domingo, 3 de junho de 2018

Eles estão, nós estamos, mesmo por todo o lado


Thomas Frank recenseia criticamente mais dois livros da indústria editorial anti-populista. Mesmo que se esteja cada vez mais interessado no tema, é impossível ler tudo. Com base no seu conhecimento histórico das tradições populistas norte-americanas, Frank chega a três conclusões importantes: o populismo é no essencial “a forma americana de expressão dos antagonismos de classe”; a elite dominante no partido democrata tem simpatizado pouco com os padecimentos das classes trabalhadoras, abrindo espaço aos populismos das direitas; Bernie Sanders, que é hoje o melhor exemplo da melhor tradição populista nos EUA, corrobora a hipótese de que  uma certa forma de populismo “é a cura e não a doença”.

Indo para lá dos EUA, a importância dos populismos pode ser atestada pela preocupação do economista-chefe de uma multinacional alemã do sector financeiro – Allianz Global Investors. Numa análise ao fenómeno, Stefan Hofrichter afirma que “com a desigualdade em níveis historicamente elevados, é de esperar que o populismo não seja uma tendência passageira, mas uma força política relevante durante um tempo considerável”. Um dos riscos para esta gente é o de as eventuais tendências desglobalizadoras e, já agora desfinanceirizadoras, vejam lá, poderem melhorar a sorte das classes trabalhadoras, alterando a correlação de forças. O que é um risco para uns, é uma esperança para outros.

Realmente, é claro que um certo tipo de populismo é mesmo a cura democrática de que precisamos dos dois lados do Atlântico. Afinal de contas, que mais lhes mete hoje medo?

24 comentários:

Jose disse...

O populismo é o mais evidente refugio dos reformadores sociais que não sabem onde estão nem para onde vão, refugiam-se num discurso ora anacrónico ora futurista, com uma única mensagem para o tempo presente: nada se exige, tudo é devido.

S.T. disse...

Post bastante esclarecedor.

O artigo de Thomas Frank no Guardian fornece informações interessantes que desconhecia.

Já o artigo da Alpha Allianz tem alguns pontos que considero discutíveis.

Entre esses pontos a afirmação de que a globalização se traduz necessáriamente por maior crescimento. Aqui cumpre fazer a pergunta:

Maior crescimento de quem?

Dos países exportadores, certamnete! Mas não seguramente dos países que vêm os seus mercados invadidos por artigos importados e as suas empresas arruinadas por práticas de dumping e concorrência desleal de países mercantilistas.

A tese de que fronteiras fechadas afectam negativamente o crescimento não é necessáriamente válida. Depende essêncialmente da situação do mercado de trabalho local. Se o mercado de trabalho está próximo do pleno emprego pode ser verdade, mas se houver uma grande massa de desempregados os imigrantes ainda contribuirão para a deflação salarial com evidentes prejuízos para o nível geral de rendimentos dos assalariados.

Reafirmo que a tese das fronteiras escancaradas corresponde apenas aos interesses do patronato que assim se protege melhor das reivindicações salariais dos autóctones.

"Rising wages could hurt risk assets" Pergunto: E será que isto é mau?
O problema parece ser justamente o contrário. Isto é, o aplanamento da curva de Phillips corresponde ao quebrar da espinha das estruturas sindicais com leis que lhes limitam a capacidade reivindicativa. Por isso a inflação tarda em manifestar-se mesmo quando as taxas de desemprego são nominalmente baixas.

Várias outras questões são nesse artigo abordadas do ponto de vista do especulador financeiro, o que pode ser o diametralmente oposto dos interesses macroeconómicos de um país.
S.T.

Geringonço disse...

A períodos de acumulação de riqueza grotescas e austeridade (promovida pelos que acumulam a riqueza e executada por prostitutos políticos) seguem-se revoluções...

As chamadas "elites" bem tentam tornar a iniquidade definitiva e eterna mas não o conseguiram no passado, duvido que o consigam agora...

S.T. disse...

Esclarecedor artigo no Figaro Vox (atenção, jornal de direita :)

Alguns excertos:

"Le projet européen n'a jamais été franchement compatible avec le fonctionnement régulier d'institutions démocratiques mais les événements actuels font basculer l'utopie européiste dans une phase ouvertement post-démocratique de son histoire."

"Pourquoi, selon vous, la zone euro est-elle condamnée à exploser?

Tout simplement car la zone euro connaît des déséquilibres croissants que les violentes thérapies austéritaires non seulement ne peuvent résoudre mais qu'elles tendent à aggraver. Il y a d'un côté les pays du nord, Allemagne en tête, qui affichent d'insolents excédents commerciaux et un bel équilibre budgétaire ; et de l'autre, des pays du Sud qui voient leurs déficits commerciaux se creuser et/ou leur dette publique s'envoler. Les premiers prêtent, les seconds empruntent."


"Berlin et les autres capitales du Nord de l'Euroland ne se contentent pas d'imposer une monnaie forte, ils interdisent également tout rééquilibrage par transferts budgétaires. La théorie de la zone monétaire optimale de Robert Mundell démontre de manière implacable que si une zone monétaire connaît en son sein des déséquilibres de niveau de productivité, les écarts vont se creuser sauf si un budget vient redistribuer les excédents des zones les plus riches vers les zones les plus pauvres ; sinon les écarts ne peuvent que se creuser. Les pauvres devenant de plus en plus pauvres et les riches de plus en plus riches. C'est ce que l'on observe puisque la monnaie unique surévaluée, en l'absence d'un budget fédéral compensateur, aboutit à la désindustrialisation croissante du Sud et au renforcement constant des industries du Nord. Les pays du Sud ont beau se désindustrialiser, ils ne peuvent totalement cesser de consommer et achètent donc de plus en plus à l'Allemagne qui produit de plus en plus ce qu'eux produisent de moins en moins. Cet ajustement par les quantités de PIB ou de production s'opère car l'ajustement par la baisse des salaires est limité par ce qu'Orwell aurait appelé des considérations de «décence commune». Le pouvoir d'achat au Sud de l'Europe ne peut descendre en dessous du minimum de subsistance, c'est donc la production en volume qui se réduit et les usines qui ferment au Sud.

Cela ne suffit pourtant pas à rendre le système intenable et explosif."

Mas o melhor é lerem todo o artigo:

http://www.lefigaro.fr/vox/monde/2018/05/31/31002-20180531ARTFIG00158-les-elections-italiennes-prouvent-que-la-zone-euro-a-bascule-dans-la-post-democratie.php?redirect_premium

S.T.

Vitor disse...

Tenho curiosidade de saber como o autor define "populismo"?
Na imprensa tenho visto utilizar várias vezes este termo como algo estabelecido e tenho sempre dificuldade em perceber do que estão a falar. A ideia que tenho é que o termo populismo é utilizado com vários sentidos diferentes por diferentes autores/pessoas.

Vitor disse...

https://pt.wikipedia.org/wiki/Populismo

S.T. disse...

O artigo de Guillaume Bigot no Figaro está mesmo muito bem feitinho. Em linguagem muito acessível.

"Bruxelas, portanto, está certa ao entrar em pânico porque os italianos estão falando sério: eles não sairão do euro por um capricho, mas podem forçar a Alemanha a sair."

"A UE é um sistema de cobardia institucional organizada: é uma espécie de superestado concebido e organizado para não tomar decisões. Para não incomodar ninguém."

"A UE não tem exército, nem polícia, nem legitimidade de espécie alguma, é uma quimera legal que tem apenas a consistência que seus seguidores lhe reconhecem."

"Então a Itália é grande demais para ser descartada. O risco bancário que comporta é "sistêmico", como dizem os especialistas: é a chamada teoria "too big to fail"."

"Os povos europeus descobrirão, assim, a artimanha: o euro é apenas um mecanismo para subsídiar a indústria alemã, que pode fazer dumping monetário nas costas dos países menos produtivos, e esse BCE que nos é vendido como um pára-raios anti-globalização financeira, está de facto a soldo das principais instituições financeiras e bancárias do mundo."

http://www.lefigaro.fr/vox/monde/2018/05/31/31002-20180531ARTFIG00158-les-elections-italiennes-prouvent-que-la-zone-euro-a-bascule-dans-la-post-democratie.php?redirect_premium

S.T.

Jose disse...

«melhorar a sorte das classes trabalhadoras» pela desglobalização»

Se em vez do idiota reco/reco Bruxelas/Alemanha/euro, fossem capazes de explicar como é que isso funcionaria e quem dentre as 'classes trabalhadoras' ganhava com isso.

A minha suspeita é a de que gente pequena só se vê com um horizonte pequeno.

Anónimo disse...

Tony Judt já alertava há 20 anos para o que se está a passar hoje na UE. As causas? O desemprego, o aumento da desigualdade, a emigração, etc. Tony alertava que se as classes dirigentes continuassem a assobiar para o vento, numa lógica plutocrática, a politica radical regressaria, como na Grande Depressão, e os extremismos regressariam também! Isto é tão óbvio que só não vê quem não quer...

NM

Jaime Santos disse...

Pois, João Rodrigues, mesmo excluindo o que Frank designa por pseudo-populismo, o problema da palavra é que de facto ninguém se entende relativamente ao seu significado. Frank faz notar, por exemplo, que Bryant e Roosevelt eram anti-protecionistas e que a administração do segundo até criou agências de regulação independentes (o mesmo que fez Elisabeth Warren, outra pessoa que ele designa como populista). E, azar dos Távoras, o João Rodrigues tem discorrido generosamente sobre estas matérias e parece que não concordaria lá muito com tais posições, não é? O seu modelo de populismo implica a estatização da Economia, coisa que horrorizaria muitos dos ditos populistas americanos, a começar por Bernie Sanders.

Se calhar, não deveríamos excluir a palavra populista do nosso discurso. Deveríamos ao invés tratar todos aqueles que rejeitam as instâncias de intermediação democráticas, seja à Esquerda ao à Direita, por aquilo que eles realmente são, demagogos ávidos de poder, dispostos a quase tudo para o conquistar...

Anónimo disse...

"é claro que um certo tipo de populismo é mesmo a cura democrática de que precisamos"

O tipo "certo" de populismo perderá sempre contra o tipo "errado" de populismo. Desde logo porque se recusa a ultrapassar certos limites (xenofobia, ...).
Se dúvidas houvesse, basta ver o que está a acontecer hoje.

Geringonço disse...

Que moral tem Jaime Santos chamar João Rodrigues de demagogo quando é o próprio Jaime Santos um defensor da demagogia europeísta, centralizadora e antidemocrática de Bruxelas?

S.T. disse...

Pois, xenofobia, e coisa e tal...

E como se deve chamar à recusa em acatar as leis e direitos humanos do país de acolhimento?

"An integration adviser at the Norwegian Embassy in Ankara, Turkey has revealed that it is not uncommon for Syrian husbands to send their wives and children out of Norway to an illegal life against their will. The adviser, who chose to remain anonymous for security reasons, also stressed that the women and children brought to Turkey using Norwegian documents and are later deprived of money and passports, the daily newspaper Aftenposten reported."

"In the most extreme cases, women were forced to leave Norway under duress and threats of violence, the integration adviser said.

The practice of sending back family members has been confirmed to Aftenposten by a number of Syrians living in Norway."

"Before refugees are settled in Norway, they visit a culture course provided by the Norwegian authorities. During the course, the future Norwegians are enlightened on various aspects of living in Norway, ranging from taxes to gender equality."

A "chatice" é quando elas percebem que na Noruega deixam de ser "mobília" e passam a ser gente.

https://sputniknews.com/europe/201806041065067633-norway-migrants-middle-east/
S.T.

Anónimo disse...

Vitor e a wikipedia.

Depois do exemplo dado sobre os advogados políticos e a wikipedia, estamos conversados

Anónimo disse...

"instâncias de intermediação democráticas"

Faz lembrar qualquer coisa como "intermediários". Há quem goste deles

Anónimo disse...

Vemos que o termo "populismo" incomoda e muito. Alguns por outro lado invocam a sua ignorância sobre o significado ou significados do termo. E todavia já foi aqui muitas vezes discutido as várias abordagens da questão

É perceptível todavia o medo que paira sobre alguns comentadores perante este assunto.

"é claro que um certo tipo de populismo é mesmo a cura democrática de que precisamos dos dois lados do Atlântico. Afinal de contas, que mais lhes mete hoje medo?"

Anónimo disse...

""É espantoso como, matraqueando sem parar o jargão da ciência política, se conseguiu atribuir uma carga pejorativa brutal à ideia de povo. E, pior, associá-la, num passe de magia semiótica, à xenofobia, ao racismo e ao autoritarismo.

Um governo que se atreva a ter ter no centro da sua acção o interesse das classes populares está a explorar emoções, é alvo de chacota e é brindado nos media com o anátema do "populismo". Já um governo que que tenha como principal objectivo a preservação e reforço das elites financeiras, esse revela "sentido de estado" e "visão política" e tem direito ao selo da "credibilidade".

(Pedro Estêvão)

Anónimo disse...

Alexandre Abreu num texto bem estruturado escrevia há pouco tempo:

"O populismo de Trump é, claro está, um populismo xenófobo e reaccionário – triádico, na tipologia proposta por John Judis que o João Rodrigues aqui tem trazido: procura mobilizar as classes médias e populares contra a ameaça do ‘outro’ (os imigrantes, os beneficiários de apoios sociais, os outros países) para quem é remetida a culpa pela degradação das condições de vida, em contraste com o populismo diádico progressista, que procura defender as classes populares das elites que as subordinam. Em todo o caso, em matéria de política económica, o populismo triádico de Trump é mais discursivo do que efectivo: apesar do discurso abertamente racista e de algumas medidas pontuais odiosas, Trump não alterou significativamente a política de imigração, por exemplo, tal como não alterou significativamente a orientação da política comercial livre-cambista, aliás largamente favorável aos interesses das empresas norte-americanas. Já a componente plutocrata vai avançando decisivamente: estima-se que 60% dos ganhos proporcionados por esta reforma fiscal serão capturados pelos 1% mais ricos da população norte-americana, agravando simultaneamente a elevada desigualdade e o défice federal.

Mas não é só na versão trumpista que encontramos uma fusão tóxica entre política-espectáculo e distribuição de baixo para cima. Aqui mais perto, e depois de ter conseguido suscitar entusiasmos pouco avisados entre algum centro-esquerda aquando das eleições presidenciais, é Macron quem tem vindo a implementar reformas fiscais e regulatórias que beneficiam sobremaneira os mais ricos e vulnerabilizam os trabalhadores, a despeito de um discurso e imagem pretensamente pós-ideológicos mas mais adequadamente caracterizados como uma perfeita expressão do extremo centro, para usar a expressão de Tariq Ali. Também neste caso, segundo um estudo acabado de publicar, as medidas com impacto sobre o rendimento das famílias que entrarão em vigor em 2018 beneficiarão principalmente os 2% mais ricos."

Anónimo disse...

Voltemos então a John Judis pela voz de João Rodrigues:

"Os populistas de esquerda defendem o povo contra uma elite ou o establishment, o poder instituído. A sua política é vertical, dos estratos inferiores e médios contra o topo. Os populistas de direita defendem o povo contra uma elite que acusam de favorecer um terceiro grupo, que pode ser constituído, por exemplo, por imigrantes, islamitas ou militantes afro‐americanos. O populismo de esquerda é diádico. O populismo de direita é triádico. Olha para cima, mas também para baixo, para um grupo marginal."

Excerto de A Explosão do Populismo, de John Judis, acabado de sair em edição portuguesa na Presença. Um livro que pode ajudar a enquadrar melhor muitos debates, evitando as amálgamas convencionais. É que populistas houve e há mesmo muitos. A análise é historicamente informada, especialmente do lado norte-americano, e não esquece as determinações materiais dos fenómenos políticos, em contraste com análises tão curtas quanto puramente culturalistas. Subjacente à análise de Judis, está a ideia de que certas manifestações populistas dão voz e programa a preocupações e anseios mais do que legítimos da gente comum em momentos de crise económica intensa.

Anónimo disse...

Alguém aí invoca o perigo do regresso da política dita radical...

Não se percebe bem tal medo. O que assistimos é ao massacre dos de baixo por uma pequena minoria.

Radical é a forma como temos sido governados, com as consequências radicais de tal tipo de sociedade.

Porque motivo não dar de facto respostas radicais a quem radicaliza tanto para esta sociedade de usura e de rapina?

Anónimo disse...

"o idiota reco/reco Bruxelas/Alemanha/euro, fossem capazes de explicar como é que isso funcionaria e quem dentre as 'classes trabalhadoras' ganhava com isso"

Jose anda distraído. Na sua pressa de manter a trampa em que nos atolamos, com os privilégios adjacentes aos vampiros que se governam, não repara nos outros caminhos que se indicam e apontam. Um TINA a ver se passa entre as gotas da chuva

Claro que nestes caminhos cessariam as atividades de rentistas parasitas e de frequentadores de offshores proxenetas.

(Quanto à sua angústia com o tamanho das pessoas e o horizonte que estas vêem...não passam de desabafos pequeninos, ocos e vazios, sem qualquer substrato por onde se lhe pegue)


Anónimo disse...

O "idiota reco/reco Bruxelas/Alemanha/euro"?

Ah, isso não. Isso não é para discutir. As colónias não se discutem, nem os países coloniais,

Bora lá a mudar de tema. Falemos do tamanho das gentes que assim protegem os saqueadores e o produto do seu saque

S.T. disse...

Uma palavrinha de esperança:

https://www.theatlantic.com/science/archive/2018/06/the-tipping-point-when-minority-views-take-over/562307/

Mas estes 25% necessários para efectuar mudanças implicam alguns aspectos que não são considerados no artigo. Um destes dias talvez escreva sobre isso.
S.T.

Anónimo disse...

Li também com bastante interesse esse artigo da Science...