quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Querido diário - Passos Coelho pediu uma 2ª intervenção do FMI

Público, 2/11/2022

A vinda da troica é muito polémica.

Por estranho que pareça, hoje ainda há políticos que agitam, regularmente, a bandeira de que a direita - PSD e CDS - afinal nunca quis a vinda da troica para provocar um ajustamento económico, commumente conhecido por austeridade (corte de despesa pública e agravamentos fiscais em período recessivo), como forma de fazer renascer a economia. 

Pois bem, apesar de isso ser um mito (ver aqui), o mesmo Governo PSD/CDS - ano e meio depois da entrada da troica em Portugal - voltou a querer a intervenção do FMI e do Banco Mundial para uma "ajuda técnica" ao Governo, para cortar 4 mil milhões de euros na despesa pública, medida que ficou conhecida por Refundação do Memorando de Entendimento. A vinda da troica fora anunciada por Luís Marques Mendes, no seu espaço de opinião na TVI - que adiantou cortes nas florestas, centros de saúde, transportes públicos e rescisões de funcionários - e acabou por ser confirmada pelo Governo. Na altura da publicação do jornal, os técnicos do FMI já tinham reunido com responsávels do Ministério da Defesa, da Administração Interna.

O PS de António José Seguro ficou muito sentido porque o Governo chamara o PS para ajudá-lo a cortar, e afinal já tinha chamado o FMI. 

 

No fundo, seriam mais cortes, além dos cortes que o Governo levara a cabo. 

Em 2009, as despesas públicas com a Saúde representavam 5,8% do PIB, em 2011 cerca de 5,4% e, em 2013, previa-se que fossem 5,1%! Isto apesar da recessão sentida de 2011 a 2013 (ou seja, em 2009 para 2011, o sector público sofreu um corte de 6,5%; e de 2011 para 2013 outro corte de 8,6%!). Quem estava à frente do Ministério da Saúde era Paulo Macedo (actual presidente da CGD, desde 2016) que considerava o SNS como insustentável (pudera!), "bloqueado por iminente interrupção de fornecimentos, de recusa em tratamentos e de transportes de doentes não urgentes".

O então bastonário da ordem dos Médicos, José Manuel Silva, via uma "reconhecida competência" em Paulo Macedo, mas que a culpa era do Ministério das Finanças, de Vítor Gaspar.   


O novo papel do FMI suscitou a "indignação" do editorialista do jornal Público, não pela a intervenção externa, não por causa dos efeitos sociais dos cortes na despesa pública, não pela ineficácia da redução da despesa nos objectivos pretendidos, não por aprofundar ainda mais o descalabro recessivo, mas porque... a direita não conseguia fazer a dita prometida Reforma do Estado

"Então o Governo já não é capaz de se valer por si próprio, nem para a única coisa que devia tomar em mãos de forma resoluta, ou seja, a reforma do Estado?" Tudo parecia uma farsa: "Os técnicos do FMI estão cá há bastante tempo, toda a gente sabe, têm escritório montado e nestes meses ninguém pareceu indignar-se seriamente com o assunto. Em Portugal, bastam uns minutos de televisão para uma banalidade se tranformar em drama."


Vasco Pulido Valente batia na mesma tecla. E chegava forte e feio no Governo: "Refundar o Memorando é uma expressão sem sentido: um Memorando não se refunda (...) só serve para mostrar a confusão política a mental do Governo. Sobretudo quando está paralisado ou, pior do que isso, se meteu num beco sem saída: tem medo de fazer o que precisa e precisa de fazer exactamente aquilo de que tem medo (...) Descobriram agora a Reforma do Estado"... 

Por outras palavras: se hoje ninguém parece concordar com os cortes levados a cabo há dez anos, na altura tanto a direita como até a comunicação social de referência alinhava com as medidas adoptadas. 

Pior: queriam mais!

 

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