Num discurso sobre o combate à extrema-direita, e para lá de uma curiosa crítica à “lógica de descobrirmos roupa suja uns dos outros” no bloco central, Augusto Santos Silva, putativo candidato presidencial do extremo-centro, também saiu em defesa da chamada democracia liberal, como é hábito de alguém que vem da Terceira Via.
Contra esta linha, é preciso insistir nisto:
Para além de atribuir à palavra liberal um prestígio imerecido, os que, à esquerda, usam equivocada e apologeticamente a designação «democracia liberal» para caracterizar a democracia saída da Revolução de Abril, esquecem que o liberalismo histórico sempre foi oligárquico, intrinsecamente desconfiando da participação popular e favorável a um capitalismo desigual, que facilmente desagua em formas autoritárias, particularmente em contexto de crise e nas periferias.
A nossa democracia superou originalmente o liberalismo histórico, porque se propôs suplantar uma forma de capitalismo que não dava resposta às aspirações de liberdades reais para todos, incluindo nos espaços onde se trabalha, tantas vezes furtados a avaliação do que se pode ser e fazer.
As origens revolucionárias do nosso regime constitucional democrático, de matriz tão antifascista quanto antiliberal, explicam que na narrativa liberal, «o socialismo» seja o nome da situação em vigor até aos dias de hoje. A contra-revolução neoliberal nunca teria existido. As intervenções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) e às suas imposições liberalizadoras totais no campo económico e financeiro, particularmente no quadro da União Europeia, as privatizações maciças desde o cavaquismo, a adesão ao euro, e a correspondente perda de instrumentos de política económica, nunca teriam existido.
Enquanto existirem concessões colectivistas no capitalismo português, mesmo que enfraquecidas, da Segurança Social a um mínimo de provisão pública desmercadorizada, esta gente não descansa ideologicamente e daí a insistência convergente da IL e do Chega em projectos de ainda maior descaracterização constitucional.
E, já agora, insistir também nisto:
A austeridade, seja na versão de desvalorização interna da troika, seja na actual versão de austeridade real, abre o caminho à extrema-direita.
4 comentários:
totalmente de acordo e complementa bem este artigo que saiu no Público há uns dias. A agenda da IL é essencialmente antidemocrática:
https://www.publico.pt/2023/01/22/opiniao/opiniao/iniciativa-autoritaria-2035917
A "democracia liberal" também desagua nisto:
"Lisboa: altar para receber o Papa custa o dobro do previsto, Câmara remete explicações para esta quarta-feira"
"O altar de onde o Papa vai celebrar a Missa Final da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) custa cerca do dobro do que estava inicialmente previsto pela Câmara de Lisboa (CML). A juntar aos 4,2 milhões de euros da obra que a CML consignou, por ajuste direto, à Mota Engil"
https://expresso.pt/politica/2023-01-24-Lisboa-altar-para-receber-o-Papa-custa-o-dobro-do-previsto-Camara-remete-explicacoes-para-esta-quarta-feira-86e61b76
É o nexo Estado-Igreja-Capital!
De volta aos maus velhos tempos do Dr. Facho Salazar!
E claro, isto com a aprovação do devoto Marcelo Rebelo de Sousa que já justificou o negócio do milionário altar que a Mota Engil vai construir!
Mas não há dinheiro para as coisas que realmente importam!
Que desgraça de país este...
A austeridade de Passos/Portas/Moedas é/foi de intenção (programa político de cortes).
A austeridade de Centeno, de cativações, foi de avareza (programa político de imagem responsável).
A austeridade de Costa/Medina é de omissão, de inação, de não combater as desigualdades e a pobreza (programa político de substituição de direitos por medidas 'caritativas' sazonais).
O resultado prático é semelhante: agravamento das condições de vida; menor coesão; perda de rendimentos - do trabalho e sociais -, mas a motivação política é ligeiramente distinta. E demonstra a intersecção que o projeto neoliberal da UE promove entre uma falsa social democracia e a prevalência do(s) mercado(s) (agentes do capital).
O único sentido adequado de "democracia liberal", desde a Renascença, é o de autocontenção e de separação de poderes, para que não haja concentrações autoritárias. Isto não tem NADA a ver com Estado mínimo, essa tardia apropriação distorcida do poder económico, um aproveitamento anti-povo.
Enviar um comentário