domingo, 28 de fevereiro de 2016

O vazio do CDS em relação ao futuro

Que me perdoem os meus ex-colegas do Público, mas acho que na entrevista à candidata a dirigente do CDS Assunção Cristas faltou o essencial: como é que o CDS espera resolver o problema do emprego em Portugal? Como vai fazer para absorver mais de um milhão de desenpregados (em sentido lato)? Como vai conseguir atrair de novo todos os emigrantes jovens que continuam a esvair a população activa? Como se resolverá o problema do envelhecimento da população sem imigrantes? Como vai conseguir crescer economicamente aplicando o Tratado Orçamental? Como vai resolver o problema de se pagar anualmente mais de 8 mil milhões de euros em serviço da dívida? Como pensa reduzir o peso orçamental das PPP que absorverão cada vez mais recursos orçamentais? Com que instrumentos se vai criar mais competitividade externa das empresas?

São perguntas muito de economista? Serão. Mas os problemas nacionais que temos pela frente são eminentemente económicos e, consequentemente, sociais. E neste capítulo a entrevista foi muito pobre. E pobres foram as respostas dadas por Assunção Cristas, mesmo sem essas perguntas. Diria mesmo confrangedoras do vazio político em que o CDS se encontra. Porque é nas questões concretas que os políticos patinam.

Veja-se alguns exemplos do pouco que foi dito sobre o futuro de Portugal.

Pergunta o Público: Demarca-se de uma vertente mais liberal? "Eu diria que existe uma vertente mais liberal, mais conservadora, mais democrata-cristã, mas que convivem muito bem". Isto quer dizer o quê, em termos programáticos? "Não há ninguém que tenha posições exclusivamente alinhadas num sentido ou noutro. Para resolver problemas concretos da vida das pessoas precisamos de ter, se calhar, essas inspirações para conseguir alterar uma boa solução". Sim, é possível, mas isso quer dizer o quê, em termos concretos? A pergunta não foi esta, mas Cristas continua: "Evidentemente para mim é claro que uma primeira tarefa do Estado tem a ver com as situações de maior fragilidade social e com as situações de maior pobreza, mas também é claro que essas situações se resolvem em definitivo com mais economia a funcionar e com mais empresas e mais investimento privado e não necessariamente com mais prestações sociais porque o passado mostra aí pragmaticamente que isso não aconteceu." Mostra? Isso quer dizer o quê? Que o Estado Social é impecilho do crescimento? Ou que o Estado Social apenas se consegue com mais crescimento? E mesmo que, benignamente, seja a segunda, como se consegue ter "mais economia"? O que é isso de "mais economia"? Antes de 2009/2011 tínhamos "mais economia" ou não? Se não, será que a maioria PSD/CDS conseguiu alterar a estrutura económica como prometera em 2011 ou voltou tudo ao que estava, apenas mais pobres e desempregados? Essas perguntas ficaram por fazer.

Insiste Cristas: "Quando ao longo das últimas décadas fizemos mais transferências sociais para combater a pobreza e a exclusão, na verdade não progredimos de forma tão significativa tanto quanto esses recursos deveriam sugerir, a consequência não foi aquela que poderia ter sido." Mas o que quer isto dizer? Que os recursos orçamentais de prestações sociais devem ser canalizados para as empresas, ser reduzidos liminarmente para que as empresas criem empregos e depois, por arrasto, apoiem as suas famílias carenciadas? É um bom programa, mas como se faz isso? "Estou a dizer que o papel assistencialista do Estado mostrou que não teve a eficácia que devia ter tido. O que significa que a resposta mais eficaz para o combate à pobreza é ter uma economia dinâmica a funcionar que gere emprego que crie de facto oportunidade onde as pessoas possam trabalhar, receber a sua remuneração e libertarem-se de situações de pobreza." Já nem falo do que o CDS - e Cristas que esteve no Governo - colaborou para gerar a actual situação catastrófica em que estamos. Mas aceite-se a sinceridade de Cristas: Isso faz-se como? Apenas "libertando" o Estado das suas responsabilidades? E não haverá aqui uma confusão entre direitos sociais e assistencialismo? A ideia é esvaziar o Estado da sua função de cidadania ao ponto que se transforme num papel "assistencial"?

Aqui o Público esteve bem e perguntou "Qual o papel que deve ser reservado ao Estado?" Mas Cristas voltou a misturar tudo outra vez. "Para além das funções mais tradicionais do Estado, para mim é claro que o Estado deve ter uma posição no combate à pobreza e no apoio aos mais desfavorecidos, que passa por uma política mais assistencialista quando não há outra rede possível"... Ou seja, redução do Estado ao papel "assistencialista" - de mínimos?. E volta Cristas à sua cassete desenvolvimentista: ... "mas passa também por ajudar a que a economia funcione, criando condições de mercado, condições de concorrência, diminuindo burocracia, apoiando as empresas nos investimentos na medida em que pode, como por exemplo no recurso aos fundos comunitários e outros, apoiando as empresas a internacionalizar-se, com isso criar uma dinâmica de crescimento económico que ela por si seja indutora de mais emprego e do rompimento de ciclos de pobreza." OK. Mas como? Será suficiente? E quando espera que isso aconteça? E os desempregados entretanto? E os emigrantes entretanto? Como se faz? Porque tudo está já a desmoronar-se e não se compadece com discursos redondos, como se fôssemos um país florescente da social-democracia nórdica, que já nem eles o são o que eram...

"A solução para a pobreza não é e não pode ser só as prestações sociais. Para mim, o Estado tem que estar na educação como tem que estar na saúde como tem que estar na segurança social. Nestes contextos todos eu defendo uma lógica de Estado Social de parceria. Um Estado não faz tudo sozinho, mas que faz agregando actores do terreno, da economia social." E aqui está de novo o velho programa do CDS: esvaziar o Estado, transferindo as suas responsabilidades para novas "parcerias". Ou seja, outros fazem e o Estado paga. É esta a lógica de economia que Cristas defende para a sociedade? Um capitalismo de Estado assistencialista das empresas e outras entidades? E isso não obrigará a mais impostos? Como financiar essa actividade florescente para quem vive à sombra do Estado, sem risco?

Pergunta o Público: "O que falta fazer na reforma do Estado?". Cristas patina. "Às vezes, falamos desses chavões – reforma do Estado – e depois temos dificuldade em saber o que cai aqui dentro." Chavões? Mas não foi Paulo Portas que ficou de apresentar essa reforma e nunca apresentou, demitindo-se... para depois voltar? Fez isso porque seria um "chavão"? Por que não o disse na altura? Cristas está a demarcar-se desse programa?... "Quando o Governo anterior, muito criticado aliás pela esquerda e por sectores da sociedade, fez um conjunto de concessões ou reprivatizações está a fazer uma reforma do Estado, está a tirar do Estado um conjunto de sectores". Reforma do Estado é forçar o esvaziamento do Estado sem qualquer plano nem estratégia, sm estudos para o futuro, sem objectivos que não o financeiro? "Quando o Governo anterior decide que os dirigentes da administração pública devem ser nomeados através de um concurso que é público e tem regras, isto é uma reforma." Cristas faz de nós patetas? Então ela não sabe que a reforma foi abortada quando se alterou a regra e se permitiu ao Governo escolher entre pessoas de uma mesma lista, o que redundou numa nomeação sem precendentes de "boys" da então maioria PSD/CDS? "Eu acho que, às vezes, se anda a falar de outras realidades que estarão noutra galáxia. Eu também acho que é preciso reformar mais coisas no Estado". O quê?, pergunta o Público. Solução: remunerar melhor o pessoal de topo. O problemas das chefias no Estado é real. Mas por que não o fizeram antes? Foi porque não havia dinheiro para isso? Ou porque não houve crescimento económico suficiente? E voltamos ao princípio: como fazemos para crescer e criar emprego? Cristas não sabe. Mas os jornalistas também não parecem muito preocupados com isso.

10 comentários:

Jose disse...

Caro João,
Pela primeira vez não li por inteiro um seu post.
Que exercício tão mesquinho e demagógico!
Parei onde diz:« Cristas que esteve no Governo - colaborou para gerar a actual situação catastrófica em que estamos.» Não porque não se anunciasse essa boutade grosseira, mas porque aí seria o natural fim de um exercício desonesto.
Não recordo que tivesse perguntado ao programa do actual governo como vai aumentar o emprego; seguramente porque o satisfez a resposta, ainda que sendo miserável e não confiável.
Mas dou-lhe uma notícia: se tivermos a infelicidade de ver esta política prolongada no tempo, o desemprego aumentará e a miséria vai agravar-se.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Está inteiramente livre de não ler os meus posts até ao fim. Neste caso, só abona a seu a favor, porque Cristas não é uma pensadora aliciante ou estimulante.

Agora, há duas coisas que discute no seu:
1) situação catastrófica do país". Só alguém muito distraído pode não perceber o que se passa em Portugal. Quem cai no desemprego não encontra emprego compatível. Poderá ter uns estágios, uns empregos de ordenado mínimo. E se tiver mais de 45 anos bem pode esperar sentado. A economia definha. E o que se antevê no futuro não melhora. Ou tem dúvidas?;
2) Não se lembra de me ver a fazer as mesmas perguntas ao actual governo: pois, é capaz de ser verdade porque me pareceu que, desde o início e ao contrário do anterior, este governo tem isso em vista. Pode questionar-se se as medidas atingem o objectivo, mas o preocupação está lá. E esteve desde o primeiro draft. O problema é que, quando se começa a colocar esses objectivos, a Comissão Europeia surge a questionar com o Tratado Orçamental. E geralmente quem discute o TO não está a pensar no emprego. Ou tem dúvidas?
Mas cá estaremos para ver quem tem razão. E se der mais desemprego, quero vê-lo a propor medidas que façam crescer o emprego. Como eu.

Jose disse...

Caro João,
Veremos o que o futuro nos trará.
Mas saiba que mesmo supondo que o desemprego é uma efectiva preocupação deste governo, todo o meu desprezo vai para esses que privilegiam toda a tralha ideológica sem cuidarem de que daí resultem empregos destruídos ou não criados.
E o TO só é relevante porque por dezenas de anos vivemos de tretas ideológicas e de empréstimos.

Anónimo disse...

Obrigado ao autor do post por nos ter dado a oportunidade de passar para aqui estas pérolas do pensamento de Cristas.
Nunca tive paciência para ler até ao fim as tiradas da senhora.Teve João Ramos de Almeida o mérito de nos conseguir mostrar a vacuidade argumentativa da senhora, a desonestidade política da dita. Uma miséria total a mostrar a qualidade desta direita que temos, a mediocridade de quem nos (des)governou, a vacuidade de quem vai chefiar um partido abandonado provisoriamente pelo senhor irrevogável.De facto estão bem uns para os outros.

A prova provada do acima exposto é o desconforto patente dum dos seus incondicionais apoiantes. De tal forma que teve que interromper a leitura,num manifesto exercício de incontida frustração pelo desnudar dum dos seus ídolos de estimação.

Um obrigado duplo ao JRA.

Anónimo disse...

Exercício desonesto é isto:

A 28 de Fevereiro de 2016:"a infelicidade de ver esta política prolongada no tempo, o desemprego aumentará e a miséria vai agravar-se"

E a 31 de Dezembro de 2011, mal escondendo a sua satisfação pelo desemprego galopante (relembre-se que em valor absoluto no 3º trimestre de 2011, o desemprego oficial era de 689,6 mil e o desemprego efectivo tinha subido para 1,042 milhões):"Quanto aos empregos que se perdem, provavelmente haverá de perder muitos mais para que se estabeleça o princípio de que o útil, não é o desejável, mas o possível".

Há mais, infelizmente

Jose disse...

Agradeço ao meu biógrafo a repescagem de princípios que são oportunas notas às potenciais actividades da geringonça.
Em particular a tentação de repetir o 'progressismo' que levou a que desaparecessem dos prédios as habitações de rés-do-chão para que se criassem os pontos de venda de tudo que o mundo cá despejasse a crédito e a que chamavam políticas de emprego e empreendedorismo.

Anónimo disse...

Vivemos de tretas ideológicas?

Mas que treta é esta? Já não basta a assaz pieguice saloia face a Cristas traduzida na incomodidade de conseguir ler até ao fim e agora temos arremedos tolos, tontos e falsos?

O que serão tretas ideológicas? Tudo tem a sua marca ideológica a começar por estas manifestações de caserna argumentativa. O estado fascista mostrava em cada acto que fazia a sua marca ideológica própria. Quem perfila perdões fiscais aos grandes grupos económicos ou quem condecora Sousa Lara ou quem saúda o desemprego quando o neoliberalismo mais ultramontano está no poder e faz agora exercícios de carpideira hipócrita face ao mesmo está a funcionar de acordo com a sua marca ideológica.

Quem assim marca a sua posição com as "tretas ideológicas" durante dezenas de anos quer no fundo duas coisas:
Por um lado "esquecermo-nos" que as responsabilidades da governação foram durante largos anos da direita,de opçóes ideológicas concretas e reais,escamoteando-se tal facto com estas baboseiras generalistas a raiar a conversa de blogs chungosos e de chulos. O Capital regra geral tenta fazer-nos esquecer como funciona e apresentar-se como despido de "ideologia", como o fazia com particular afinco o regime caído em 25 de Abril.
Por outro assumir as saudades de tempos em que a ideologia oficial era apenas uma e uma só e tudo o mais entregue à acção da Pide, a tal que alguns acanalhados seres ainda defendem.

Anónimo disse...

Ahahah!Na mouche .

Os urros de satisfação pelo desemprego galopante na altura do "governo sem tretas ideológicas" tem agora uma justificação: a dos rés-do-chão que desapareceram.

Tão claro que até dói...de tanto rir

Anónimo disse...

Acabei agora mesmo de ler um exemplo típico da ausência de ideologia na forma épica das crónicas do Estado Novo:

http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2016/02/paginas-de-historia-para-os-mais-novos.html#links

Que saudades desses tempos hein? Aquilo é que eram biógrafos.

Anónimo disse...

"E o TO só é relevante porque por dezenas de anos vivemos de tretas ideológicas e de empréstimos. "

Um exemplo da mais valia do post de João Rodrigues em que este, através de Pacheco Pereira, denuncia a "direita rendida a trocar a soberania pelo diktat de uma política económica e de interesses de que gosta e que lhe dá força"
E um exemplo da ideologia a fazer-se passar por "só ser relevante" etc e tal, quando a relevância do dito tratado é enorme. Um tratado nunca votado,relembra-se.

"O tratado orçamental é um verdadeiro golpe de Estado europeu, que vem minar ainda mais a já débil estrutura democrática da UE, confiando as suas instituições a instâncias tecnocráticas. É a ilegalização da democracia"." Visa a destruição do poder estatal e eliminar das Constituições o que de alguma forma possa interferir com os objetivos do país dominante. A UE constitui-se assim um espaço de domínio económico que se procura impor como domínio político a favor do país dominante.
Ricardo Paes Mamede dirá que"O Estado português terá de escolher duas das três seguintes opções: (1) cumprir o Tratado Orçamental; (2) pagar a dívida pública nos termos atualmente previstos; (3) preservar um Estado Social típico de uma sociedade desenvolvida."

A "irrelevância" do Tratado Orçamental só mesmo de quem nos quer vender a irelevância" do modelo económico em que vivemos.A continuação da traição à Pátria de direita rendida a trocar a soberania pelo diktat de uma política económica e de interesses de que gosta e que lhe dá força.
A continuação daquela direita nacionalista e fascista do "orgulhosamente sós"?