terça-feira, 7 de novembro de 2017

Quero o Estado de volta


Quando estive no Reino Unido, em 2009 e 2010, era notícia o medo que muita gente tinha de recorrer aos hospitais, tal o risco de se morrer por infecção de bactérias resistentes. Na altura, a razão de ser foi bem identificada. Limpeza deficiente porque era um serviço subcontratado, no âmbito da chamada gestão moderna ("empresarial") dos hospitais. Os trabalhadores/as da limpeza, contratados por empresas de trabalho temporário, muitíssimo mal pagos e com deficiente supervisão, permaneciam pouco tempo naqueles empregos. Naturalmente, a qualidade da limpeza, o cumprimento das normas de desinfecção, era mais que duvidoso. Tudo isto foi introduzido pelo Trabalhismo da 3ª Via (Tony Blair e seguintes). Em Portugal fizemos o mesmo caminho com o ministro Correia de Campos e discípulos, ao nosso ritmo e à nossa maneira. Mas o resultado é o mesmo.

Hoje, ao ver o telejornal, não pude deixar de pensar que as pessoas que faleceram, vítimas do surto de legionella no Hospital S. Francisco Xavier, para além de outros doentes em risco de vida, SÃO VÍTIMAS DO NEOLIBERALISMO.

Afinal, quem garante que as colheitas e as análises quinzenais às torres de refrigeração cumpriam as normas adequadas? Em boa verdade, ninguém do hospital controlou o seu trabalho porque, se o fizesse, isso teria custos e anulava a dita vantagem da subcontratação. E para a empresa, como é de esperar, o lucro é o objectivo; a qualidade do trabalho é a que for compatível com os níveis de rendibilidade fixados. O mesmo se passa noutros sectores da administração pública, como é o caso da subcontratação das refeições escolares. E o SIRESP? E os meios aéreos privados para combate aos fogos?

Tudo isto é imposto pelos Comissários da UE e o Eurogrupo, de forma indirecta, porque mesmo em tempo de estagnação continuam a forçar a redução da despesa publica. Começa a ficar à vista de todos que a degradação dos serviços públicos vai continuar, embora disfarçada com proclamações de que os "culpados" serão punidos. É uma forma de acalmar os cidadãos para que o paradigma político neoliberal se mantenha.

Apetece-me gritar: quero o Estado de volta. Há aí mais alguém que também queira?

3 comentários:

Tripalium disse...

Na relação de (sub)contratação de serviços públicos entre o Estado e os fornecedores desses serviços (ou de trabalho temporário), a segurança, qualidade e prontidão desses serviços (mormente, quando está em causa a vida ou a saúde de pessoas) não podem ser uma atrapalhação: para o Estado que quer (ou é obrigado a) pagar pouco; para o fornecedor, que quer ganhar muito.

Anónimo disse...

Excelente post.

Chamar o nome aos bois é uma enorme qualidade, quer estes se chamem Blair ou Correia de Campos

Quase ninguém fala nesse autêntico escândalo que são as subcontratações na área da saúde, mas que se estendem a outras áreas da administração pública. Passar para o bolso privado, onde o lucro é o único objectivo, parece ser o único fim do neoliberalismo. Paga miseravelmente aos seus empregados, falha completamente na supervisão, e, como em cima se diz, "a qualidade do trabalho é a que for compatível com os níveis de rendibilidade fixados".

É de facto um autêntico crime, sob a batuta neoliberal. "Promovido", incentivado e imposto pelo directório europeu, incluindo aqui obviamente o eurogrupo.

"Reduzir a despesa pública" é o grito de guerra dessa vampiragem.

Com os efeitos que se conhecem, com os crimes que se ocultam e com os mortos que se empurram para o lado.

Anónimo disse...

Os responsáveis por todas as mortes evitáveis sabem que nunca serão julgados muito menos punidos. Estão todos de parabéns pelo maravilhoso sistema que está implantado onde a vida das pessoas é trocada por um punhado de notas. E é este o modelo de sociedade que se tem como avançado e humanista, ridículos...