terça-feira, 10 de novembro de 2015
O verdadeiro medo
«Para a coligação PAF é essencial que o governo PS caia o mais depressa possível. É fundamental, para o PSD, que o eleitorado do centro não tenha tempo para perceber que um governo apoiado pelos comunistas não comerá criancinhas, não nacionalizará, não deixará de cumprir no essencial os compromissos europeus. No limite, a possibilidade de as opções do novo governo não se distinguirem muito, em termos económicos, das do anterior governo são um cenário dantesco para a coligação.»
Pedro Marques Lopes
Não prestem demasiada importância à histeria, fúria e rasgar de vestes da coligação PàF, que se acentuarão ainda mais a partir de hoje. Nem liguem muito ao mau perder e à indigência crescente do argumentário utilizado, que faz sentir vergonha alheia. As razões profundas para tanta estridência e pavor são até bastante compreensíveis. O verdadeiro medo da direita é que as coisas não corram mal. Sobretudo quando alguns dos balões de oxigénio de que precisava como de pão para a boca, dos «mercados» à «Europa», em apoio da sua causa, lhes têm estado, até agora, a falhar.
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Um jornal para todas as provas
Para todos os que têm criticado as políticas neoliberais da austeridade, e sofrido com as suas devastadoras consequências, a possibilidade de haver um governo em Portugal com base num acordo de incidência parlamentar determinado a repor os rendimentos da maioria dos trabalhadores e pensionistas, a recuperar o emprego, a combater a precariedade e a defender o Estado social e os serviços públicos, só pode ser motivo de esperança. Uma esperança há demasiado tempo negada e, por isso mesmo, mais urgente e saborosa.
Sandra Monteiro, A prova do poder, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Novembro de 2015.
No seu artigo mensal, Sandra Monteiro não deixa de colocar um indispensável “porém” a seguir a este parágrafo: seguindo a fórmula famosa, o pessimismo da inteligência é tão necessário para a transformação quanto o optimismo da vontade e este artigo articula-os muito bem. Naturalmente, todo o destaque vai neste número para o dossiê sobre as potencialidades e os constrangimentos que se colocam a uma governação à esquerda: o Ricardo Paes Mamede analisa as suas prioridades, Maria Clara Murteira escrutina as escolhas na área das pensões mínimas da Segurança Social, enquanto Pedro Cerejo trata dos fantasmas agitados pelo comentário mediático reaccionário.
Sandra Monteiro, A prova do poder, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Novembro de 2015.
No seu artigo mensal, Sandra Monteiro não deixa de colocar um indispensável “porém” a seguir a este parágrafo: seguindo a fórmula famosa, o pessimismo da inteligência é tão necessário para a transformação quanto o optimismo da vontade e este artigo articula-os muito bem. Naturalmente, todo o destaque vai neste número para o dossiê sobre as potencialidades e os constrangimentos que se colocam a uma governação à esquerda: o Ricardo Paes Mamede analisa as suas prioridades, Maria Clara Murteira escrutina as escolhas na área das pensões mínimas da Segurança Social, enquanto Pedro Cerejo trata dos fantasmas agitados pelo comentário mediático reaccionário.
domingo, 8 de novembro de 2015
Nem mais, nem menos
Tal como há um mês atrás, quando deu início a este processo, Jerónimo de Sousa fez hoje uma declaração que vale a pena ler com atenção. Deixo alguns excertos sobre uma Assembleia da República com uma reforçada centralidade, justificando ainda mais que nela confluam as decisivas energias democráticas e populares, como de resto acontecerá já no dia 10 de Novembro:
“A nova relação de forças existente na Assembleia da República comporta potencialidades para dar resposta aos mais urgentes problemas, que afectam os trabalhadores e as populações, que não podem ser desperdiçadas (…) Nada pode iludir que existe na Assembleia da República uma base institucional que permitirá ir tão longe quanto for a disposição de cada força política (…) [H]á na Assembleia da República uma maioria de deputados que é condição bastante para o PS formar governo, apresentar o seu programa, entrar em funções e adoptar uma política que assegure uma solução duradoura na perspectiva da legislatura.”
Diria só o seguinte: nem mais, nem menos.
«Nós não permitiremos nunca que o Estado Social continue a ser atacado como tem sido»
«Nós temos ouvido de alguns críticos da estratégia que está a ser seguida a acusação de que abandonámos o centro. O PS não abandonou o seu programa de sempre. Primeiro: não abandonou a maioria que defende a manutenção de Portugal no projecto europeu. O programa de governo garantirá isso. Segundo: o PS também não abandonou a maioria que defende a preservação e defesa do Estado Social português. E por isso, desse ponto de vista, o PS não mudou. O PS mantém-se na intersecção das duas grandes maiorias que compõem a vontade do povo português. Já o PSD abandonou o centro político ao abandonar o consenso nacional na preservação e defesa do Estado Social. (...) É importante que se perceba isto: nós hoje chegámos a um ponto em que o PSD se encostou ao programa liberal do CDS e assim se afastou do centro. E foi esse afastamento do PSD do centro que facilitou o que estamos a fazer com o PCP e BE. É a classe média que precisa, antes de mais, de um Estado Social forte, público e universal, tendencialmente gratuito. E é essa classe média que, com a degradação dos serviços públicos, mais sofreu nos últimos quatro anos. E é para a classe média que o PS fala, quando fala da defesa do Estado Social.»
Da memorável entrevista de Pedro Nuno Santos ao Público, no passado dia 4 de Novembro, a ler na íntegra aqui.
Trovante: Utopia
Pensa bem ▪ Se a utopia não vivesse ▪ Dentro da alma não sentias ▪ A vontade ▪
De viver tempos tão reais ▪ Que nos pareciam anormais ▪ E dói vivê-los sem ti ▪
sábado, 7 de novembro de 2015
O Salário Mínimo Nacional e os falsos factos
Na edição de hoje do Expresso, Pedro Santos Guerreiro enumerou algumas das medidas que estarão no acordo entre o PS, o PCP, o Bloco e os Verdes. E a certa altura diz: "Os trabalhadores com salário mínimo são os mais beneficiados, têm aumentos por duas vias". Pelo aumento do SMN e pela redução da sua TSU. "O seu rendimento disponível aumenta. As empresas gastam mais. O emprego pode diminuir. O Estado recebe menos." E mais adiante, a meio texto, remata: "Já vou em seis parágrafos e ainda não escrevi uma única linha de opinião. Mas provavelmente você, caro leitor, já formou a sua".
O problema dos nossos directores de jornais é que tomam as suas opiniões por factos. E repetem-nos, repetem-nos, tornam-nos como falsos sensos comuns, uma falsa sabedoria que apenas entronca numa certa maneira de olhar, tida como factos estabilizados. E que nunca é explicada tecnicamente.
Dito de outra maneira: não nenhuma indicação de que um aumento do salário mínimo leve a mais desemprego.
E não há porque os níveis salariais são muito baixos. Tão baixos que qualquer aumento de umas dezenas de euros no SMN abrange um número considerável de trabalhadores. Um aumento para 600 euros abrangeria 44% dos trabalhadores nacionais!!
E ainda assim, o aumento do SMN tem efeitos não excessivos na Massa Salarial paga pelas empresas, embora os seus trabalhadores sintam subidas consideráveis do seu rendimento. E isso passa-se mesmo em actividades com uma grande concentração de trabalhadores a receber o SMN. Qual a razão do paradoxo? A extrema desigualdade salarial reinante em Portugal.
Veja-se um estudo que o Observatório sobre Crises e Alternativas, divulgado ontem, feito com base na única base de dados sobre os quais é possível estimar, de forma segura, o impacto de um aumento do SMN - os Quadros de Pessoal das empresas.
Memória (XIX)
«O que não pode haver é compromissos com quem há muito se excluiu desses mesmos compromissos. O que não pode haver é compromissos com esta direita extremista, que já nem sequer representa larguíssimos sectores da direita portuguesa. Foram eles que se excluíram. São eles que estão agora muito fora dos avanços que se têm vindo a verificar na Europa.»
Francisco Assis (Junho de 2015)
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Podem voltar a guardar os fantasmas no armário, se fizerem favor
Sim, é verdade, sondagens são apenas sondagens. Mas quem acalentava a expectativa e o desejo de que o processo de convergência e negociação à esquerda causasse um terramoto, uma reacção de repulsa e rejeição no eleitorado, bem pode tirar o cavalinho da chuva. É isso que indicam, de forma inequívoca, os resultados do estudo de opinião efectuado pela Eurosondagem entre 29 de Outubro e 3 de Novembro.
Considerando os resultados obtidos nas eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro, a coligação PàF apenas aumenta as intenções de voto em cerca de 2% (de 39 para 41%); o PS mantém-se próximo dos 33%; e o BE e o PCP/PEV apenas reduzem, respectivamente, em 0,2 e 0,3%. De acordo com a sondagem (que tem uma margem de erro máximo da amostra na ordem dos 3%), a esquerda decresce uns irrisórios 0,4%, representando agora, no seu conjunto, os mesmos 51% das intenções de voto. A campanha da desinformação, do medo e da intimidação rendeu apenas uns míseros 2% à direita.
Fracassaram portanto, tudo assim o indica, as diversas tentativas da direita (com o despudorado apoio de uma parte muito relevante da comunicação social) para convencer a opinião pública de que se estaria, com a construção dos entendimentos à esquerda, perante um processo «ilegítimo», de «usurpação» e de verdadeiro «golpe de Estado». Tal como parece não terem colhido, junto da opinião pública, todas as tentativas de sugerir a existência de uma turbulência nos «mercados» ou o agitar infantil de todos os medos e fantasmas em torno dos perigos do ingresso da «extrema-esquerda» no campo da governabilidade, nomeadamente com a iminência da saída da zona euro, da Europa, da NATO e demais incumprimentos dos «compromissos internacionais».
A reflectir, como tudo indica, a forma como a opinião pública encara e interpreta os acontecimentos históricos que estão em curso, esta sondagem tem um destinatário muitíssimo especial: o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Considerando os resultados obtidos nas eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro, a coligação PàF apenas aumenta as intenções de voto em cerca de 2% (de 39 para 41%); o PS mantém-se próximo dos 33%; e o BE e o PCP/PEV apenas reduzem, respectivamente, em 0,2 e 0,3%. De acordo com a sondagem (que tem uma margem de erro máximo da amostra na ordem dos 3%), a esquerda decresce uns irrisórios 0,4%, representando agora, no seu conjunto, os mesmos 51% das intenções de voto. A campanha da desinformação, do medo e da intimidação rendeu apenas uns míseros 2% à direita.
Fracassaram portanto, tudo assim o indica, as diversas tentativas da direita (com o despudorado apoio de uma parte muito relevante da comunicação social) para convencer a opinião pública de que se estaria, com a construção dos entendimentos à esquerda, perante um processo «ilegítimo», de «usurpação» e de verdadeiro «golpe de Estado». Tal como parece não terem colhido, junto da opinião pública, todas as tentativas de sugerir a existência de uma turbulência nos «mercados» ou o agitar infantil de todos os medos e fantasmas em torno dos perigos do ingresso da «extrema-esquerda» no campo da governabilidade, nomeadamente com a iminência da saída da zona euro, da Europa, da NATO e demais incumprimentos dos «compromissos internacionais».
A reflectir, como tudo indica, a forma como a opinião pública encara e interpreta os acontecimentos históricos que estão em curso, esta sondagem tem um destinatário muitíssimo especial: o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Leituras
«A vitória Passos Coelho nas eleições internas do PSD foi aplaudida pelos intelectuais da direita mais liberal. Era um momento de clarificação ideológica. Eram os velhos vícios do estatismo de esquerda que estavam a ser vencidos. Quando apresentaram a proposta de revisão constitucional e quando levaram a cabo a sua agenda ideológica na educação ou na segurança social, e sempre que Passos dedicou ao país sermões sobre as virtudes do risco e da crise, ainda mais vibraram os seus apoiantes. Quando desprezou o "partido da bancarrota", acharam que foi de mestre. Ao longo de quatro anos Passos Coelho cavou um fosso entre o centro-direita e o centro-esquerda. Julgar que quatro anos de tanta agressividade ideológica e social deixariam tudo como antes é pior do que ingenuidade. É cinismo. O consenso do centro era o consenso em torno de um determinado modelo social que a esmagadora maioria do país desejava. Foi Passos Coelho que rompeu esse consenso. Quem festejou esta clarificação ideológica que apanhe os cacos.»
Daniel Oliveira, Quem festejou a clarificação ideológica de Passos que apanhe os cacos
«Depois das eleições legislativas de 4 de Outubro, o principal sinal de presidencialização do sistema foi o discurso em que Cavaco Silva não só se limitou a comunicar que indigitaria Passos Coelho como primeiro-ministro (decisão legítima, constitucional e previsível, dado o resultado eleitoral), como deixou claro não concordar com soluções de governo que se baseassem no apoio parlamentar do PCP e do BE. (...) Ora, a Constituição não confere ao PR o poder de aceitar, ou recusar, um determinado executivo por este se aproximar muito, ou distanciar radicalmente, das suas próprias opções políticas. Se os eleitores portugueses concederam a determinados partidos os votos suficientes para que estes tenham força parlamentar para sustentar uma solução de governo, ao PR restar-lhe-ia aceitar o facto democrático. A sua avaliação ideológica destes partidos não pode pesar na decisão de empossamento de um governo – essa avaliação coube aos eleitores.»
Ana Rita Ferreira, O risco da presidencialização do sistema de governo
«Há dias, o primeiro-ministro Mariano Rajoy recebeu os líderes dos partidos espanhóis. Entre eles, Pablo Iglesias, do Podemos. (...) À saída, o esquerdista ofereceu um livro ao capitalista. Livro de Antonio Machado (1875-1939), vocês sabem, o poeta daqueles dois versos que todos conhecemos, que mais não seja cantados por Serrat: "Caminante, no hay camino/ Se hace camino al andar." (...) [E] fez uma dedicatória ao adversário: "Estimado Mariano, escreveu o nosso grande amigo Antonio Machado 'para dialogar, pergunta primeiro, depois escuta...'". (...) O livro era o Juan de Mairena. Machado, como o nosso Pessoa, inventava heterónimos e falava por eles. (...) Dele, cito duas frases. Primeira: "Não ter vícios não acrescenta nada à virtude." Segunda: "Tirar a batuta a um maestro é tão fácil quanto difícil é reger com ela a Quinta Sinfonia de Beethoven." Traduzido até ao osso: não chega protestar, há que ajudar a fazer. Que lição aos acantonados, à esquerda e à direita, destes nossos tão prometedores dias.»
Ferreira Fernandes, Carta aberta em jeito de dedicatória
«É preciso princípio da realidade. É preciso ter a coragem de perceber, como diz Marisa Matias, que se o poder sem princípios não serve para nada, os princípios sem poder também não. Que é agora que vivemos e não nos amanhãs cantáveis, e é agora que é preciso encontrar soluções justas, viáveis, realistas. Que é preciso ter a coragem de não ser puro. (...) Pior que desenganar a esperança (que, reconheça-se, será muito mau e muito triste) é avançar sem um acordo seguro, assinado, ajuramentado; um acordo que não se desfaça ao primeiro problema, ao primeiro safanão da realidade, ao primeiro dilema governativo. Um acordo em que se possa confiar. Lembrem-se: esperámos tanto por isto que nos esquecemos de esperar. Não nos desiludam - mais uma vez.»
Fernanda Câncio, Fazer figas
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Bater no fundo também é isto
Cavaco Silva, 13 de Maio de 2013: «Eu penso [no fim da sétima avaliação] como uma inspiração - como já a minha mulher disse várias vezes - da nossa Senhora de Fátima, do 13 de Maio». Para desejar, dois dias depois, «que um São Jorge qualquer nos diga que os tempos futuros serão melhores. De mais felicidade, de mais bem-estar para a nossa população».
Passos Coelho, numa visita a um lar de idosos, em plena campanha eleitoral, exibe um terço que lhe foi oferecido, assegurando que o manterá no bolso até «chegar a casa na sexta-feira». O mote para o gesto fora dado por um jornalista: «tem fé nos resultados?».
Assunção Cristas, já depois das eleições, discorre sobre as razões que a levaram a entrar na política activa: «inspirei-me em Jesus, que nunca teve medo de se meter com gente pouco recomendável» (como se para Jesus existisse «gente pouco recomendável»). E revela que recorre sempre ao Espírito Santo quando fala em público, para que este lhe dê as palavras que cheguem ao coração de quem a ouve.
Calvão da Silva, confrontado com os efeitos das inundações de domingo em Albufeira, recusa a ideia de se ter tratado de «um acto de Deus», de um «act of God» para os ingleses, segundo o ministro - ou Opus Dei, numa formulação mais erudita - mas sim o resultado da «fúria demoníaca da Natureza». Para acrescentar, apesar dessa leitura, que «Deus nem sempre é amigo [e que] de vez em quando nos dá uns períodos de provação».
A questão não está, como é óbvio, nas crenças de cada um. Nem sequer no alinhamento por visões e concepções do Velho Testamento, que a própria Igreja Católica já há muito abandonou ou relativizou. O problema é mesmo a total falta de senso e de sentido de Estado, a par do despudor - que suponho incomode muitos católicos - com que esta espécie de direita Tea Party chico-esperta instrumentaliza a religião para fins políticos.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
O que fazer com este país?
Como foi possível esta crise? Como dar futuro a Portugal?
No momento crítico que estamos a viver, é urgente debater o futuro do país.
Para ouvirem a minha resposta a estas perguntas e às que me quiserem colocar, convido os nossos leitores da Área Metropolitana do Porto a aparecerem na FNAC dos centros comerciais acima indicados.
No momento crítico que estamos a viver, é urgente debater o futuro do país.
Para ouvirem a minha resposta a estas perguntas e às que me quiserem colocar, convido os nossos leitores da Área Metropolitana do Porto a aparecerem na FNAC dos centros comerciais acima indicados.
Memória (XVIII)
«Há dez por cento da esquerda que tem representação ao nível parlamentar mas não têm representação a nível da governabilidade. Isso introduz assimetrias no sistema político e prejudica a esquerda. E basta haver uma aliança à direita para percebermos exactamente as consequências negativas para uma política que se situe à esquerda. Depois da queda do Muro, da desintegração da União Soviética, da falência do modelo marxista-leninista, acho que o PCP, não querendo mudar intrinsecamente, já mudou a sua posição na sociedade. Assim, devemos ter com os comunistas uma relação que é esta: eles são como são, têm as posições que têm e ainda a identidade que têm, evoluirão como evoluirão, não está ao nosso alcance determinar a maneira como vão evoluir. Agora o que penso é que deve haver um diálogo duro, sério, muitas vezes difícil. Como fazemos às vezes aqui na Assembleia da República e, por isso, já garantimos a aprovação de algumas coisas. (...) Se está demonstrado que ainda não é possível um entendimento geral de incidência governativa com este PCP a verdade é que já é possível estabelecer alguns acordos com vantagens. (...) Se não corremos o risco de, daqui a alguns anos, continuarmos a dizer que não há condições para uma coligação e a direita estará reorganizada.»
Francisco Assis (na entrevista concedida a Ana Sá Lopes e São José Almeida, a 25 de Março de 2001).
Quinze anos depois, será muito difícil a Francisco Assis não só sustentar que o PCP afinal reverteu a sua mudança de «posição na sociedade» (nos termos referidos pelo próprio Assis), como justificar que a esquerda com representação parlamentar (hoje na ordem dos 20%) não deva, afinal, ter representação «a nível da governabilidade».
Mais: não só a direita entretanto se «reorganizou» (como vaticinava o deputado socialista em 2001), como essa reorganização gerou um abismo ideológico que impede qualquer articulação com o mais moderado socialismo ou com a mais suave social-democracia, dado o alinhamento com as «reformas neoliberais destinadas a erodir os freios e contrapesos sociais e laborais no cada vez mais medíocre capitalismo nacional, em modo troika, favorecendo a redistribuição de rendimentos e de poder de baixo para cima», como já aqui assinalou o João Rodrigues.
terça-feira, 3 de novembro de 2015
Reformas
Francisco Assis declarou hoje ao Público ser favorável a “um reformismo social democrata”, fórmula potencialmente ambígua no debate nacional, sobretudo quando não traduzida em propostas de política pública concretas, prática habitual em Assis.
Se Assis é a favor de um reformismo social democrata a sério, feito de reformas para robustecer o Estado social, na sua dimensão igualizadora de provisão pública, de acção colectiva no campo das relações laborais e de política económica de pleno emprego, favorecendo a redistribuição de rendimentos e de poder de cima para baixo, então não se percebe a sua dissensão em relação à proposta de um governo apoiado pelas esquerdas. Do pouco que felizmente se sabe das negociações em curso, um reformista social democrata, ou qualquer outro membro das consequentes tradições da esquerda, só pode, quanto muito, criticar as propostas pela sua timidez, embora talvez seja sensato calar essa crítica em nome do mais importante na presente conjuntura: iniciar um processo de sentido contrário ao que tem sido dominante.
Se Assis é a favor de um reformismo social democrata à maneira do Partido Social Democrata nacional, ou seja, de reformas neoliberais destinadas a erodir os freios e contrapesos sociais e laborais no cada vez mais medíocre capitalismo nacional, em modo troika, favorecendo a redistribuição de rendimentos e de poder de baixo para cima, então já se percebe a sua dissensão, mas não se percebe por que é que alguém que supostamente valoriza “as ideias” usa a fórmula “reformismo social democrata”.
Assis tem vagamente falado de reformas ao “centro”, quando sabemos que o centro do conflito político e ideológico nacional está hoje estruturalmente enviesado em favor do neoliberalismo (e não de um vago ultraliberalismo que Assis convoca para tentar dar uma de esquerda), graças sobretudo à dependência externa a que o país foi reduzido.
E quem diz Assis, diz a maior parte dos editorialistas, sobretudo económicos, ideologicamente preocupados com a “paragem” das “reformas” nas áreas da saúde, educação, trabalho, etc., talvez também preocupados com o destino de negócios que até podem dar boas receitas de publicidade e que dependem de idas ao pote dos activos públicos e/ou de transferência de custos sociais para os trabalhadores. Não é aliás por acaso que Assis é a nova estrela de certa imprensa cada vez mais dependente.
Definitivamente, reforma é a palavra cujo significado hegemónico mais tem de mudar.
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
Um evangelista do mercado
O que cria comunidade, “comum-unidade”, numa sociedade? Já sabíamos uma resposta do Professor Calvão da Silva, num justamente célebre momento do negócio dos pareceres: “liberalidades” de milhões de euros, como a que foi dada pelo construtor José Guilherme a um banqueiro amigo chamado Ricardo Salgado.
Ontem, no cenário “demoníaco” de Albufeira, ficámos a saber mais uma resposta do Ministro da Administração Interna Calvão da Silva para a magna questão da modernidade: Deus e o negócio dos seguros. Enfim, é preciso mesmo expulsar rapidamente esta gente do governo.
Ontem, no cenário “demoníaco” de Albufeira, ficámos a saber mais uma resposta do Ministro da Administração Interna Calvão da Silva para a magna questão da modernidade: Deus e o negócio dos seguros. Enfim, é preciso mesmo expulsar rapidamente esta gente do governo.
domingo, 1 de novembro de 2015
O que propõem eles?
Ultimamente, tenho-me apanhado a pensar - até para reduzir a ansiedade - que não se pode responder com tanto ódio ao ódio que se sente em quem critica um governo de esquerda, ou um governo do PS apoiado pela esquerda, ou um parlamento com a maioria de esquerda. E o antídoto que encontro é perguntar-me: "Mas afinal o que propõem eles que se faça?"
Que política gostaria a direita que a esquerda no poder seguisse? Eu gostava de saber. É que não vejo nada de concreto em todas as críticas que surgem. Apenas vejo irritação por a "extrema-esquerda" poder chegar ao poder. Repito: poder chegar ao poder.
É voltar às políticas seguidas desde 2010 e aprofundadas desde 2011? Manter apertado o "enorme aumento de impostos" sobre o trabalho e pensões, as sobretaxas, a tributação verde, enquanto o Governo continua a esconder benefícios fiscais como detectou uma recente auditoria do Tribunal de Contas, que, aliás, repete o que, em 2014, outra já tinha detectado em cerca de mil milhões de euros? É manter todos os cortes nas prestações sociais? Cortar no CSI no RSI, no abono de família? É pugnar por uma "reforma de Estado" que nem a coligação de direita conseguiu fazer, nem mesmo o soundbyte Paulo Portas? É assistir ao agravamento das desigualdades sociais em que o decil mais pobre teve uma quebra de rendimento de 24% enquanto o decil mais rico teve de 8%?! É continuar a viver em estagnação económica continuada e assistir à quotidiana fuga dos mais capacitados para o países do centro europeu?
Mas se não é, o que é?
Que política gostaria a direita que a esquerda no poder seguisse? Eu gostava de saber. É que não vejo nada de concreto em todas as críticas que surgem. Apenas vejo irritação por a "extrema-esquerda" poder chegar ao poder. Repito: poder chegar ao poder.
É voltar às políticas seguidas desde 2010 e aprofundadas desde 2011? Manter apertado o "enorme aumento de impostos" sobre o trabalho e pensões, as sobretaxas, a tributação verde, enquanto o Governo continua a esconder benefícios fiscais como detectou uma recente auditoria do Tribunal de Contas, que, aliás, repete o que, em 2014, outra já tinha detectado em cerca de mil milhões de euros? É manter todos os cortes nas prestações sociais? Cortar no CSI no RSI, no abono de família? É pugnar por uma "reforma de Estado" que nem a coligação de direita conseguiu fazer, nem mesmo o soundbyte Paulo Portas? É assistir ao agravamento das desigualdades sociais em que o decil mais pobre teve uma quebra de rendimento de 24% enquanto o decil mais rico teve de 8%?! É continuar a viver em estagnação económica continuada e assistir à quotidiana fuga dos mais capacitados para o países do centro europeu?
Mas se não é, o que é?
sábado, 31 de outubro de 2015
As escalas dos interesses
Agora que o governo tomou posse, vale a pena ler o registo de alguns dos velhos interesses associados a novos ministros feito por Adriano Campos. Temos assim boas e adicionais razões para garantir a mais curta duração da história democrática a este governo.
Agora, por favor, evitem a tentação de convocar o “isto só neste país”. A porta giratória entre política e negócios parece ser o feitio internacional de um capitalismo cada vez mais liberto de impurezas democráticas, de freios e contrapesos.
Este feitio parece manifestar-se ainda mais intensamente, dada a natureza mais retintamente pós-democrática das coisas, na escala supranacional e nos seus não-lugares enxameados de grupos de pressão ligados ao grande capital: a Comissão Europeia, em Bruxelas, é talvez a porta giratória por excelência. O cherne e outros peixes graúdos que o digam.
Não é aliás por acaso que a Comissão Europeia é um dos outros nomes da promoção politica da globalização neoliberal no continente e para lá dele: o tratado transatlântico é só o último e potencialmente gravoso exemplo deste feitio.
Agora, por favor, evitem a tentação de convocar o “isto só neste país”. A porta giratória entre política e negócios parece ser o feitio internacional de um capitalismo cada vez mais liberto de impurezas democráticas, de freios e contrapesos.
Este feitio parece manifestar-se ainda mais intensamente, dada a natureza mais retintamente pós-democrática das coisas, na escala supranacional e nos seus não-lugares enxameados de grupos de pressão ligados ao grande capital: a Comissão Europeia, em Bruxelas, é talvez a porta giratória por excelência. O cherne e outros peixes graúdos que o digam.
Não é aliás por acaso que a Comissão Europeia é um dos outros nomes da promoção politica da globalização neoliberal no continente e para lá dele: o tratado transatlântico é só o último e potencialmente gravoso exemplo deste feitio.
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
A vez da esquerda
A leitura na internet dos comentários sobre a possibilidade de o país vir a ter um governo do PS, com o apoio parlamentar do BE e PCP, tem sido muito instrutiva. É particularmente interessante ler o que escrevem as pessoas ansiosas pela mudança de governo que se avizinha. Percebe-se que o sofrimento infligido pelas políticas do anterior governo não desapareceu e deixará marcas profundas na sociedade portuguesa. Como é comum nas redes sociais, as emoções andam à solta e turvam a avaliação dos riscos e das potencialidades desta solução política. Mesmo as pessoas ponderadas, e até com instrução superior, têm dificuldade em criar o distanciamento necessário a uma avaliação crítica da conjuntura política. Este clima psicossocial torna mais difícil uma intervenção realista que não queira assumir o papel de Cassandra.
Num contexto de grande alívio para a maioria da população, por finalmente nos vermos livres do governo da PàF, percebe-se como é delicado fazer uma avaliação do que pode ganhar o país com esta experiência governativa. Antes de mais, é possível melhorar a vida de muitos cidadãos revogando legislação com evidente marca ideológica e escasso impacto orçamental em vários sectores, a começar pela legislação laboral. Depois, consegue-se evitar dois rudes golpes sobre o sistema de pensões. O primeiro, sobre as pensões mínimas, num valor para quatro anos estimado em 1020 milhões de euros. Graças ao acordo à esquerda, os militantes socialistas evitam passar pela vergonha de ver um governo da PàF aplicar uma medida que está no programa do PS e transformar um direito social – a pensão mínima como direito conferido pelo trabalho – numa medida de assistência pública sujeita a condição de recursos.
O segundo golpe, a redução da TSU, diz respeito à utilização dos descontos para a Segurança Social como instrumento de política económica, o que frontalmente viola o contrato social que sustenta a nossa democracia. Este autonomizou o orçamento da Segurança Social e conferiu-lhe uma gestão tripartida no âmbito da concertação social. A medida constituiria o precedente necessário para, mais tarde, permitir tratar a TSU como um imposto que, de facto, não é – como contribuição* social, é receita consignada que confere o direito a uma contraprestação –, o que sujeitaria o financiamento da Segurança Social aos ciclos políticos esquerda-direita. Seria o golpe final no legado histórico das lutas de gerações de trabalhadores por uma vida decente e pela mutualização dos riscos sociais. Para formar governo, o PS teve de deixar cair uma medida que foi bem acolhida pela PàF.
Há também uma distribuição um pouco mais justa do rendimento nacional que resultaria de uma política orçamental que, tanto quanto possível, transferisse alguns custos da austeridade para as classes de maior rendimento e património. Neste ponto, resta saber se a Comissão Europeia não invocará um imaginário impacto orçamental negativo dessas medidas para as recusar no exame prévio que fará ao Orçamento. E isto leva-nos ao ponto decisivo nesta experiência de “governo à esquerda”. Em que medida é possível fazer deslizar as metas do défice orçamental para acomodar os impactos das mudanças na política interna e da estagnação mundial? Como manter uma consistência mínima nesta política de esquerda, respeitadora das regras da direita, no quadro de um previsível endurecimento da atitude da CE e do Eurogrupo?
A forma como as esquerdas vão explicar ao povo as dificuldades que António Costa encontrará em Bruxelas para aprovar o seu primeiro Orçamento determinará a percepção da nova maioria social quanto à margem de manobra que nos sobra para o exercício da democracia. Esta experiência governativa deve conduzir a um alargamento da consciência popular de que o euro é a causa desta crise. Esta é uma oportunidade que a esquerda não pode desperdiçar. Para que Portugal tenha futuro, os que se identificam com Cavaco Silva na submissão ao ordoliberalismo alemão têm de ser derrotados. O dia 1 de Dezembro de 1640 não foi esquecido.
(O meu artigo no jornal i)
* Por lapso, no artigo está "prestação"
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
O «empreendedorismo» é só para disfarçar o vazio
Não por acaso, um dos domínios em que o paradigma do «empreendedorismo» se começou a instalar de modo relevante entre nós, há mais de uma década, foi o das políticas de combate à pobreza e à exclusão social urbana. Aclamado como sinal da emergência de uma nova cultura de intervenção social e de um novo quadro de políticas públicas, o empreendedorismo foi anunciado como uma abordagem inovadora, capaz de superar as limitações do assistencialismo (caridade) e do providencialismo estatal (direitos sociais), sublinhando-se o seu potencial no «empoderamento» dos indivíduos, na activação das suas «competências» e na sua «capacitação». Ou seja, meio caminho andado para desinvestir no combate à exclusão e responsabilizar subrepticiamente os pobres pela sua própria situação e condição, desprezando o peso das trajectórias de vida, a natureza cíclica da reprodução social da pobreza ou a adversidade dos contextos sócio-espaciais. Bastava de pieguices. Era chegado o momento de caber aos próprios pobres, e às comunidades a que pertenciam, safar-se. Era chegado o tempo de pôr cobro aos apoios e prestações sociais (como o RSI), à «subsidiodependência» (imaginária) e à suposta «rigidez e ineficiência» das políticas públicas de combate à pobreza.
Como todas as narrativas fraudulentas, a ideologia neoliberal do «empreende» dispôs de condições propícias para vingar na opinião pública. Bastou amplificar conversetas de café e dar corda à ideia de que os portugueses são incapazes «de ir à luta», de «criar o seu próprio posto de trabalho» e de «produzir riqueza», antes preferindo «esperar que alguém (...) lhes arranje emprego» e assim viver «à sombra de direitos adquiridos (...), enfronhados numa atitude resignada e fatalista» (para recuperar aqui a fina ironia de João Pinto e Castro, num dos mais eloquentes e certeiros textos de crítica ao empreendedorismo como política pública). Contudo, à semelhança da falsa ideia de senso comum sobre os «preguiçosos do sul», também neste caso os números desmentem a tese de um suposto «défice empreendedor» português: em 2013, segundo dados da OCDE, Portugal encontrava-se entre os países com maior taxa de emprego por conta própria (22%), cinco pontos percentuais acima da média europeia (17%) e a par de países como a Grécia, a Itália, a Irlanda ou a Espanha.
Nos últimos quatro anos, contudo, a proclamada «mudança estrutural da economia» elegeu o empreendedorismo como política oficial de emprego e solução mágica para o crescimento da economia - concomitante com a elevação da «sopa» ao estatuto de política social, num regresso ao passado que nunca imaginámos poder vir a acontecer. Os resultados desta aposta empreendedora estão hoje à vista: «a maioria do empreendedorismo em Portugal é de necessidade, gera turbulência no tecido empresarial e contribui para o crescimento "anémico" da economia», conclui Gonçalo Brás, da Faculdade de Economia de Coimbra. Para acrescentar que um dos «traços preocupantes do empreendedorismo em Portugal» é este ser alimentado pelo Governo, assumindo-se o desemprego como «condição 'sine qua non' para haver apoio». Ou seja, em que o desemprego leva a que as pessoas, através de um empreendedorismo compulsivo, sejam «empurradas para o mercado, muitas vezes impreparadas, o que pode resultar no seu endividamento».
Não se trata aqui de pôr em causa o empreendedorismo como uma estratégia, entre outras - e com as limitações que lhe são inerentes - de combate à pobreza e exclusão. Nem da sua importância, muito relativa, na criação apoiada de emprego e de oportunidades de negócio, sempre que tal faça sentido (como sucede nos bons exemplos de microcrédito). Do que se trata é de denunciar a tentativa de camuflar, com o romance do «empreender», o esvaziamento deliberado do papel do Estado e das políticas públicas, tanto no âmbito das estratégias integradas de desenvolvimento (através do investimento em educação e ciência ou de estratégias públicas à escala regional e local), como ao nível das políticas de emprego e de combate à pobreza e exclusão. Do que se trata é de desmascarar o logro e as ficções ideológicas nesta matéria, assinalando as consequências que advém da conversão do empreendedorismo em «política oficial de emprego», em grande medida assente na tese de que «o Estado asfixia a economia privada» e que se comprovou, nos últimos quatro anos, ser falsa. Aliás, talvez tenha chegado o momento de proceder a uma avaliação exaustiva dos resultados concretos que se obtiveram depois de tantas iniciativas, estímulos, workshops, financiamentos e programas, destinados ao fomento do «empreender».
Como todas as narrativas fraudulentas, a ideologia neoliberal do «empreende» dispôs de condições propícias para vingar na opinião pública. Bastou amplificar conversetas de café e dar corda à ideia de que os portugueses são incapazes «de ir à luta», de «criar o seu próprio posto de trabalho» e de «produzir riqueza», antes preferindo «esperar que alguém (...) lhes arranje emprego» e assim viver «à sombra de direitos adquiridos (...), enfronhados numa atitude resignada e fatalista» (para recuperar aqui a fina ironia de João Pinto e Castro, num dos mais eloquentes e certeiros textos de crítica ao empreendedorismo como política pública). Contudo, à semelhança da falsa ideia de senso comum sobre os «preguiçosos do sul», também neste caso os números desmentem a tese de um suposto «défice empreendedor» português: em 2013, segundo dados da OCDE, Portugal encontrava-se entre os países com maior taxa de emprego por conta própria (22%), cinco pontos percentuais acima da média europeia (17%) e a par de países como a Grécia, a Itália, a Irlanda ou a Espanha.
Nos últimos quatro anos, contudo, a proclamada «mudança estrutural da economia» elegeu o empreendedorismo como política oficial de emprego e solução mágica para o crescimento da economia - concomitante com a elevação da «sopa» ao estatuto de política social, num regresso ao passado que nunca imaginámos poder vir a acontecer. Os resultados desta aposta empreendedora estão hoje à vista: «a maioria do empreendedorismo em Portugal é de necessidade, gera turbulência no tecido empresarial e contribui para o crescimento "anémico" da economia», conclui Gonçalo Brás, da Faculdade de Economia de Coimbra. Para acrescentar que um dos «traços preocupantes do empreendedorismo em Portugal» é este ser alimentado pelo Governo, assumindo-se o desemprego como «condição 'sine qua non' para haver apoio». Ou seja, em que o desemprego leva a que as pessoas, através de um empreendedorismo compulsivo, sejam «empurradas para o mercado, muitas vezes impreparadas, o que pode resultar no seu endividamento».
Não se trata aqui de pôr em causa o empreendedorismo como uma estratégia, entre outras - e com as limitações que lhe são inerentes - de combate à pobreza e exclusão. Nem da sua importância, muito relativa, na criação apoiada de emprego e de oportunidades de negócio, sempre que tal faça sentido (como sucede nos bons exemplos de microcrédito). Do que se trata é de denunciar a tentativa de camuflar, com o romance do «empreender», o esvaziamento deliberado do papel do Estado e das políticas públicas, tanto no âmbito das estratégias integradas de desenvolvimento (através do investimento em educação e ciência ou de estratégias públicas à escala regional e local), como ao nível das políticas de emprego e de combate à pobreza e exclusão. Do que se trata é de desmascarar o logro e as ficções ideológicas nesta matéria, assinalando as consequências que advém da conversão do empreendedorismo em «política oficial de emprego», em grande medida assente na tese de que «o Estado asfixia a economia privada» e que se comprovou, nos últimos quatro anos, ser falsa. Aliás, talvez tenha chegado o momento de proceder a uma avaliação exaustiva dos resultados concretos que se obtiveram depois de tantas iniciativas, estímulos, workshops, financiamentos e programas, destinados ao fomento do «empreender».
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
A caminho de um governo de esquerda
A cada dia que passa, torna-se mais forte a probabilidade de que estejamos mesmo a caminho de um governo de esquerda, viabilizado por uma maioria parlamentar PS-BE-CDU representativa da maioria do eleitorado. Quando um tal governo tomar posse, já não virá cedo, tendo em conta a enorme regressão social a que temos vindo a assistir no nosso país por deliberada engenharia social da direita. Nos últimos quatro anos, os níveis de pobreza e desigualdade de rendimento registaram um retrocesso nunca visto em Portugal, um recuo para o nível de há décadas atrás. E a culpa não foi da crise, dado que os percentis mais elevados da distribuição do rendimento – e os milionários, em particular – deram-se muito bem neste período. Não é uma coincidência que se trate dos mesmos quatro anos em que a direita retirou apoios sociais aos mais pobres, fez as pessoas trabalhar mais horas e mais dias por salários mais reduzidos, aumentou brutalmente a carga fiscal sobre a classe média, aliviou a tributação sobre o capital, alterou os escalões do IRS num sentido deliberadamente regressivo e reduziu os salários indirectos através da erosão dos serviços públicos.
É precisamente com vista à inversão deste rumo de desigualdade e desagregação social que é possível e desejável, apesar de todas as diferenças, encontrar uma base sólida de entendimento entre socialistas, comunistas e bloquistas. E está longe de ser coisa pouca, ao contrário do que afirmam os críticos de direita: é o próprio estado social, a coesão social e a decência mínima da sociedade portuguesa que estão em causa. Proteger o emprego, os salários e as pensões, promover a justiça social. Se não vale a pena unirmo-nos por isto, então vale a pena unirmo-nos por quê?
E quanto às importantes divergências entre PS, BE e CDU, sobre questões como a reestruturação da dívida, a desejabilidade de saída do Euro ou a posição face ao sector empresarial do Estado? Ao contrário do que se pensa, estas diferenças, se geridas habilmente e numa base de confiança mútua, serão um factor de solidez e não de instabilidade do futuro governo. Pois se é óbvio que a base essencial do programa de governo terá de ser o programa do PS, enquanto mais votado dos três, é também certo que será a exposição franca e leal destas mesmas diferenças que permitirá mitigar os riscos de “abraços de urso” de parte a parte, garantindo que nenhum dos três renuncia à sua matriz identitária e doutrinária ou aliena o seu eleitorado.
Vamos a isso.
(publicado no Caderno de Economia do Expresso de 24/10)
É precisamente com vista à inversão deste rumo de desigualdade e desagregação social que é possível e desejável, apesar de todas as diferenças, encontrar uma base sólida de entendimento entre socialistas, comunistas e bloquistas. E está longe de ser coisa pouca, ao contrário do que afirmam os críticos de direita: é o próprio estado social, a coesão social e a decência mínima da sociedade portuguesa que estão em causa. Proteger o emprego, os salários e as pensões, promover a justiça social. Se não vale a pena unirmo-nos por isto, então vale a pena unirmo-nos por quê?
E quanto às importantes divergências entre PS, BE e CDU, sobre questões como a reestruturação da dívida, a desejabilidade de saída do Euro ou a posição face ao sector empresarial do Estado? Ao contrário do que se pensa, estas diferenças, se geridas habilmente e numa base de confiança mútua, serão um factor de solidez e não de instabilidade do futuro governo. Pois se é óbvio que a base essencial do programa de governo terá de ser o programa do PS, enquanto mais votado dos três, é também certo que será a exposição franca e leal destas mesmas diferenças que permitirá mitigar os riscos de “abraços de urso” de parte a parte, garantindo que nenhum dos três renuncia à sua matriz identitária e doutrinária ou aliena o seu eleitorado.
Vamos a isso.
(publicado no Caderno de Economia do Expresso de 24/10)
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Pedimos desculpa pelo incómodo causado, mas a linha de fractura mudou de lugar
A insistência obsessiva de Cavaco Silva no «consenso», como garante da «estabilidade», assentou sempre no quadro mental que pressupõe a existência de uma linha de fronteira entre o «arco da governação» e os recorrentemente designados «partidos de protesto» (BE e PCP/PEV). E que, no âmbito do «arco da governação», compreende os sectores do centro esquerda (PS) e do centro-direita e direita (PSD e PP). Sejamos justos: este é o quadro mental com que, até ao passado dia 4 de Outubro, a sociedade portuguesa se habituou genericamente a encarar e a interpretar o espectro político português e a própria composição da AR. Nestes termos, a linha de fractura parlamentar atravessa o território da esquerda, sinalizando nomeadamente os distintos posicionamentos face à Europa e os diferentes graus de disponibilidade para governar.
Nas últimas eleições legislativas, como bem sabemos, os partidos de esquerda obtiveram a maioria dos lugares no parlamento (122, contra os 107 da coligação PàF) e 50,7% dos votos válidos (contra os 38,4% da coligação de direita). Mas esse não foi o dado mais relevante dos resultados eleitorais. A novidade, com um alcance verdadeiramente histórico, reside na disponibilidade efectiva para que PS, BE, PCP e PEV cheguem a um acordo que assegure o apoio no parlamento a um governo de esquerda e que, desse modo, garanta a «estabilidade» e o «consenso» a que Cavaco Silva tanto apelou. Sim, uma maioria parlamentar, só que situada à esquerda e com um entendimento diferente daquele em que o presidente estava a pensar.
As implicações deste novo quadro de relacionamento à esquerda são profundas, ameaçando tornar obsoleto o mapa mental a que por tradição se recorre para interpretar a vida política, a representação parlamentar e a própria governabilidade do país. Os denominadores comuns desse consenso - que se estão a desenhar a partir da observação dos compromissos internacionais, da defesa do trabalho, das políticas sociais públicas e do papel do Estado, bem como a partir da recusa de um modelo económico de subdesenvolvimento, assente nos baixos salários e na desqualificação - forçam a deslocação da linha de fractura convencional para o lugar onde esquerda e direita verdadeiramente se dividem. E isolam, na actual conjuntura, uma direita que glorifica a austeridade como pedra angular de todo um projecto político e legislativo. Ou seja, a direita da selvajaria neoliberal que, se se olhar ao espelho, já não consegue nele ver reflectido qualquer traço de social-democracia ou de democracia cristã. Aliás, foi a sua fúria e extremismo que muito contribuiu para o reforço e a convergência das esquerdas, instadas pelos eleitores, durante a campanha, a dialogar e a entender-se.
Como num movimento telúrico de tectónica de placas, esta deslocação da principal linha de fractura suscita medos e perplexidades. À direita, sobressai o medo que o Pedro Nuno Santos assinalou aqui, de forma particularmente cristalina: o medo de que a convergência à esquerda seja bem sucedida, apesar de todos os arremedos golpistas, da sabotagem em curso e da invocação artificial de fantasmas e demónios. À esquerda, a perplexidade de se constatar que ainda há quem considere que é possível e desejável, nas actuais circunstâncias (e com os actuais protagonistas), chegar a um acordo de merceeiro com a coligação PàF, como se água e azeite se pudessem, de súbito, misturar. Não percebendo (ou preferindo não perceber) que às vezes não há nada melhor, para se conseguir um bom avanço quando se está em posição desfavorável, do que fingir recuar.
Nas últimas eleições legislativas, como bem sabemos, os partidos de esquerda obtiveram a maioria dos lugares no parlamento (122, contra os 107 da coligação PàF) e 50,7% dos votos válidos (contra os 38,4% da coligação de direita). Mas esse não foi o dado mais relevante dos resultados eleitorais. A novidade, com um alcance verdadeiramente histórico, reside na disponibilidade efectiva para que PS, BE, PCP e PEV cheguem a um acordo que assegure o apoio no parlamento a um governo de esquerda e que, desse modo, garanta a «estabilidade» e o «consenso» a que Cavaco Silva tanto apelou. Sim, uma maioria parlamentar, só que situada à esquerda e com um entendimento diferente daquele em que o presidente estava a pensar.
As implicações deste novo quadro de relacionamento à esquerda são profundas, ameaçando tornar obsoleto o mapa mental a que por tradição se recorre para interpretar a vida política, a representação parlamentar e a própria governabilidade do país. Os denominadores comuns desse consenso - que se estão a desenhar a partir da observação dos compromissos internacionais, da defesa do trabalho, das políticas sociais públicas e do papel do Estado, bem como a partir da recusa de um modelo económico de subdesenvolvimento, assente nos baixos salários e na desqualificação - forçam a deslocação da linha de fractura convencional para o lugar onde esquerda e direita verdadeiramente se dividem. E isolam, na actual conjuntura, uma direita que glorifica a austeridade como pedra angular de todo um projecto político e legislativo. Ou seja, a direita da selvajaria neoliberal que, se se olhar ao espelho, já não consegue nele ver reflectido qualquer traço de social-democracia ou de democracia cristã. Aliás, foi a sua fúria e extremismo que muito contribuiu para o reforço e a convergência das esquerdas, instadas pelos eleitores, durante a campanha, a dialogar e a entender-se.
Como num movimento telúrico de tectónica de placas, esta deslocação da principal linha de fractura suscita medos e perplexidades. À direita, sobressai o medo que o Pedro Nuno Santos assinalou aqui, de forma particularmente cristalina: o medo de que a convergência à esquerda seja bem sucedida, apesar de todos os arremedos golpistas, da sabotagem em curso e da invocação artificial de fantasmas e demónios. À esquerda, a perplexidade de se constatar que ainda há quem considere que é possível e desejável, nas actuais circunstâncias (e com os actuais protagonistas), chegar a um acordo de merceeiro com a coligação PàF, como se água e azeite se pudessem, de súbito, misturar. Não percebendo (ou preferindo não perceber) que às vezes não há nada melhor, para se conseguir um bom avanço quando se está em posição desfavorável, do que fingir recuar.
Depois da derrota, a sabotagem
Enquanto o país viola todos os prazos da governação económica e as instituições europeias ameaçam com sanções, a direita apresenta um governo de aparelho a passo de caracol e prepara-se para esgotar o prazo constitucional com a apresentação de um programa que será basicamente o prolongamento da campanha eleitoral.
Cavaco, que estava tão preocupado com o cumprimento das regras europeias e a apresentação, tão rápida quanto possível, de um Orçamento do Estado para 2016, perdeu a pressa toda. Aguarda, cheio de paciência e bonomia, que a direita faça os seus números mediáticos e meta todos os seus meninos e meninas em cargos de chefia da administração pública. Tudo em nome da responsabilidade e do sentido de Estado.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Observar a reacção
É muito instrutivo observar a direita portuguesa na sua dimensão mais pura, ou seja, mais reaccionária, tão transparentemente exibida nas últimas semanas. É instrutivo ler, por exemplo, Maria João Avillez ou Rui Ramos no Observador. A primeira é uma espécie de Paula Bobone da politiquice oligárquica. O segundo é um distinto reabilitador do miguelismo e do salazarismo. Ambos exemplificam bem a retórica da reacção, na sua versão perversidade e risco com esteróides, face à possibilidade de um governo suportado por todas as esquerdas. Ambos criticam, implícita ou explicitamente, os que no seu campo alinham de forma considerada complacente com a opção da futilidade no reportório retórico reaccionário.
Depois de ter excomungado António Costa do círculo das pessoas de bem, sei lá, e de o ter colocado ao nível da ralé desonrada e perigosa, Avillez espanta-se com o silêncio da “metade do país que sou suposta representar”: o tal 1%, digamos, vale “metade”, reparem, confirmando de resto que a política de classe está viva e recomenda-se, podendo até acontecer que certa esquerda redescubra isso. E Avillez nem tinha ainda visto nada quando escreveu: a própria CIP, hoje liderada por alguém que vem de baixo, afastou-se prudentemente do golpista e sabotador que está ainda em Belém.
Por que é que o fez? Porque os patrões parecem detestar a instabilidade vista como artificial e Cavaco é a fonte primacial dessa instabilidade; porque o patronato, enquanto sujeito colectivo, é atravessado pelas contradições entre fracções do capital, entre o capital financeiro e o industrial, por exemplo, e entre ver o trabalho como um mero custo e como uma relevante fonte de procura; porque, e isto é decisivo, o patronato mais esclarecido aposta na modalidade retórica da futilidade – nada de relevante mudará (e que é aquela a que devemos dar mais atenção) – e daí o esperar para ver, sem precipitações desnecessárias.
Rui Ramos resume a mais séria modalidade demasiado bem, ao mesmo tempo que, algo cinicamente, a contesta: “A oligarquia prepara-se para aceitar o BE e o PCP no governo como já os aceitou na vereação em Lisboa, porque do seu ponto de vista, Costa não será mais do que o presidente da câmara municipal de Portugal, pequeno concelho de um Estado imaginário cuja capital é em Bruxelas (ou em Berlim) e cuja lei de finanças locais até é muito restritiva.” A sua preocupação em salvar a “oligarquia” de si própria, das suas supostas ilusões europeístas é muito instrutiva: raspa-se o verniz dito liberal na semiperiferia em crise e vê-se logo o quê? Como designar esta direita, ainda para mais quando apela à rua e tudo? Vá lá, esta é fácil.
Reparem, entretanto, como a ideia de que na direita domina uma tradição política assente numa disposição conservadora, baseada no gradualismo, no conhecimento tácito, na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito que não sobrevive a um escrutínio mínimo. Este facto tem sido destacado, entre outros, por Corey Robin, partindo da análise crítica do pensamento reaccionário no centro do sistema mundial, mas as suas conclusões aplicam-se que nem uma luva a esse pensamento, sempre mais inseguro e disposto por isso a tudo, mas mesmo a tudo, com mais rapidez, por estas bandas.
Sim, sim, eles estão dispostos a tudo, sempre o estiveram, sobretudo se a futilidade provar ser mesmo uma ilusão e se as classes subalternas obtiverem ganhos de causa relevantes. Ramos ou Avillez estão apenas a preparar um terreno. Isto não é só retórica, não é só persuasão. Estejamos atentos.
Depois de ter excomungado António Costa do círculo das pessoas de bem, sei lá, e de o ter colocado ao nível da ralé desonrada e perigosa, Avillez espanta-se com o silêncio da “metade do país que sou suposta representar”: o tal 1%, digamos, vale “metade”, reparem, confirmando de resto que a política de classe está viva e recomenda-se, podendo até acontecer que certa esquerda redescubra isso. E Avillez nem tinha ainda visto nada quando escreveu: a própria CIP, hoje liderada por alguém que vem de baixo, afastou-se prudentemente do golpista e sabotador que está ainda em Belém.
Por que é que o fez? Porque os patrões parecem detestar a instabilidade vista como artificial e Cavaco é a fonte primacial dessa instabilidade; porque o patronato, enquanto sujeito colectivo, é atravessado pelas contradições entre fracções do capital, entre o capital financeiro e o industrial, por exemplo, e entre ver o trabalho como um mero custo e como uma relevante fonte de procura; porque, e isto é decisivo, o patronato mais esclarecido aposta na modalidade retórica da futilidade – nada de relevante mudará (e que é aquela a que devemos dar mais atenção) – e daí o esperar para ver, sem precipitações desnecessárias.
Rui Ramos resume a mais séria modalidade demasiado bem, ao mesmo tempo que, algo cinicamente, a contesta: “A oligarquia prepara-se para aceitar o BE e o PCP no governo como já os aceitou na vereação em Lisboa, porque do seu ponto de vista, Costa não será mais do que o presidente da câmara municipal de Portugal, pequeno concelho de um Estado imaginário cuja capital é em Bruxelas (ou em Berlim) e cuja lei de finanças locais até é muito restritiva.” A sua preocupação em salvar a “oligarquia” de si própria, das suas supostas ilusões europeístas é muito instrutiva: raspa-se o verniz dito liberal na semiperiferia em crise e vê-se logo o quê? Como designar esta direita, ainda para mais quando apela à rua e tudo? Vá lá, esta é fácil.
Reparem, entretanto, como a ideia de que na direita domina uma tradição política assente numa disposição conservadora, baseada no gradualismo, no conhecimento tácito, na razoabilidade, na prudência ou na aversão ao radicalismo é um mito que não sobrevive a um escrutínio mínimo. Este facto tem sido destacado, entre outros, por Corey Robin, partindo da análise crítica do pensamento reaccionário no centro do sistema mundial, mas as suas conclusões aplicam-se que nem uma luva a esse pensamento, sempre mais inseguro e disposto por isso a tudo, mas mesmo a tudo, com mais rapidez, por estas bandas.
Sim, sim, eles estão dispostos a tudo, sempre o estiveram, sobretudo se a futilidade provar ser mesmo uma ilusão e se as classes subalternas obtiverem ganhos de causa relevantes. Ramos ou Avillez estão apenas a preparar um terreno. Isto não é só retórica, não é só persuasão. Estejamos atentos.
domingo, 25 de outubro de 2015
A propósito daquele grande argumento de ser contra a NATO...
Em Junho de 1955, os meus pais estavam presos. Ele nas cadeias privativas da PIDE no Porto, ela naquilo que se designava por "Depósito de Presos" de Caxias, em Lisboa, os dois acusados de serem membros do PCP. Como recém-casados, pediram ao director da PIDE para poder corresponder-se.
Resposta lapidar do director da PIDE:
"Corre-se sempre grande risco de prejudicar a instrução preparatória autorizando as comunicações e (Ilegível) entre arguidos, sobretudo quando se trata de 'quinta-colunistas' ao serviço do militarismo e imperialismo russos, como sucede nesta caso. Por estas razões, não se pode consentir o que é solicitado."
Para quem gosta tanto de suscitar a questão da NATO, como impeditivo de alguém - do PCP ou Bloco - poder integrar um Governo ou de qualquer governo poder ser apoiado por esses partidos, é um pouco arrepiante ver como velhos argumentos vêm tão rapidamente ao de cima.
E o trecho seguinte? Foi retirado de uma longa nota confidencial enviada pelo ministro do Interior ao director da PIDE, a 11/4/1957:
Até quando?
Resposta lapidar do director da PIDE:
![]() | ||
Tomada da sede da PIDE em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974 |
Para quem gosta tanto de suscitar a questão da NATO, como impeditivo de alguém - do PCP ou Bloco - poder integrar um Governo ou de qualquer governo poder ser apoiado por esses partidos, é um pouco arrepiante ver como velhos argumentos vêm tão rapidamente ao de cima.
E o trecho seguinte? Foi retirado de uma longa nota confidencial enviada pelo ministro do Interior ao director da PIDE, a 11/4/1957:
"É do conhecimento geral que um dos slogans usados pelo chamado 'partido comunista português' é o de pedir amnistia para os delinquentes a quem chamam detidos políticos, mas que na realidade são comunistas condenados, nos termos legais, por actividades subversivas destinadas a subverter a liberdade e a independência da pátria e do povo portugueses".É daqui que nasce a nossa direita. E ainda hoje - a fazer fé no clima acirrado que presentemente se sente - andamos próximos disto.
Até quando?
The times they are a-changin'
«Come gather 'round people ▪ Wherever you roam ▪ And admit that the waters ▪ Around you have grown ▪
Come writers and critics ▪ Who prophesize with your pen ▪ And keep your eyes wide ▪ The chance won't come again ▪
And don't speak too soon ▪ For the wheel's still in spin ▪ And there's no tellin' who ▪ That it's namin' ▪
For the loser now ▪ Will be later to win ▪ For the times they are a-changin'»
Come writers and critics ▪ Who prophesize with your pen ▪ And keep your eyes wide ▪ The chance won't come again ▪
And don't speak too soon ▪ For the wheel's still in spin ▪ And there's no tellin' who ▪ That it's namin' ▪
For the loser now ▪ Will be later to win ▪ For the times they are a-changin'»
Lapidar

(...) Por definição, um Governo de gestão é para gestão, ou seja, para um período necessariamente limitado. Um Governo de gestão não é para o exercício de todas as competências que a Constituição atribui a um Governo.»
Jorge Miranda (Diário de Notícias, 24 Outubro 2015)
«Um sistema só é parlamentar quando o Governo assenta na confiança da maioria do Parlamento, quer à partida, quer durante a sua subsistência. (...) A regra do Governo Parlamentar não se compadece de modo algum com que um Governo se possa manter em funções depois de ter sido derrotado pela maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções. (...) É a própria credibilidade da democracia que exige que constantemente o Governo seja um Governo apoiado pela maioria dos Deputados, porque senão estamos a destruir a democracia ou, quando menos, a destruir o poder efectivo da Assembleia da República, que fica reduzida a mera Câmara de registo das decisões do Presidente.»
Jorge Miranda (Diário da Assembleia Constituinte n.º 128, 30-03-1976, pág. 4247)
sábado, 24 de outubro de 2015
Leituras
«A indigitação de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro pelo Presidente da República é juridicamente sustentável e politicamente legítima e não constitui uma surpresa. Se a declaração do Presidente da República se ficasse por aqui, não haveria muito mais a dizer (...). Só que Cavaco Silva (...) quis sugerir que irá até onde for preciso para manter o BE e o PCP fora do poder ("é meu dever tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do País"). (...) Pode esta loucura anti-democrática de Cavaco levá-lo a manter um governo de gestão PSD-CDS no poder até que outro presidente possa dissolver a Assembleia da República? A resposta sensata é não.»
José Vítor Malheiros, A Cavacada
«Cavaco não usou justificações democráticas e constitucionalmente sustentadas. Pelo contrário, adotou uma postura autocrática, tornando claro a uma parte do país que o seu voto e ideias cheiram mal - parte do país que, curiosamente, serviu para derrubar em 2011 um governo contra o qual reclamou "um sobressalto cívico". Para Cavaco, BE e PCP só dão jeito para deitar abaixo governos, nunca para os sustentar. E se os portugueses decidiram nas urnas virar a página, Cavaco cá está para lhes emendar a mão. Independentemente da vontade dos eleitores, o homem que ocupa Belém com a mais baixa votação e pior aprovação de sempre quer impor a sua, brandindo, como tantos, de Avillez a Barreto, fizeram nos últimos dias, a sua moca de Rio Maior. Ganha a verdade e a clareza, se tivéssemos dúvidas.»
Fernanda Câncio, Cavaco de Rio Maior
«Cavaco tem ainda razão noutro ponto do seu discurso: é ao Parlamento e aos deputados que cabe, em consciência, apreciar o programa de Governo. Ou seja, não lhe cabe a si. A intervenção de Cavaco foi por isso boa para um líder de claque. Decididamente, não é uma intervenção de um Presidente da República. (...) O discurso presidencial foi, na verdade, um insulto à democracia. Cavaco andou uma semana a apelar ao compromisso e ao diálogo, mas falou ao país de fantasmas e fez uma "declaração de guerra". Em resumo, o voto de um milhão de pessoas do nosso país não conta: a CDU e o Bloco de Esquerda seriam uma espécie de excrescência da democracia, vedados do direito de fazer parte de qualquer solução governativa.»
José Soeiro, A ameaça de um sequestro
«O senhor presidente da República disse que tinha acabado aqui o tempo do presidente. Eu infelizmente não vi nenhum presidente. O que eu vi foi uma declaração golpista de direita, que sequestra o parlamento e que faz uma coisa ainda pior (...), a exclusão de três partidos políticos, que são legais e que desenvolvem a sua actividade de forma legal em Portugal, que participam em eleições. E outra coisa que o senhor presidente da República fez hoje, que foi apelar a uma sublevação num grupo parlamentar de um partido que tem regras. E portanto, a todos os níveis, não foi a intervenção de um presidente da República, foi a intervenção de um golpista, absolutamente inaceitável e lamentável. Envergonha o país, envergonha a Constituição da República Portuguesa, devia envergonhar qualquer democrata.»
João Galamba (programa As Palavras e os Actos)
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
As vossas notícias são a realidade (só que virada do avesso)
Perguntava hoje o Nuno Teles se o Negócios, que tem sido tão lesto a fabricar oscilações relevantes nos mercados (para sugerir o risco de formação de um governo de esquerda), já tinha noticiado o aumento das taxas de juro depois da declaração de ontem de Cavaco Silva. Parece que ainda não o fez, mas a variação dos juros, até ver, já aí está.
Já o Observador, contudo, opta não só por ignorar a realidade como a procura virar do avesso, sugerindo que os juros estão a cair na sequência do discurso do presidente. Como assinala o Pedro Lains, «quem escreveu ou mandou escrever [tal coisa] sabe que isso é mentira», acrescentando que é um bom sinal para a democracia «quando quem ataca os seus princípios fundamentais tem de ir até este nível». O problema, para quem acha que as coisas se fazem assim, é que já «não estamos na Europa dos anos 1930. Estamos na Europa democrática e nela vamos ficar. Na Hungria conseguiram, mas aqui não vão conseguir. Querem pôr o regime em causa, mas não é mais do que o canto do cisne.»
Já o Observador, contudo, opta não só por ignorar a realidade como a procura virar do avesso, sugerindo que os juros estão a cair na sequência do discurso do presidente. Como assinala o Pedro Lains, «quem escreveu ou mandou escrever [tal coisa] sabe que isso é mentira», acrescentando que é um bom sinal para a democracia «quando quem ataca os seus princípios fundamentais tem de ir até este nível». O problema, para quem acha que as coisas se fazem assim, é que já «não estamos na Europa dos anos 1930. Estamos na Europa democrática e nela vamos ficar. Na Hungria conseguiram, mas aqui não vão conseguir. Querem pôr o regime em causa, mas não é mais do que o canto do cisne.»
Golpista e sabotador
Lembrando esse grande filósofo político chamado Francisco Assis, “o silêncio é um refúgio eticamente inabitável” sobretudo quando confrontados com a declaração de guerra do Presidente da República, que assim procura reassumir o papel de chefe da direita portuguesa perante a desorientação em que esta entrou desde as eleições.
Cavaco confirma assim pela enésima vez que é o que sempre foi: um garante da dependência nacional, da financeirização do capitalismo português, que os seus governos e as suas acções políticas promoveram denodadamente, o que de resto é confirmado por um discurso que coloca precisamente os interesses “das instituições financeiras, dos investidores e dos mercados” no centro das prioridades políticas.
Cavaco procura convocar os tais mercados para ajudar na sabotagem de quaisquer veleidades progressistas num país desarmado, qual profecia auto-realizada, como assinalou o insuspeito Vital Moreira, promovendo desta forma o máximo de instabilidade que politicamente lhe é possível. Só faltou mesmo apelar directamente ao pós-democrático BCE para que o objectivo da sabotagem, tomando o precedente grego como inspiração, fosse politicamente ainda mais transparente. Temos um presidente que tem de ser tratado como um sabotador.
E temos um presidente golpista, ou pelo menos com tentações golpistas, como bem assinalou João Galamba. Os termos do seu discurso são absolutamente desrespeitadores do lugar e da proeminência do parlamento, da casa da democracia, são desrespeitadores da vontade popular maioritária que a partir dele vai emergir. Suspeito, dada a natureza da direita a quem estalou o verniz, que ainda não vimos nada em matéria de desrespeito pelo regular funcionamento das instituições democráticas. Temos um presidente que tem de ser tratado como um golpista.
E não, não é possível ajudar Cavaco a acabar o mandato com dignidade, tendo ainda em conta que, no fundo, ele está a defender os interesses dos que acham que tudo tem um preço...
Cavaco confirma assim pela enésima vez que é o que sempre foi: um garante da dependência nacional, da financeirização do capitalismo português, que os seus governos e as suas acções políticas promoveram denodadamente, o que de resto é confirmado por um discurso que coloca precisamente os interesses “das instituições financeiras, dos investidores e dos mercados” no centro das prioridades políticas.
Cavaco procura convocar os tais mercados para ajudar na sabotagem de quaisquer veleidades progressistas num país desarmado, qual profecia auto-realizada, como assinalou o insuspeito Vital Moreira, promovendo desta forma o máximo de instabilidade que politicamente lhe é possível. Só faltou mesmo apelar directamente ao pós-democrático BCE para que o objectivo da sabotagem, tomando o precedente grego como inspiração, fosse politicamente ainda mais transparente. Temos um presidente que tem de ser tratado como um sabotador.
E temos um presidente golpista, ou pelo menos com tentações golpistas, como bem assinalou João Galamba. Os termos do seu discurso são absolutamente desrespeitadores do lugar e da proeminência do parlamento, da casa da democracia, são desrespeitadores da vontade popular maioritária que a partir dele vai emergir. Suspeito, dada a natureza da direita a quem estalou o verniz, que ainda não vimos nada em matéria de desrespeito pelo regular funcionamento das instituições democráticas. Temos um presidente que tem de ser tratado como um golpista.
E não, não é possível ajudar Cavaco a acabar o mandato com dignidade, tendo ainda em conta que, no fundo, ele está a defender os interesses dos que acham que tudo tem um preço...
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Memória (XVII)
«Trata-se, aliás, de uma realidade comum e natural nas democracias europeias. Na verdade, se excluirmos os casos particulares da Suécia e da Dinamarca, países onde existe uma forte tradição de consenso político e social, todos os governos dos Estados-membros da União Europeia dispõem atualmente de apoio maioritário nos respetivos parlamentos. Alguns Portugueses podem não estar conscientes deste facto, e por isso repito: os governos de 26 países da União Europeia dispõem de apoio parlamentar maioritário. Não há nenhum motivo para que Portugal seja uma exceção àquilo que acontece em todos os Estados-membros da União Europeia.»
Aníbal Cavaco Silva, presidente da República (Julho de 2015)
Quando o Estado era anti-comunista e anti-PCP
Enquanto não se forma o novo governo e não se conhecem ainda pormenores do acordo, e estando a vasculhar nos meus papéis, dei com este episódio muito esclarecedor de que é feito o nosso Portugal e de como de longe vêm os receios da participação social do PCP.
1 de Agosto de 1964. António Borges Coelho, historiador, é chamado à PIDE. É recebido pelo inspector-adjunto José Manuel da Cunha Passo, pelo subinpector Abílio Augusto Pires e o agente, também escrivão, Victor Manuel Varela. O subinspector Cunha Passo chegaria a membro do Comité Executivo da Interpol, cargo que exerceu até 1972. Em 1974, nas suas palavras, era um dos homens de topo da PIDE/DGS, juntamente com o Director Geral Major Silva Pais, o Subdirector Geral Barbieri Cardoso, o Director dos Serviços de Informação Álvaro Pereira de Carvalho. Segundo elementos recolhidos na internet, terá falecido este ano. Leia-se este seu depoimento.
Voltemos a 1964. A primeira pergunta foi se é autor do livro intitulado "Raízes da Expansão Portuguesa" e em caso afirmativo, qual a casa editora e o número de exemplares publicados. Borges Coelho responde que sim, que a editora foi a Editorial Prelo, Limitada e que desconhece o número de exemplares.
Segunda questão: "E porque, na publicação em referência, o declarante desvirtua algumas das páginas mais brilhantes da nossa História, adulterando sacriligamente os factos e classificando de 'abutres' homens que foram hérois e foram santos, é convidado a esclarecer o concretizar quais as razões do seu procedimento".
Borges Coelho dá então uma aula em poucas palavras.
Terceira pergunta: "E porque, na mesma publicação, se contêm afirmações falsas, claramente tendenciosas ou grosseiramente deturpadas, com o objectivo evidente de atingir a Pátria no seu património histórico, é convidado a esclarecer e a concretizar quais as razões do seu procedimento e, ainda, com que fundamento se arroga o direito e a autoridade para o adoptar". Borges Coelho responde que o seu intuito foi "fazer história e não teve qualquer outro intuito".
Quarta pergunta: "E porque, ainda no mesmo livro, nega implicitamente a justiça da causa que defendemos em relação ao Ultramar, certamente porque não considera de 'abutres' aqueles que pretendem roubar-nos pedaços da Pátria, o que, no País, só é admitido pelo 'partido comunista português', é convidado a esclarecer e a concretizar como, quando e em que circunstâncias 'reatou' os seus 'contactos' com essa 'organização' ilegal, após ter-lhe sido concedido a liberdade condicional". Borges Coelho nega contactos com o PCP.
Quinta pergunta: "E porque, na mesma obra, defende a tese de que a finalidade dos descobrimentos foi o roubo, o saque e a conquista de riquezas e mercês honoríficas, tese absolutamente oposta àquela que o Governo da Nação vem defendendo nos areópagos internacionais, o que constitui autêntica traição, é convidado a esclarecer e a concretizar quais as razões do seu procedimento"...
Não vos maço mais com as perguntas do inspector-adjunto José Manuel da Cunha Passo.
Foi apenas há alguns anos.
1 de Agosto de 1964. António Borges Coelho, historiador, é chamado à PIDE. É recebido pelo inspector-adjunto José Manuel da Cunha Passo, pelo subinpector Abílio Augusto Pires e o agente, também escrivão, Victor Manuel Varela. O subinspector Cunha Passo chegaria a membro do Comité Executivo da Interpol, cargo que exerceu até 1972. Em 1974, nas suas palavras, era um dos homens de topo da PIDE/DGS, juntamente com o Director Geral Major Silva Pais, o Subdirector Geral Barbieri Cardoso, o Director dos Serviços de Informação Álvaro Pereira de Carvalho. Segundo elementos recolhidos na internet, terá falecido este ano. Leia-se este seu depoimento.

Segunda questão: "E porque, na publicação em referência, o declarante desvirtua algumas das páginas mais brilhantes da nossa História, adulterando sacriligamente os factos e classificando de 'abutres' homens que foram hérois e foram santos, é convidado a esclarecer o concretizar quais as razões do seu procedimento".
Borges Coelho dá então uma aula em poucas palavras.
Terceira pergunta: "E porque, na mesma publicação, se contêm afirmações falsas, claramente tendenciosas ou grosseiramente deturpadas, com o objectivo evidente de atingir a Pátria no seu património histórico, é convidado a esclarecer e a concretizar quais as razões do seu procedimento e, ainda, com que fundamento se arroga o direito e a autoridade para o adoptar". Borges Coelho responde que o seu intuito foi "fazer história e não teve qualquer outro intuito".
Quarta pergunta: "E porque, ainda no mesmo livro, nega implicitamente a justiça da causa que defendemos em relação ao Ultramar, certamente porque não considera de 'abutres' aqueles que pretendem roubar-nos pedaços da Pátria, o que, no País, só é admitido pelo 'partido comunista português', é convidado a esclarecer e a concretizar como, quando e em que circunstâncias 'reatou' os seus 'contactos' com essa 'organização' ilegal, após ter-lhe sido concedido a liberdade condicional". Borges Coelho nega contactos com o PCP.
Quinta pergunta: "E porque, na mesma obra, defende a tese de que a finalidade dos descobrimentos foi o roubo, o saque e a conquista de riquezas e mercês honoríficas, tese absolutamente oposta àquela que o Governo da Nação vem defendendo nos areópagos internacionais, o que constitui autêntica traição, é convidado a esclarecer e a concretizar quais as razões do seu procedimento"...
Não vos maço mais com as perguntas do inspector-adjunto José Manuel da Cunha Passo.
Foi apenas há alguns anos.
Hoje
Concentração em frente à Embaixada de Angola em Lisboa (Avenida da República, 68), a partir das 18h30.
Os vossos desejos não são notícia
Hoje o negócios, às 10:30 da manhã, tinha como principal título do seu website "Juros de Portugal voltam a negociar acima dos 2,5%". Continua a campanha política dos media para condicionar a formação do próximo governo: "Com o cenário de uma coligação de esquerda a ganhar força, cresce a ansiedade no mercado de dívida, devido ao receio de alívio na austeridade. Os investidores deverão "odiar a ideia", dizem os analistas". Entretanto, Mario Draghi falou, dando a entender um reforço das operações de compra de activos no mercado e uma possível descida da taxa de juro, e aconteceu isto aos juros da dívida:
A actual acalmia financeira não significa insensibilidade futura dos "mercados" face às opções políticas de um governo de esquerda, sobretudo se elas não forem do seu interesse. De todo. No entanto, não é isso que está aqui em causa para jornais como o "Negócios". Para a generalidade da imprensa, o que é preciso é impedir uma mudança de governo, manipulando de forma despudorada tudo o que se puder. Quando se trata de algo que o público tem dificuldade em perceber, mas que, ao mesmo tempo, é fonte de medo e ansiedade, como acontece com os "mercados", então esta é uma oportunidade imperdível para a campanha em curso.
A actual acalmia financeira não significa insensibilidade futura dos "mercados" face às opções políticas de um governo de esquerda, sobretudo se elas não forem do seu interesse. De todo. No entanto, não é isso que está aqui em causa para jornais como o "Negócios". Para a generalidade da imprensa, o que é preciso é impedir uma mudança de governo, manipulando de forma despudorada tudo o que se puder. Quando se trata de algo que o público tem dificuldade em perceber, mas que, ao mesmo tempo, é fonte de medo e ansiedade, como acontece com os "mercados", então esta é uma oportunidade imperdível para a campanha em curso.
Memória (XVI)
«"Com um governo minoritário PSD/CDS, não é garantido que o programa de governo e o orçamento chumbem, por existir um artigozinho na Constituição onde se lê 'os Deputados exercem livremente o seu mandato' e não faltam exemplos de deputados desalinhados com a orientação da direção parlamentar na nossa história constitucional." (Graça Canto Moniz, Coordenadora do Gabinete de Estudos do CDS-PP)
"Por sua vez, os 230 deputados têm um direito de voto que é um dever perante o país. Em caso de votação e caso seja nomeado o vencedor das eleições, todos terão uma responsabilidade política mas sobretudo cívica." (Diogo Feio, Dirigente do CDS-PP)
"O deputado do PP, Daniel Campelo, mostra-se disponível para fazer passar o Orçamento de Estado. A direcção do CDS/PP já fez saber que se tal acontecer Campelo será expulso da bancada parlamentar e do partido. [...] A direcção do PP tem tentado demover Daniel Campelo desta intenção e diz ainda que não pode acreditar que algum deputado da oposição venha a faltar com o dever de disciplina de voto partidária.» (TSF, 1 de Novembro de 2000).»
José Gusmão (facebook)
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
Hoje, Praça do Rossio, a partir das 18h30
«Heróis não são as vítimas acidentais dos déspotas. Nem são os mártires sem rumo. Heróis são os que enfrentam a arbitrariedade e a põem em risco no momento certo. Angola ainda agradecerá a Luaty Beirão, um rapper com mais coragem que um batalhão de políticos. Depende de nós, da pressão internacional, que ele venha a ouvir esse agradecimento. Caso contrário, a morte de Luaty pesará nas nossas consciências. Quem anda a fazer contas aos interesses da nossa comunidade em Angola terá de viver com a mesma vergonha com que devemos viver com apoio que demos, enquanto Estado democrático, ao regime do Apartheid.»
Daniel Oliveira, A morte de Luaty pesará nas nossas consciências
Mesmo que não possam estar hoje na vigília e concentração em Lisboa, exigindo a libertação dos activistas e presos políticos em Angola, não deixem de subscrever esta petição, a enviar ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e ao embaixador português em Angola, João da Câmara, solicitando a intervenção do governo de Portugal na libertação de Luaty Beirão. Nem esta, da Amnistia Internacional, num apelo a que libertem imediata e incondicionalmente estes prisioneiros de consciência e que seja garantido que, enquanto se aguarda a sua libertação, estes não sejam sujeitos a tortura ou outros maus tratos. A hora é de urgência, de exigência e de solidariedade sem fronteiras.
«Aquilo de que uma parte da direita tem medo é que resulte»
«Paulo Portas é um monárquico convicto. E não consta que tenha estado no governo a tentar implantar a monarquia em Portugal. O Partido Comunista Português tem a sua visão sobre a Europa e o seu apoio a um governo alternativo não implicará a saída de Portugal do euro ou a rejeição dos nossos compromissos europeus. E por isso nós temos também, de alguma forma, de deixar de levantar fantasmas. Uma parte da direita portuguesa não tem medo que um governo destes corra mal. Não receia nacionalizações ou ocupações de terras. Aquilo de que uma parte da direita tem medo é que resulte. É que ao fim de um ano Portugal não tenha saído do euro, que não se tenha reestruturado a dívida e que as coisas tenham corrido bem. Porque nesse momento o monopólio que a direita hoje tem, de alianças, terminou. O que a direita queria mesmo era governar para sempre. Umas vezes sozinhos, outras vezes com a muleta do Partido Socialista. E isso não vai acontecer.
(...) Há matérias que são consensuais entre o PS, o PSD e o CDS. E essas matérias são o compromisso com a Europa e os compromissos internacionais. Esses compromissos estão salvaguardados. E a partir desse momento, do momento em que nós temos salvaguardado aquilo que é comum com a coligação de direita, nós estamos verdadeiramente, no resto, mais próximos do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda. Estamos a falar do quê? Estamos a falar mesmo de serviços públicos universais e tendencialmente gratuitos. Estamos a falar de direitos no trabalho. E estamos a falar de um país que perceba que os salários não são um problema, mas sim parte da solução de um país desenvolvido e competitivo.
(...) Quando conhecer o acordo vai perceber onde é que há medidas que compensam outras. E vai perceber que do ponto de vista orçamental não há nenhuma derrapagem. A restrição orçamental vai ser cumprida. Deixe-me dizer que, para surpresa de muita gente, tanto o Partido Comunista Português como o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista Os Verdes têm estado nesta negociação com uma grande seriedade e uma grande boa fé. E as medidas que vão apresentando são medidas quantificadas. Houve da parte desses partidos essa preocupação, de neste processo negocial estarem a ser apresentadas propostas que tenham viabilidade do ponto de vista orçamental. E isso é um ganho para todos nós e para o futuro governo.
(...) Por vezes temos tendência a achar que Estado Social significa desperdício e que esta resposta, que a direita tem dado, de liberdade de escolha, poupa recursos. A direita quer financiar, de forma competitiva, escolas públicas e o ensino particular e cooperativo. E neste momento alterou a lei que permite que se façam contratos de associação com escolas privadas, onde, na vizinhança, há escolas públicas a funcionar abaixo da sua capacidade. Isto é um sinal claro de desperdício (...) e feito apenas por motivação ideológica. (...) Na saúde, com o aumento brutal das taxas moderadoras, empurraram-se muitos portugueses, da classe média, para a saúde privada. Nós não queremos esse país. E é de políticas que nós falamos quando falamos deste acordo.
(...) Não tenha dúvidas que isso [impacto financeiro das medidas] será muito claro. Que o programa será escrutinado. Nós já temos as contas no nosso, o que facilitará a avaliação de um programa de governo que queremos resulte deste acordo. (...) Nós o que não conhecemos - e isso pedimos à coligação que nos facultasse e até agora não nos facultou - é o impacto financeiro das medidas que constam do programa eleitoral do PSD e do CDS e que não foram inscritas no Programa de Estabilidade nem enviadas a Bruxelas. Nós não sabemos.»
Da entrevista de Pedro Nuno Santos a José Alberto Carvalho, no programa 21ª Hora, na TVI24 (a ver na íntegra aqui).
terça-feira, 20 de outubro de 2015
Terceira onda da crise internacional? (I) Países “emergentes” há muitos.
A Goldman Sachs publicou recentemente um dos seus documentos de estratégia global, onde alerta para a possibilidade de estarmos a assistir a uma terceira fase da crise internacional. Depois da crise nos EUA (2008-09) e da crise do Euro (2011-?), estaríamos agora em pleno “ajustamento” dos países ditos emergentes (sendo o Brasil melhor exemplo), vítimas do colapso dos preços das matérias-primas e da fuga de capitais provocada pela expectativa de taxas de juro mais altas nos EUA. O contágio destes países à economia internacional põe em causa qualquer perspectiva de recuperação económica global. Partindo deste documento, existem algumas reflexões a retirar. Comecemos pelos países "emergentes".
A presente crise nos países do “Sul Global”, mais do que o reflexo do colapso dos preços das matérias-primas que exportam, mostra a fragilidade do modelo de desenvolvimento baseado na integração financeira internacional, onde fluxos de capitais de curto-prazo afluíram em busca de atraentes taxas de juro (pedir emprestado a 0% no Japão e emprestar na África do Sul a 8% era um grande negócio), alimentado um mercado doméstico de crédito ao consumo e, sobretudo, dirigido ao sector imobiliário. A recente fuga de capitais tornou o modelo insustentável, com o crédito a cair, a economia a desacelerar e os estados a enfrentarem défices públicos crescentes que os mercados obrigam a diminuir com austeridade implacável.
Se precisássemos de um exemplo para mostrar a importância destes fluxos na crise face à causa normalmente apontada, os preços das matérias-primas, basta comparar o Brasil com a Argentina. Este último país, tão ou mais dependente das matérias-primas na sua estrutura de exportações, é um pária nos mercados financeiros internacionais, sem acesso aos fluxos internacionais de capital. Com um modelo de crescimento apoiado na procura interna (as divisas da soja obviamente ajudaram) e sem problemas em usar todos os instrumentos monetários (controlos de capitais, câmbios fixados e, aparentemente, financiamento monetário do Estado), a Argentina conseguiu, não só crescer muito acima do seu vizinho nos últimos anos, como agora manter-se à tona da água, sem entrar em recessão, face à crise que grassa em seu torno.
Final e decisivamente, o caso a acompanhar de perto é a China, ela própria na origem da queda dos preços de muito minérios e bens alimentares. Com elevadíssimas taxas de investimento (em torno dos 40% do PIB), a economia chinesa precisa de crescer a taxas bem acima do que consideraríamos crescimento pujante. Caso contrário, todo este investimento não consegue encontrar qualquer rendibilidade, tornando-se obsoleto. Nos últimos anos isso já tem acontecido. Depois de, em 2009, ter existido um debate sobre a promoção do consumo interno face ao investimento, desenvolvendo, por exemplo, um sistema nacional de saúde que promovesse taxas de poupança mais baixas por parte das famílias chinesas, decidiram-se a ir pelo caminho mais fácil. Com o controlo público sobre o sistema de crédito financiaram, primeiro, uma enorme bolha imobiliária, e mais recentemente, uma bolha bolsista que, felizmente, durou pouco. Hoje a China enfrenta um profundo debate político entre a liberalização financeira ou as propostas de 2009. Se é certo que a China dispõe de imensas reservas cambiais que tornariam o primeiro cenário atraente para alguns, a verdade é que com a presente quantidade de créditos tóxicos no seu sistema financeiro e o exemplo de outros países, mencionados acima, tornam este cenário muito assustador. Empurrar com a barriga, como está a acontecer, não é uma solução viável.
A presente crise nos países do “Sul Global”, mais do que o reflexo do colapso dos preços das matérias-primas que exportam, mostra a fragilidade do modelo de desenvolvimento baseado na integração financeira internacional, onde fluxos de capitais de curto-prazo afluíram em busca de atraentes taxas de juro (pedir emprestado a 0% no Japão e emprestar na África do Sul a 8% era um grande negócio), alimentado um mercado doméstico de crédito ao consumo e, sobretudo, dirigido ao sector imobiliário. A recente fuga de capitais tornou o modelo insustentável, com o crédito a cair, a economia a desacelerar e os estados a enfrentarem défices públicos crescentes que os mercados obrigam a diminuir com austeridade implacável.
Se precisássemos de um exemplo para mostrar a importância destes fluxos na crise face à causa normalmente apontada, os preços das matérias-primas, basta comparar o Brasil com a Argentina. Este último país, tão ou mais dependente das matérias-primas na sua estrutura de exportações, é um pária nos mercados financeiros internacionais, sem acesso aos fluxos internacionais de capital. Com um modelo de crescimento apoiado na procura interna (as divisas da soja obviamente ajudaram) e sem problemas em usar todos os instrumentos monetários (controlos de capitais, câmbios fixados e, aparentemente, financiamento monetário do Estado), a Argentina conseguiu, não só crescer muito acima do seu vizinho nos últimos anos, como agora manter-se à tona da água, sem entrar em recessão, face à crise que grassa em seu torno.
Final e decisivamente, o caso a acompanhar de perto é a China, ela própria na origem da queda dos preços de muito minérios e bens alimentares. Com elevadíssimas taxas de investimento (em torno dos 40% do PIB), a economia chinesa precisa de crescer a taxas bem acima do que consideraríamos crescimento pujante. Caso contrário, todo este investimento não consegue encontrar qualquer rendibilidade, tornando-se obsoleto. Nos últimos anos isso já tem acontecido. Depois de, em 2009, ter existido um debate sobre a promoção do consumo interno face ao investimento, desenvolvendo, por exemplo, um sistema nacional de saúde que promovesse taxas de poupança mais baixas por parte das famílias chinesas, decidiram-se a ir pelo caminho mais fácil. Com o controlo público sobre o sistema de crédito financiaram, primeiro, uma enorme bolha imobiliária, e mais recentemente, uma bolha bolsista que, felizmente, durou pouco. Hoje a China enfrenta um profundo debate político entre a liberalização financeira ou as propostas de 2009. Se é certo que a China dispõe de imensas reservas cambiais que tornariam o primeiro cenário atraente para alguns, a verdade é que com a presente quantidade de créditos tóxicos no seu sistema financeiro e o exemplo de outros países, mencionados acima, tornam este cenário muito assustador. Empurrar com a barriga, como está a acontecer, não é uma solução viável.
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