terça-feira, 28 de junho de 2016

Eu quero viver em Portugal


No meio da turbulência, com as agências de notação em modo ameaçador, a taxa de juro das obrigações do tesouro britânico a dez anos está a níveis historicamente baixos, menos de 1% no mercado secundário, desde o referendo. Parece estranho. Parece. Mas as aparências enganam. A política não pode ser feita com base em aparências.

A dívida britânica é dívida soberana, o Banco Central pode intervir e fá-lo certamente. Os especuladores, no fundo, têm isso em consideração. Sabem que a Grã-Bretanha emite dívida na sua moeda, na moeda controlada pelo seu Banco Central e por isso os títulos são do mais seguro que há em períodos de turbulência. O Tesouro e o Banco Central estão unidos. Uma união que não pode ser quebrada. Nunca haverá incumprimento soberano com dívida deste tipo. Nunca. Never.

Quando um Estado se endivida em moeda estrangeira, como o Euro no nosso caso, dado que o Banco Central não está por cá, a união entre o Tesouro e o Banco Central é quebrada e o incumprimento é uma possibilidade. No nosso caso é uma necessidade para começar soberanamente a mudar as coisas.

O único constrangimento de um Estado monetariamente soberano é o saldo externo, mas para gerir isso lá está, entre outros instrumentos de política, a taxa de câmbio. Eu quero viver num Estado monetariamente soberano. Todos os democratas portugueses têm de querer viver num país com um Banco de Portugal a sério.

16 comentários:

Aleixo disse...

"...Todos os democratas portugueses têm de querer viver num país com um Banco de Portugal a sério. "

DEVERIA SER UMA VERDADE IRREFUTÁVEL.

...DEVIA!

mas...os "cosmopolitas de casta", até ao IRREVOGÁVEL...

DÃO A VOLTA!!!

Anónimo disse...

"os títulos são do mais seguro que há em períodos de turbulência"
"Nunca haverá incumprimento soberano com dívida deste tipo"

Não haverá nunca incumprimento em valor facial, mas os títulos podem valer 0. Nada. Nothing.
Ou o que quer dizer é que os Britânicos "podem ir todos de férias" sabendo que o Tesouro e o Banco Central unidos resolvem qualquer problema através da emissão de moeda e gerindo a taxa de câmbio?
Que tipo de desvalorização interna (austeridade, mas de outro tipo) ocorre neste caso?

Nicolas Maduro anda desatento a este blogue.

Anónimo disse...

Mas os "democratas" europeístas continuam a impingir-nos um pseudo estado democrático Europeu aproveitando-se das mentiras, da chantagem e do catastrofismo que andam a propagandear há anos…
Os europeístas de democratas pouco ou nada têm, levou algum tempo até verificar-mos isto mesmo mas finalmente a população está a vencer o medo.

É verdade que são tempos de incerteza, mas também podem ser tempos de otimismo! O otimismo na recuperação da democracia onde ela pode ser feita, e o otimismo de que o progresso e a justiça social podem voltar a ser algo presente nas nossas vidas!

Jaime Santos disse...

Eu também quero viver num Portugal monetariamente soberano, mas de preferência num em que a saída da moeda única não derreta todas as poupanças da classe média, as minhas incluídas. É que para quem não tem, como eu, a segurança de um emprego permanente, elas são uma boia a que me posso agarrar. Aliás, muitos portugueses tiveram que recorrer as essas poupanças durante o período negro de 2011-2015, para ajudar filhos e netos. E, para além dos slogans, ainda não vi ninguém a explicar-me como é que saímos do Euro sem hiper-inflação. E depois, registo a separação entre os democratas e os outros, que pensam de forma diferente, como o nosso Primeiro Ministro, por exemplo. Assim sendo, como António Costa e a maioria do seu Governo também não são democratas, porque defendem a manutenção de Portugal no Euro, eu estou à espera de ver o João Rodrigues ser coerente e vir defender o fim da Geringonça (e a consequente entrega do Poder à Direita).

R.B. NorTør disse...

João, mesmo sabendo que nunca acontecerá, qual a diferença entre o Banco de Portugal e um verdadeiro BCE? Ou dito de outra forma, uma união monetária, com uma só dívida externa?

Anónimo disse...

"Nunca haverá incumprimento soberano com dívida deste tipo"
"O único constrangimento de um Estado monetariamente soberano é o saldo externo, mas para gerir isso lá está, entre outros instrumentos de política, a taxa de câmbio."

Conclusão: num Estado monetariamente soberano não há, por isso, problemas. Tudo se resolve,
sem custos nem dor.

Estas frases, assim, sem mais explicação, ilustram bem a demagogia e o simplismo que grassam na análise politica/económica. Uma vez de um lado, outra vez do outro.

Deixo-lhe aliás uma pergunta simples e factual: já houve ou não incumprimentos soberanos por parte de Estados monetariamente soberanos?

Se houve, a sua primeira frase é falsa.

Anónimo disse...

Qual simplismo? Factual: "Com dívida deste tipo". Um estado monetariamente soberano, endividado numa moeda que dependa apenas do banco central, note-se, sublinhe-se, assinale-se, não entra em incumprimento. Não se diz mais nada. Um Estado monetariamente soberano pode estar endividado numa moeda estrangeira por uma série de razões. Aí sim pode ter de entrar em incumprimento. Por isso, a questão central é o saldo externo, que tem de ser vigiado atentamente. Não queremos acumular dívida externa significativa. O euro fez-nos acumular um montante recorde. Sobre algumas destas questões numa perspectiva de crítica a Rogoff-Reinhart, veja-se, por exemplo, isto:
https://ideas.repec.org/p/lev/wrkpap/wp_603.html

Anónimo disse...

Até já vão buscar Nicolas Maduro.

O desespero vai até onde? Até à ponta do dedo com que se tenta encontrar simplismo e demagogia ? Como essa dos "britânicos poderem ir todos de férias?.

Outras demagogias e simplismos afinal que caem por terra, com fragor e estrépito, com o comentário do anónimo das 18 e 12

Anónimo disse...

"Um estado monetariamente soberano, endividado numa moeda que dependa apenas do banco central, note-se, sublinhe-se, assinale-se, não entra em incumprimento."

1) Já houve, de facto, Estados monetariamente soberanos a entrar em incumprimento;
2) Depreende-se portanto, que tal se deveu ao facto de se terem endividado em moedas que não dependem do seu banco central;

Pergunta:
Porque é que Estados monetariamente soberanos (não dependendo portanto de terceiros nas suas decisões) se endividam em moedas que não dependem do seu banco central, se tal significa que podem entrar em incumprimento (com todas as consequências que daí advêm)?

Unabomber disse...

Lembro que, em 1978 e em 1983 Portugal tinha soberania monetária e instrumentos para equilibrar o "saldo externo", todavia tivemos de recorrer ao FMI e à austeridade.

A monetização das dividas soberanas e as desvalorizações das moedas têm os seus limites. Os efeitos inflacionistas destas politicas no Japão, nos EUA,em UK,ou na Zona Euro (grandes economias, tecnologicamente avançadas), têm efeitos infinitamente menores do que quanto aplicadas em países do terceiro mundo (ex: Zimbabwe), ou com tecido produtivo muito fraco (ex: Portugal)

Anónimo disse...

"Um estado monetariamente soberano, endividado numa moeda que dependa apenas do banco central, note-se, sublinhe-se, assinale-se, não entra em incumprimento."

Dito de outra forma.

1) Estados monetariamente soberanos entram em incumprimento (é um facto, até já aconteceu recentemente);
2) Tal deveu-se ao facto de esses Estados monetariamente soberanos se terem endividado em moedas que não dependem do seu banco central (agradeço esta clarificação);
2) Tal deveu-se porque, apesar de serem Estados monetariamente soberanos, os mercados financeiros que lhes emprestam dinheiro não aceitaram emprestar-lhes dinheiro na moeda de que depende do seu banco central;

Porquê, se o risco que os mercados correm é do incumprimento, quando isso não aconteceria se a moeda dependesse apenas do seu banco central? Porque a contrapartida pelo risco do não-incumprimento é o de os empréstimos manterem o seu valor nominal mas poderem valer 0 (valor real).

Ou seja. O facto de um Estado ser monetariamente soberano não altera nada de fundamental. Apenas os mecanismos pelos quais as consequências operam é que são diferentes. Do meu ponto de vista mais opacos mas é apenas uma opinião. O fundamental é o mesmo: a dependência dos mercados financeiros existe e é fundamentalmente a mesma (independentemente de os Estados serem ou não monetariamente soberanos).

Era bom que se discutissem as diferentes opções sem criar a ilusão que elas são muito diferentes nas condicionantes fundamentais.


Anónimo disse...

Uma boa pergunta.
Porque os governos dos países estão subordinados a uma agenda própria dos interesses económicos
Dos grandes interesses económicos.
E da agenda neoliberal.

Ora veja-se o que se passa com o euro e com a nossa entrada no euro. E da política de subserviência total face aos interesses do directório da UE, nomeadamente na governação Passos/Portas.
Alguns falam em "partilha de soberania" para o que é de facto uma soberania capturada.

Anónimo disse...

"Alguns falam em "partilha de soberania" para o que é de facto uma soberania capturada."

Todas as soberanias são, de certa forma, capturadas.
Um Estado monetariamente soberano está "capturado" pelas economias para onde exporta (no caso Português, seria Angola, por exemplo), pelas economias de onde importa (não controlamos o preço do petróleo que importamos), pelas economias a quem vende dívida (que podem não a querer comprar ao preço que nós queremos), pelos países com quem faz fronteira (veja-se o caso do diferencial do Imposto sobre Combustíveis Espanha/Portugal), ...
Daí que seja uma simplificação grosseira falar de "soberanias não-capturadas" ou de "Estados monetariamente soberanos" como se todas as limitações (e outras) desaparecessem nesses casos. Os mecanismos dessas "capturas" podem ter diferentes aparências mas existem em qualquer dos casos: não são o resultado de "agendas neoliberais" mas das interdependências entre economias.

Veja-se o caso da Venezuela. É um Estado monetariamente soberano, sem soberania capturada. Mas não controla a procura nem a oferta internacional de petróleo e, consequentemente, o preço a que é vendido. Não pode obrigar uns países a consumir mais petróleo (ou a comprar a preços mais altos), outros a produzir menos (ou a vender a preços mais altos), ... A sua soberania só lhe permite definir a quantidade que produz. O preço a que vende e a quantidade que vende são decididas pelas soberanias de outros países (os que também produzem e os que compram petróleo). Afinal, a Venezuela, um Estado monetariamente soberano, tem ou não a sua soberania capturada? O que propõe então?

Anónimo disse...

Simplificação grosseira falar em soberanias não capturadas?
Simplificação sim.Grosseira não.
Em qualquer dos casos é todavia mais certa do que a afirmação ideologicamente fidelizada aos ideias neoliberais que a captura das soberanias nacionais não são resultado das agendas neoliberais.

Percebe-se a tendência para a fuga para a Venezuela. Uma fuga assaz grosseira a cheirar a simplificação.
E como temos o exemplo aqui concreto, real de Portugal e dos países da periferia, cuja soberania foi de facto capturada em nome dos interesses do Centro e dos granes interesses nacionais, regista-se que a historia está mal contada quando se pretende reduzir a uma anodina interdependência entre economias.

Porque independentemente desta interdependência e dos mecanismos de dominação de umas sobre as outras(defendidas pela teologia neoliberal) e cuja análise nos levaria muito mais longe, o que tem que ser mostrado é que o paleio da "partilha de soberania" como álibi para a perda de soberania não pode passar.

Porque aqui estamos num terreno concreto, sem termos que procurar ir para os braços da Venezuela, alvo prefencial das fugas quando se desmascaram as relações do poder aqui em Portugal e na Europa. E o euro é um mecanismo de dominação e um poderoso instrumento ao serviço da cartilha neoliberal.

Anónimo disse...

Vejamos mais fundo as disfuncionalidades políticas, habilmente ocultadas pelo poder dominante e pelos media ao seu serviço.Não vale a pena viajar para a Venezuela, em jeito de fuga e de ausência argumentativa, quando temos aqui tão clamorosos exemplos:

"Os Estados tornaram-se politicamente disfuncionais, devido à desregulação económica e financeira e à própria justiça em muitos casos enfeudada aos interesses do grande capital.

O direito de ingerência assumido em nome da democracia e (claro!) "economia de mercado" tem servido para a expansão e domínio das transnacionais, para o caos e a disfuncionalidade dos Estados submetidos a esses interesses.

Campanhas internacionais de calúnia e financiamento de agentes promotores da instabilidade preparam a opinião pública interna e externa para toda a espécie de ingerências e intervenções a coberto da defesa dos direitos humanos. Que direitos humanos foram levados para a Jugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, ou para a América Latina com uma inenarrável lista de crimes à conta do poderoso vizinho do Norte?

Nestes processos, criteriosamente descritos por John Perkins são promovidos a democratas "personagens totalmente inescrupulosos, surgem como uma espécie de mafiosos entre primitivos e pós-modernos, encabeçando politicamente grupos de negócios cuja norma principal é a de não respeitar nenhuma norma na medida do possível".

A UE é um exemplo de Estados politicamente disfuncionais. As suas instituições usam a ameaça e a chantagem para contrariar compromissos eleitorais. O poder detido pelos burocratas permite-lhes pressionar para que apenas uma linha política esteja realmente disponível para os cidadãos.

Burocratas fazem declarações críticas e ameaças acerca do que os Estados podem ou não fazer, interferindo em decisões aprovadas em referendos (França, Irlanda, Grécia) ou nos Parlamentos. Governos são constrangidos a orientações alheias às opções dos povos. E propagandearam isto como a "regra de ouro"…

A aplicação de sanções pela UE a Estados membros não é um sinal da eficácia e justeza das suas orientações, mas de fraqueza e do fracasso das suas políticas. Os povos da UE encontram-se sujeitos a um poder supranacional, que usa o secretismo e uma dogmática artificial. Tenta proceder como o papado da Idade Média que podia aplicar a interdição e a excomunhão a um país. Agora a decisão sobre o incumprimento das regras da UE pode conduzir a multas e sanções. Para os países do euro, o BCE pode decidir deixar de fornecer liquidez e obrigar ao encerramento de bancos.

Regras e tratados que não foram referendados, avaliados e discutidos pela opinião pública, mas apenas propagandeados como a via para o desenvolvimento, a solidariedade, a convergência; precisamente o contrário do que significavam e se pretendia impor.

A UE não vai além de um conjunto de estados insolventes, disfuncionais, em plena decadência económica e social, num rumo de arbitrariedade em que só é permitido pensar o que a CE e o BCE determinam. Tudo além disto é considerado apócrifo, suspeito e ignorado ou condenado junto da opinião pública"
(Daniel Vaz de Carvalho)

Anónimo disse...

A mais elementar prova da captura da soberania nacional em termos concretos, sem fugas para as generalizações da mais do que reconhecida interdependência económica e para a tão apetecida América latina:

«A França é a França», disse Juncker, o presidente da Comissão Europeia, questionado sobre a razão pela qual a França não está ameaçada de sanções por não cumprir os três por cento de défice do Estado imposto pela União Europeia, ao contrário de outros países, entre os quais Portugal.

Algo dito sobre a captura da soberania nacional. Algo a silenciar sobre as relações de poder dentro desta coisa chamada União Europeia