quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Outra visão do circo

Em última instância, a realidade é sempre utilizável politicamente. E nesse combate - porque se trata de um combate -, os jornalistas têm um papel essencial, como intermediários de informação, como interpretadores da realidade, como - no fundo - condicionadores da percepção da realidade.

Veja-se o debate tido entre José Rodrigues dos Santos, Pedro Lains e Marco Capitão na emissão da RTP3 - 360 graus.Sobretudo a partir do minuto 24.

Rodrigues dos Santos lançou o debate - político - suscitando as questões: 1) a comissão europeia está a exigir mais austeridade; 2) o PS tem de cumprir essas instruções e criar austeridade, quando o queria evitar; 3) e subliminarmente, estará o acordo com a esquerda posto em causa?

Ora, a resposta pode ser - politicamente - mais rico...

Desde 2010 ficou provado que a austeridade não é eficaz para responder aos problemas de países em desequilíbrio, num contexto de estagnação ou recessão económica. Até 2013, os responsáveis da comunicação social defenderam a austeridade até à última pinga de sangue. Depois, acabaram por a criticar por ser ineficaz. Mas quando surgiu a tímida retoma de 2014 voltaram a louvor os seus méritos. Agora, voltam à carga, como se nada se tivesse passado nos últimos 5 anos. Porquê? Como tudo, a comunicação social baseia-se num sistema de crenças que "lê" a realidade de certa forma. A questão é mais saber por que razão tende sempre para certa leitura.

10 comentários:

Anónimo disse...

"A questão é mais saber por que razão tende sempre para certa leitura."

A questão é muito simples de responder (não me entenda mal, não estou a dizer que está certa ou errada). Tem por base um raciocínio de senso comum:
- Em geral, a dívida (pública e privada) e o défice (público) são apontados como o "problema" (é praticamente unânime);
- Perante este diagnóstico, qual é a receita ditada pelo senso comum: cortar na despesa. É digamos, uma solução de primeira-ordem, que considera apenas o impacto directo, cuja execução depende directamente da acção do Estado. Daí que tenha tanta aceitação pelo senso comum.
Uma alternativa é defender a resolução através do crescimento (para simplificar). Mas essa é uma uma solução de segunda-ordem: o Estado não pode aumentar directamente o crescimento tal como pode cortar directamente na despesa. Tem de aumentar a despesa (o que vai contra o senso comum quando se quer diminuir a dívida e o défice) e depois esperar pelo seu efeito de segunda-ordem que é o crescimento (através do aumento do consumo). Efeito esse que é indirecto, incerto (não é tão fácil de quantificar) e não pode sequer ser mínimo: tem de, pelo menos, superar os efeitos directos do aumento da despesa.

Repito mais uma vez: não quero com este raciocínio defender uma ou outra alternativa. Simplesmente parece-me claro que a alternativa "cortar na despesa" é mais facilmente aceite pelo senso comum como método directo de resolução do problema do que a alternativa "crescimento".

Os eleitores (e os leitores de jornais) não são todos economistas, logo é de esperar que aceitem melhor alternativas com efeitos directos e sobre os quais é possível agir directamente! Ainda por cima são alternativas que aderem à sua experiência na gestão familiar, que é a que lhes está mais próxima.

Jaime Santos disse...

It's the Ideology, Stupid! (sem ofensa) A sua pergunta é claro retórica, mas a resposta pode ser lida no velho Marx. As categorias pelas quais se orienta uma sociedade são as da classe dominante, neste caso a dos capitalistas financeiros...

Anónimo disse...

Todos os meios de comunicação social estão ao serviço das forças dominantes. Não há jornalismo independente. E´ só!
Quando se lê pluralismo na comunicação social deve ler-se---mentira, engano e vigarice— por que os Murdocks ca´ do burgo assim exigem.
De resto pouco ou nada fica de serio e honesto. Os valores Ocidentais e Orientais, quero dizer – os valores humanos são esquecidos pelo valor dos mercados (bezerro de ouro).
Quando oiço um jornalista falar dos “custos dos feriados”…E´ como se me retirassem o pensamento critico… São escribas servindo seus faraós.
De Adelino Silva

Mário Reis disse...

A desinformação nem sempre é fruto da vontade de manipular, tanta a incompetência, preguiça e falta de qualificações ou de cultura para falar do quem falam os ditos jornalistas e orgãos de referência, mas este "senhor", péssimo exemplo do bom exercício da sua profissão onde não faltam seguidores pagos a peso de ouro... ao lado de estagiários, precaridade e tarefeiros
Serge Halimi analisou esta gente que tudo faz para agradar aos donos dos meios informativos e decisores ao serviço de interesses financeiros num pequeno mas incisivo livro chamado, "os novos cães de guarda".
"Encenadores da realidade social e politica, interna e externa, deformam-na continuamente. Servem os interesses dos senhores do mundo. São os novos cães de guarda."

Anónimo disse...

O ex -Presidente da RTP , Almerindo Marques quando foi afastado do cargo, disse q esse guru da propaganda tinha laços muito estreitos com a embaixada gringa....

É pago a preço de ouro para ler notícias e escrever coisas da laia dos senhores dos aneis, dan browns e tutti quanti quinquilharia-vulgo:
P.S.:Não li nada escrevinhado por ele , não gosto e, NUNCA irei ler!Da-se!!!!!!!!!!O reporter estrábico

Dias disse...

O jornalista que adora romances, daí o seu talento para “condicionador da percepção da realidade”. Uma realidade sempre pintada à direita e ao jeito que lhe convém, portanto, sem qualquer reflexão.
Os gestos, o entusiasmo posto em defesa da TINA num reflexo pavloviano, é o exemplo típico do jornalismo que nos é servido, salvo honrosas excepções.
Bem esteve P. Lains na desmistificação da coisa.

É triste ver esta direita ressaibiada, ansiosa pelos escolhos que a Comissão Europeia venha a colocar ao país, na expectativa do chumbo de um mero “draft” a que foram a correr chamar de orçamento.
Gradualismo, dizem eles…Quando todos estivéssemos mortos, concluir-se-ia a reversão, não era?!

Anónimo disse...

"Quando todos estivéssemos mortos, concluir-se-ia a reversão, não era?!"

Caro Dias,

Sugiro-lhe o seguinte desafio: quando o PS concluir a reversão (incluindo todos os aspectos!) por favor assinale esse momento aqui no blogue. Mas atenção: no caso dos salários da FP, por exemplo, não contabilize apenas a reposição do salário bruto, esteja atendo à evolução do salário líquido e do poder de compra (considerando o efeito de aumentos de impostos, portanto).

Anónimo disse...

"O raciocínio do senso-comum" é um raciocínio manipulado e é de tal forma manipulado que passa por senso-comum.
Um exemplo concreto, mais claramente perceptível para se perceber quão maquiavélica é a doutrina da classe dominante e como estava certa a frase do velho Marx citada pelo Jaime Santos.
Perante o aumento do desemprego e com o crescimento da fome e da miséria, diz o "senso comum" estimulado por toda a informação do sistema: " a culpa é dos imigrantes" que nos roubam o mercado de trabalho ou a "culpa é dos outros que até têm emprego e que ainda têm algumas ocndições de vida".
Crece o ódio ao diferente. Cresce a xenofobia e as agressões contra o que é diferente. Espalham-se como fogo em seara por ceifar, os velhos temas duma direita pútrida e racista, que tinha no século passado como alvo os judeus e os comunistas e que hoje tem como objectivo mais uma vez a cor da pele, a língua diferente, os funcionários públicos ou simplesmente quem é sindicalizado.
Diz a História que os crimes inenarráveis cometidos pelos nazis tiveram a conivência passiva de muitos alemães que posteriormente se mostraram muito surpreendidos com o que de facto se passsava nas terras do terceiro reich
Se pensarmos um pouco este caldo vivido em meados do século XX tem algumas semelhanças com o caldo que estamos a viver. E em que a comunicação dominante, dos meios dominantes, da classe dominante assume um papel central na criação de tal caldo.
Por isso a vigilância e o combate sem tréguas ao desenvolvimento do ovo da serpente que nos é servido assim desta forma tão "aparentemente" natural. Com a nota apensa necessariamente expressa. Depois não digam que não foram informados.

Com algumas novidades também escondidas e manipuladas pelos "novos cães de guarda". Mas aí é bom ler o último post de João Rodrigues

Anónimo disse...

Uma questão de higiene.
Uma questão de higiena a "reversão" de alguns resultados da governança" neoliberal que saqueou o país e os seus trabalhadores, beneficiando directamente os grandes interesses económicos.
As piruetas feitas por quem defende de forma eufemística o retrocesso civilizacional acontecido na governação Passos/Portas não passam disso mesmo.O espalhar do medo e do convite à resignação "gradual" tem na Comunicação Social um dos seus vectores de força mais importantes, que é no entanto ampliado pelas forças que estão por detrás de tais media. Para terem a resposta adequada, justa e com hipóteses de vitória tem que se assumir de vez que é tempo de não se ceder a chantagens do império de Bruxelas

Anónimo disse...

"O Governo aumenta significativamente rendimento das famílias, com particular ênfase nas famílias mais pobres. A teoria econômica e o senso comum dizem que isto leva a aumentos do consumo privado. O INE parece confirmar a teoria (e o senso comum) e diz que a confiança dos consumidores aumentou em janeiro."
João Galamba
http://expresso.sapo.pt/politica/2016-02-04-PS-quer-ver-explicadas-as-previsoes-do-FMI-e-da-Comissao

Cá está: o apelo ao senso comum. Só que, na minha opinião, o senso comum mais facilmente se identifica com a ideia (simples) de que cortes na despesa reduzem o défice (é simples, défice=receita-despesa) do que a ideia (mais complexa) de que aumentos na despesa, apesar de aumentarem directamente o défice, levarão a um maior consumo, que levará a mais receitas nos impostos, que levará a um crescimento na receita superior aos aumentos na despesa por onde começámos.
Independentemente do que poderá ou não confirmar a teoria económica (os tais modelos matemáticos que têm acertado nas previsões). Até João Galamba já percebeu que com teoria económica não convence os eleitores.