quarta-feira, 14 de março de 2012

O regresso da social-democracia europeia?



Sobre as eleições presidenciais francesas de 22 de Abril já aqui falou o Nuno Teles, que chamou a atenção para algumas das análises e propostas de Jean-Luc Mélenchon (Front de Gauche). Para que não haja dúvidas, também a mim me parece ser esse o candidato com as propostas mais interessantes e consistentes  – e, caso eu fosse eleitor em França, o meu voto seria para ele. Porém, aquilo que me interessa referir neste poste – e que considero mais interessante do ponto de vista das dinâmicas políticas de longo prazo – é o facto do candidato do PSF, François Hollande, apresentar um programa surpreendentemente à esquerda, que, a ter concretização e seguimento, pode ter implicações profundas.

Recordo que uma das principais vitórias do neoliberalismo consistiu, precisamente, na cooptação do espaço habitualmente descrito como o “centro-esquerda”, correspondente, na Europa, aos partidos “socialistas” e “trabalhistas”. Não foi por acaso que, quando perguntaram a uma M. Thatcher em fim de carreira qual o feito de que mais se orgulhava, esta respondeu “o New Labour”. Converter ao neoliberalismo estruturas políticas com um forte enraizamento sindical, cujas origens remontam em muitos casos à social-democracia original (socialismo pela via eleitoral) – como sucedeu com a “terceira via” por toda a Europa – é uma extraordinária manifestação de hegemonia, que é bem indicativa da dimensão das derrotas e recuos que o campo progressista sofreu ao longo dos últimos trinta anos. É certo que, de uma forma geral e em maior ou menor grau, estes partidos procuraram dar um “rosto humano” à sua orientação neoliberal e temperá-la minimamente com políticas sociais (que os governos conservadores, aliás, não tiveram nem têm grande dificuldade em inverter ou eliminar). Porém, ao nível das questões estruturais e estruturantes da relação de forças entre classes (da legislação laboral às privatizações à conivência activa ccom a financeirização, com o euroliberalismo e com a bancarrotocracia), esta cooptação foi completa – e teve um papel central no rumo dos acontecimentos.

É por isso muito interessante que o candidato presidencial do PSF, que aliás vai liderando as sondagens, retome agora uma plataforma programática e um discurso claramente social-democratas, incluindo propostas como a já famosa taxa marginal de imposto de 75% para os rendimentos anuais superiores a um milhão de euros; a manutenção no sector público de todas as empresas ainda detidas maioritariamente pelo Estado francês; a diferenciação do imposto sobre o rendimento das empresas consoante a dimensão (35% para as grandes, 30% para as pequenas e médias, 15% para as muito pequenas); a interdição dos bancos franceses exercerem a sua actividade em paraísos fiscais; a penalização das empresas “que abusem do recurso ao trabalho precário”; o enfoque do investimento público na criação de emprego; entre outros exemplos (acessível aqui, em francês). Tudo isto enquadrado por um discurso muito diferente do que tem sido habitual nas últimas décadas entre os partidos do centro-esquerda europeu: logo na segunda página da brochura de Hollande que tenho entre mãos, pode ler-se “a situação actual tem responsáveis: logo para começar, a finança, que assumiu o controle sobre a economia, sobre a sociedade e mesmo sobre as nossas vidas (…)”.

O meu objectivo aqui não é louvar as propostas políticas de Hollande e do PSF. Há-as bastante mais consistentes e consequentes noutras partes do panorama político francês. O que pretendo, isso sim, é chamar a atenção para o facto de um partido do centro-esquerda do centro da Europa estar a proceder a uma mudança significativa ao nível da orientação do seu discurso e das suas propostas – e para o facto de isso poder ter repercussões sistémicas importantes, especialmente se estas propostas forem vitoriosas, cumpridas e replicadas noutros contextos. 

Uma das consequências inevitáveis da crise actual – que é a crise de um regime de acumulação – é, ou será, a erosão da hegemonia da ideologia que está associada a esse regime de acumulação. Isso não implica necessariamente uma evolução para um estado de coisas mais risonho; implica, sim, uma agudização das contradições e uma nova fase de bifurcação, análoga à da década de 1970. Penso que estamos a assistir ao final da “fase triunfal” do neoliberalismo – e penso também que os primeiros sinais de afastamento em relação ao neoliberalismo por parte do “centro-esquerda” europeu sinalizam isso mesmo. Isso, no entanto, está longe de ser suficiente para assegurar uma evolução positiva a partir da bifurcação actual: outra das possibilidades de evolução, também ela já sinalizada por alguns indícios (como os governos pós-democráticos de Itália e Grécia) é a via de um neoliberalismo mais profunda e abertamente autoritário. E claro que, mais do que o regresso da social-democracia, uma evolução realmente positiva exigirá o reforço do campo socialista anti-capitalista. Tudo, ou quase tudo, está em aberto. A relação de forças alterou-se muito, e muito negativamente, nas últimas décadas - mas, como dizia Brecht, na contradição reside a esperança.

5 comentários:

Aleixo disse...

O problema, não são as propostas que se apresentam mas sim, o modelo político.
Sendo a Democracia Representativa um modo eficaz, de desvirtuar o interesse dos representados,o problema, será evitar o "desvio".
Aproveitar o mediatismo, que a manipulação ( que está a ser feita ) do resultado do referendo na Suíça - não a mais férias - está a ter, para mostrar que o Povo,
decide sem populismo...

seria um bom princípio!

Aleixo

Anónimo disse...

sarkozy terá voltado a liderar as sondagens.

Maquiavel disse...

Anódino, deixa de salivar, o Sarko lidera *uma e só uma* sondagem, e só na 1.a volta.
No mesmo dia saiu outra sondagem em que nem a 1.a volta lidera.

Este texto está excelente, e mostra os (poucos) sinais de esperança que existem. Começou no Reino Unido, com o enterrar do "New Labour" pelo Ed Miliband, e agora com Hollande. A situaçäo grega contribui para isto, o PASOK que se manteve fiel à troyka foi ao ar, e a Esquerda Democrática tomou-lhe o lugar. O centro tem de virar à esquerda, ou com toda a agitaçäo social será a extrema-esquerda a colher os frutos da insatisfaçäo a médio prazo (mais uma vez, ver Grécia 2 anos depois da 1.a "ajuda").

Anónimo disse...

Porque é que o centro tem de virar à esquerda? O que é para si a extrema esquerda? Podia dizer-me o que tem de errado ser a extrema esquerda a agregar uma parte significativa do eleitorado?

José Gonçalves Cravinho disse...

Os pseudo-socialistas franceses, espanhóis,portugueses e gregos,
assim como os trabalhistas ingleses
e holandeses com seu populismo e demagogia levam o Povo à certa
e fazem política que agrada ao Capitalismo,pois o Povo desiludido pela falcatrua pseudo-socialista,
depois,por vingança,VOTA nos Partidos da Direita ou abstem-se.

Com populismo e demagogia/
muita mentira,verdade parece/
mas em liberdade e democracia/
o Povo tem o Governo que nerece.