meramente político, não se importa de colocar no altar do sacrifício a sua seriedade, isenção e ética intelectual, que recomendariam considerar, de facto, 2020 e 2021 como anos atípicos, que interrompem artificialmente a tendência gradual de descida do abandono escolar, e que a comparação entre 2020 e 2023 já reflete. Bom senso, basta ter bom senso.

O mais estranho é que o próprio Homem Cristo reconhece, mais à frente no seu texto, que «a pandemia reduziu artificialmente o abandono escolar em 2021 e 2022» e que, «com as escolas fechadas», o «ensino à distância» e as «menores oportunidades de emprego», houve uma «menor pressão sobre o desempenho escolar» e «os “incentivos” para abandonar a escola foram baixos». Nada que o impeça porém, como se vê, de achar que os anos da pandemia foram normais e que a taxa de abandono escolar aumentou. Não homem, o abandono escolar não aumentou.

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