quarta-feira, 14 de março de 2012

Isto não funciona

Algumas notas breves de resposta a Luciano Amaral. E se a disciplina de mercado que deixou que o Lehman Brothers fosse à falência tivesse sido a regra? Não precisamos de história contrafactual. A crise teve início em 2007, bancos ditos sistemicamente relevantes, como o Bear Sterns, foram adquiridos com patrocínio político e sabemos que houve um antes e um depois do Lehman: um sistema financeiro demasiado interdependente e integrado paralisou e com ele a liquidez que alimenta o circuito económico fundamental da economia, gerando um padrão semelhante à Grande Depressão. Agora, os bancos centrais funcionaram como credores de último recurso, os governos socializaram os prejuízos do sector e todos os estabilizadores foram postos em marcha. Um período de excepção foi decretado para manter intacto o sistema financeiro construído nas últimas décadas através da liberalização financeira, com abolição dos controlos de capitais e de instrumentos de controlo e direcção do crédito, das privatizações e do relaxamento da regulação em geral.

A passagem da agora lembrada “repressão financeira” à “liberdade financeira” contribuiu para a tal financeirização. Esta não pode ser resumida à “alavancagem” de que fala Amaral, já que envolve toda uma nova capacidade de pressão financeira sobre os trabalhadores em nome da criação de “valor para o accionista”, novas dependências dos governos face aos agentes financeiros, mais oportunidades para a especulação – novos produtos e instrumentos, a tal inovação financeira imparável –, maiores desequilíbrios, mediados e aprofundados pelo sector financeiro, entre países com superávites e défices e muito mais. Resultado: muito maior instabilidade financeira, com as crises a sucederem-se a muito maior velocidade, maior opacidade, crescimento do peso dos lucros do sector financeiro ou, claro, captura da política económica, com as instituições responsáveis pela sua condução a comportarem-se como comités executivos para gestão dos negócios colectivos de uma fracção da burguesia.

Como sair daqui? Certamente que a actual socialização dos prejuízos em momentos de crise não é a saída. Nisto concordamos. A saída é assumir o controlo público do crédito, única forma de o dirigir para o investimento produtivo. Hoje, a CGD por si, sobretudo quando é mero espelho das práticas do sector privado, como indica Eugénio Rosa e nos lembram as perguntas de Rui Fonseca, não contribui grandemente para um sistema financeiro funcional, embora sirva para dar a estabilidade possível ao sistema vigente, claro, aparando os seus golpes. A presença pública, e também mutualista e cooperativa, de bancos enraizados, tem de ser superior e, sobretudo, a sua lógica tem de ser a de bancos de desenvolvimento, apoiando investimentos produtivos. Tudo no quadro, e isto é crucial, de um sistema financeiro muito menos extrovertido (a saída do euro imporá esta reconfiguração), uma combinação de taxas de juro reais baixas com controlos que impeçam as poupanças de se escaparem para o exterior.

1975-1985 em Portugal? Nem seriam más essas taxas de crescimento, esses máximos de desemprego, e sobretudo essa disponibilidade de instrumentos de política para corrigirmos desequilíbrios, para controlarmos o crédito. Embora Portugal não tenha tido ainda um estoiro bancário, e seja original por isso, desde que a liberalização financeira ocorreu em 1992, parte do reforço da integração europeia que culminou num euro pavoroso, a verdade é que não se pode dizer que o sistema tenha sido um sucesso económico. Julgo, aliás, que as raízes da nossa actual inserção dependente se encontram aí.

Reconhecendo o fracasso do actual capitalismo financeiro, a sordidez do actual sistema, onde a Grande Depressão se evita da forma que se vê, que nos propõe Luciano Amaral em alternativa? Uma vaga disciplina de mercado, um regresso a um padrão-ouro de má memória?

1 comentário:

Anónimo disse...

"controlos que impeçam as poupanças de se escaparem para o exterior."



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