quarta-feira, 31 de maio de 2017

É preciso falar de imperialismo


Neste ponto, e neste ponto apenas, concordo com Gideon Rachman do Financial Times: há algo de arrepiante, tendo em conta a história do século XX,  em ver “a líder alemã numa tenda de cerveja na Baviera a anunciar a separação em relação aos EUA e à Grã-Bretanha, fazendo referência no mesmo discurso à Rússia.”

Ironia à parte, os que contam com a versão europeia do liberalismo do medo, agora em relação a Trump, para continuar a federar furtivamente a Europa, estão apenas a reforçar os desígnios do imperialismo alemão, transpondo-os do campo económico-político, indissociável do Euro, para o campo político-militar. É preciso combater tal irresponsabilidade, ainda para mais quando vem de gente que se diz de esquerda.

Seja como for, continuo a apostar que estamos perante passageiras e superficiais querelas, procurando Merkel no seu discurso de campanha aproveitar-se da justa impopularidade de Trump para conquistar eleitores, secundarizando ainda mais a de qualquer forma irrelevante social-democracia alemã: no final, a Alemanha continuará integrada no bloco imperialista transatlântico liderado pelos EUA, provavelmente mais armada. Esse é na realidade o negócio de Trump. Aposto que vai ser aceite.

A integração europeia é indissociável deste bloco criado para combater todos os socialismos, aspecto em que também tem sido muito útil no continente, o que nunca é de mais sublinhar. E o mundo continuará tão perigoso quanto antes, até pelos estatocídios que este bloco já tem no seu cadastro na ausência de freios e contrapesos relevantes. Sem os colocar obviamente no mesmo plano, tendo o Mediterrâneo por uma das suas fronteiras, os esvaziamentos das soberanias passaram por intervenção militar, a sul, e financeira/monetária, mais a norte, no que acabou por funcionar como uma espécie de divisão de tarefas entre a potência europeia e a norte-americana e que foi da Líbia à Grécia.

No fim de contas, confirma-se que os que não querem falar de imperialismo, como a política internacional do capital financeiro, também não podem falar com propriedade das suas articuladas estruturas de integração, da NATO à UE.

7 comentários:

Geringonço disse...

Para falarmos de imperialismo temos que falar de como o imperialismo é nutrido não apenas por neoconservadores como por liberais.

Pessoas de ditas esquerda têm que reconhecer que Obama é uma fraude, um fantoche, uma gigantesca operação de marketing para captar o voto daqueles que estavam (estão ainda mais agora) fartos das guerras e criminalidade de Wallstreet.

Temos que admitir que existe o “Deep State” existe e aquilo que vemos na TV é mais teatro do que outra coisa…

Temos que resistir aos tribalismos, por exemplo, Durão Barroso é um criminoso de guerra, logo, não o defendam só porque é português, este pulha tem que ser julgado pelo mal que fez!

E para alcançarmos um mundo melhor não só precisamos de recuperar a agenda do trabalhador como temos que atacar inequivocamente a industria malévola da guerra!

Jaime Santos disse...

É interessante vê-lo a meter tudo no mesmo saco incluindo uma Alemanha que, em relação às intervenções na Líbia e na Síria, se mostrou tremendamente cética. É igualmente curiosa a tendência que existe para tentar colar a Alemanha atual ao seu passado nazi, quando ela é apesar de tudo bem mais regrada ao nível internacional que os EUA, França ou Reino Unido. Finalmente, e porque a memória é uma coisa lixada, e se falássemos de imperialismo soviético e de todos quantos os que se calaram perante ele (ou mesmo os que com ele colaboraram, incluindo por cá), porque era supostamente 'socialista'? É que sabe, imperialismo por imperialismo, eu prefiro o suposto imperialismo financeiro alemão de que fala, que nos deixa ao menos a possibilidade de decidir se queremos ou não fazer parte dele (que eu saiba, a maioria dos Portugueses ainda quer fazer parte do Euro), ao outro que metia os tanques pelas ruas de Budapeste ou de Praga... A moral que o João Rodrigues tem para falar destas coisas é pois igual a zero...

Jose disse...

«bloco criado para combater todos os socialismos»

Estamos num mundo de sombras! A UE é o mais 'socialista' dos blocos e é contra ela que se assanham os 'verdadeiros' socialistas que de socialismo só podem identificar fracassos!

Trump é uma Besta de uma dimensão ainda não inteiramente desvendada - mas adivinha-se que possa adquirir uma ainda maior dimensão - e vamos agora incrementar o mantra do imperialismo alemão?
Mais depressa se conviverá com a Rússia que com uma América plenamente trumpiana.

Espero que a Europa deixe de assumir o papel de destino de todo o desgraçado do mundo e passe a actuar no mundo com seus valores e sem este politicamente correcto que mais não é que cobardia e treta herdada de um bloco completamente falhado que de socialismo tinha o rótulo.
E se isso for imperialismo alemão, para mim serve muito bem.

Anónimo disse...

Um grande post de João Rodrigues.

Que tem um mérito oculto , ainda por cima.

É que põe por ai alguns a gritar que são imperialistas. A favor dos ditos . A bater no peito e a proclamarem a sua fidelidade ao capital financeiro...

Onde está a centelha sicial-demicrta que devia animar Jaime Santos?

Anónimo disse...

Claro que o imperialismo alemão serve ao Jose. Sempre serviu.

Primeiro foi o do século passado. Tinha uma admiração babosa por um colaboracionista nazi chamado Petain.

Depois serviu-lhe o imperialismo português . Andou a berrar que Angola era nossa e elogiou os crapulas da PIDE.

Depois tomou-se de amores pelo americano. Há versinhos a elogiar e a incentivar o exercício imperial made USA e a pedir mais bombardeamentos, mais crimes, mais mortes sob os auspícios do padrinho Sam

Como o que interessa sao mesmo os negócios, passou de patrioteiro legionário a valente vende-pátrias.

E adoptou o alemão.

Regressou às origens?

Anónimo disse...

"A verdade é que as últimas cimeiras da NATO e do G7 – instâncias visíveis que agregam os senhores do mundo – não decorreram com a bonança do costume, terão sido «atípicas», comentam os mesmos que se escudam no «pragmatismo».

No fundo, andando à volta de si próprios para fugir ao que os dois encontros magnos confirmaram, agora no cume do Olimpo: o capitalismo na sua versão limite mergulhou numa crise grave. Não já a provocada por uma visível desarmonia pondo em causa a teoria periclitante que garante ciclos sucessivos de crescimento e recessão, mas sim a que decorre de contradições mais e mais insanáveis.

Contradições que não resultam, como tantas vezes pretende simplificar-se, de incompatibilidades de génios e de políticas entre os actores intervenientes, como se os choques tivessem surgido agora com os adventos de figuras voluntariosas, egocêntricas e seguindo linhas políticas oportunistas e sinuosas, como é o caso de Donald Trump e Emmanuel Macron; os quais tiveram primeiros embates antagónicos com o autoritarismo germânico de Merkel, um batendo de frente, outro adaptando-se – até ver.

Sabendo-se que quando se fala em Trump se lhe associam, automaticamente, a inglesa May e o nacionalista japonês Shintaro Abe. Canadá e Itália não passam de figurantes no cenário do G7, assegurando, porém, o seu peso em ouro na estratégia agressiva e expansionista da NATO.

Na cimeira da NATO a gravidade das altercações mediu-se em dólares. Os contribuintes dos Estados Unidos estão a ser prejudicados, queixou-se Donald Trump, o presidente que tem exércitos de invasão e ocupação nas sete partidas do mundo e cuja administração acaba de anunciar que perdeu o rasto a mil milhões de dólares de armamento enviado para o «novo» exército do Iraque, uma tacanha metáfora inútil para esconder que os destinos finais dos carregamentos foram o Isis/Estado Islâmico, os muitos heterónimos da al-Qaida e a indústria «moderada» do terrorismo dito islâmico.

Feitos estes todos eles parcelarmente sustentados pelos membros da NATO, sem que os respectivos povos sejam informados com verdade sobre a sua contribuição para guerras ilegais e criminosas como as da Líbia e da Síria, para não estender o rol completo.

Trump, como soberano da NATO tacitamente aceite pelos súbditos, exige que estes respeitem o compromisso, assumido em cimeira anterior, de contribuir para a instituição com dois por cento do PIB. Alega – o que é verdade – que só meia dúzia de parceiros cumprem a regra, advertindo desde já que que o dinheiro assim reunido não chegaria para fazer estas, outras guerras e mais vítimas humanas por atacado, mesmo que todos fizessem a sua parte.

Os contribuintes, norte-americanos e os outros, que se preparem. Portugal esbanja 1,4% do seu PIB com essas sangrentas actividades, mas sabe-se que houve anos recentes em que o donativo passou de 1,5%, por sinal quando os portugueses foram torturados pelas formas mais agudas de austeridade, durante o consulado de Passos & Portas.

A Alemanha, o ressuscitado gigante militar alemão, porém, não passa de 1,1%, uma das razões que terá levado o truculento Trump a descarregar azedume na veterana Merkel, dizendo-lhe que isto assim não pode continuar.

Foi no ringue do G7, contudo, que as coisas chegaram a vias de facto, não se coibindo o presidente norte-americano de agredir a chanceler com uma verdade de Monsieur de La Palisse: a Alemanha usa a União Europeia em proveito próprio ou, se quiserem, a UE existe para servir a Alemanha."

(cont)

Anónimo disse...

"O ameno convívio estragou-se. Os acólitos mais ferrenhos do eixo franco-alemão tomaram as dores da atingida e o senhor Macron, novato mas muito prometedor nestas andanças, fez questão de apertar tanto a mão do agressor até os nós dos dedos de ambos ficarem brancos, como rezam os relatos dos cronistas. Admirável gesto político, consequente, cavalheiresco e corajoso! Explodiu nessa ocasião o mal-estar interno das cúpulas de gestão do capitalismo global, aqui em forma animosidade transatlântica.

A maior ou menor agressividade face à Rússia e os desencontros nas estratégias para lidar com a China; as diferenças de velocidade a que são destruídos e confiscados os direitos sociais e laborais das populações; as divergências na gestão da guerra ambiental e climática – apresentadas como resultados de um falso duelo entre agressores contumazes e supostos defensores do planeta; a guerra entre as estratégias comerciais multilaterais e as alternativas simplisticamente definidas como «proteccionismo»; o terrorismo e as contradições cada vez mais evidentes entre os interesses próprios e egoístas dos cúmplices que o manipulam; a repartição dos custos e das responsabilidades nas catástrofes humanitárias geradas pelas guerras impostas pela NATO e o G7; o sinistro jogo de alijamento das consequências da tragédia dos refugiados originados pelas guerras convencionais e climáticas – enfim, a lista é tão longa e pesada, a repercussão tão inevitável, mesmo para uma comunicação social domesticada, que são suficientes para incomodar até os tecnocratas a rogo do poder global, ainda que dispensados de ter consciência.

Comentadores e analistas que observam estas situações como fenómenos conjunturais, caídos do nada ou gerados por uma infeliz associação de coincidências, acham que basta encontrar as causas na personalidade, no feitio, nas megalomanias dos frequentadores destes cenáculos.

Um erro gémeo daquele que não lhes permite deduzir que existem riscos palpáveis de uma confrontação militar generalizada e de amplas proporções. Trump, Macron, May, Abe, a eternização de Merkel, o Brexit, a ascensão dos autoritarismos com diversificadas facetas não são enganos da História mas sim pessoas e ocorrências correspondentes à persistência da «crise», isto é, uma encruzilhada em que a selvajaria neoliberal se confronta com um horizonte de esgotamento.

Proibida, pelo cariz da sua missão, de pronunciar o diagnóstico verdadeiro, Angela Merkel desabafa, em tom de vitimização, que agora a Europa tem que sobreviver sozinha. O lamento, porém, é rico de conteúdo: é uma confissão de que a União Europeia tem sido uma peça estratégica essencial para os interesses dominantes do capitalismo anglo-saxónico; é uma admissão de que a União Europeia é a alavanca do ressurgido germanismo económico, o problema que incomoda realmente os interesses específicos do complexo militar, industrial e tecnológico norte-americano – como Trump deixou claro nas cimeiras; é o reconhecimento implícito de que a «refundação» da União Europeia, para conseguir «sobreviver sozinha», terá de se fazer com o reforço do poder dos poderosos, alicerçado no famoso eixo-franco alemão e na progressão continuada da única economia que tira proveito da moeda única – a alemã"

(José Goulão)