Do filme "A organização internacional" |
Como é que o neoliberalismo "de esquerda" olha o debate que hoje se deu no Parlamento sobre a TAP?
A jornalista da Antena 1 perguntou à economista Susana Peralta, da Nova School of Business and Economics - o nome é mesmo em inglês - quais as dúvidas por esclarecer junto da presidente da TAP, hoje ouvida na comissão parlamentar de inquérito.
A economista adiantou que "se se quiser, podemos ter essa discussão" sobre os níveis salariais praticados, mas o que lhe parece mais relevante é: 1) Por que razão a presidente da TAP não comunicou ao supervisor do mercado (CMVM) informações correctas relativas ao afastamento da administradora? 2) Estava o ministro das Finanças efetivamente na ignorância, tal como o afirma o actual ministro Fernando Medina e o ex-ministro João Leão? Que comunicação houve com a tutela?; 3) E, depois, há o tipo de gestão da actual administração da TAP, ou seja, os sinais de gastos sumptuários (frota automóvel, contratações de amigos, mudança de instalações, etc.)
Assim, a olho nu, Susana Peralta parece ser mais uma economista neoliberal escandalizada, sim, com a mentira ao regulador do mercado e com e eventual cumplicidade da tutela nessa mentira, do que com todo o ambiente socio-empresarial-político que viabiliza uma escandalosa indemnização tanto milionária como ilegal, recebida pela administradora, ao arrepio do que está a acontecer aos trabalhadores da empresa.
Nas suas palavras, parece ser pouco relevante que uma empresa pública pratique níveis salariais tão díspares entre administradores e trabalhadores, a ponto de uma compensação por despedimento atingir valores de 1,5 milhões de euros para cerca de dois anos de trabalho ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que haja regras distintas de compensação por despedimento entre os trabalhadores, os trabalhadores alvo de reestruturação e os administradores que decidem sair da empresa por vontade própria ou empurrados para a rua ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que um plano de reestruturação de uma empresa pública, cujo conteúdo não é conhecido e cujos moldes danosos foram em parte impostos por instâncias europeias, preveja cortes salariais e despedimentos a grupos significativos dos seus trabalhadores, mas pouco tenha feito para criar uma justa repartição da massa salarial ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que a CEO da TAP, escolhida de modo forçado em concurso internacional, tenha afinal um estatuto remuneratório, incluindo prémio e bónus, que sejam desconhecidos e tornados clandestinos aos olhos dos portugueses ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que, à semelhança do que se passa nas grandes empresas privadas, esse grupo de administradores tenda a constituir-se numa espécie de casta social privilegiada intocável, num grupo fechado que vai rodando entre empresas independentemente do seu desempenho e mérito, desnate assim a empresa com benefícios remuneratórios pornográficos, mesmo que a empresas esteja a ter prejuízos, mesmo que haja despedimentos em massa, tudo em nome da competitividade externa das contratações, que permita a livre circulação de quadros superiores ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que essas instituições externas não eleitas que marcaram o conteúdo de uma plano de reestruturação - que ninguém conhece - tenham a
preocupação de impor soluções gravosas, sem
olhar aos seus efeitos sociais e humanos, na própria empresa ou mesmo à luz do próprio enquadramento legal, a ponto de mais tarde serem revertidos pelos tribunais ("podemos ter essa discussão"). É pouco relevante que este tipo de planos seja imposto por opacas instituições não eleitas, externas ao país (Comissão Europeia), levadas a cabo por quadros do nível de um director-geral, que se sobrepõem ao poder soberano de um Estado e dos seus responsáveis, limitando-lhe o grau de acção e impondo decisões danosas de gestão numa empresa pública - de um Estado soberano! -, tudo em benefício dos seus concorrentes, respaldados em cardápios ideológicos mascarados de técnicos, erguidos sobre os alegados malefícios da intervenção pública e do papel dos políticos eleitos pela população ("podemos ter essa discussão").
Parece, pois, que se há uma brutal desigualdade social no país e no mundo, gerado por um modelo dominante em colapso - a ponto de milionários pedirem para que sejam tributados antes que seja tarde demais -, isso também se deve ao tipo de comentadores que se vai promovendo nos meios de comunicação social.
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