segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Querido Diário - Contradições na direita

Público, 28/11/2012

Há dez anos, o Governo Passos Coelho/Paulo Portas estava a passar um mau bocado. 

A proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2013 foi aprovada no Parlamento com o "enorme aumento de impostos", inventado para compensar o chumbo do Tribunal Constitucional a mais um corte na despesa pública. Foi aprovado sem qualquer aplauso pelas bancadas da direita e mesmo com votos contra na direita que apoiava o Governo.

Depois dos momentos de deslumbramento pelo ideário liberal - que fez o PSD de Passos Coelho/Luís Montenegro achar que o Memorando de Entendimento com a troika era uma boa base de trabalho para impor as reformas estruturais de que o país estava carente - a triste realidade de um Portugal empobrecido, desempregado e emigrado torpeava o Governo todos os dias, por todos os lados. Apenas a troika acreditava nas previsões oficiais do OE para 2013. As principais figuras do Governo agitavam-se nas cadeiras. Queriam sair do Governo (foi o caso de Vítor Gaspar, ministro das Finanças). Mas foram atados à cadeira, à força. Pelo menos até 2013.

O "enorme aumento de impostos" - expressão usada por Vítor Gaspar na conferência de imprensa em que apresentou a proposta de OE para 2013 para explicar as medidas adoptadas - parecia uma vingança, quase uma provocação. Algo do género: "Querem que fique, então terão de engolir o que é contrário ao vosso ideário". Esse "enorme" agravamento fiscal - que recaiu em grande parte sobre os trabalhadores e pensionistas (que sobretudo pagam a receita do IRS) - haveria de vigorar bem para lá do mandato do Governo que o fez aprovar. 

Nesse mesmo dia em que o OE para 2013 foi votado sem qualquer entusiasmo nem paixão, o economista ligado ao CDS, o ex-secretário de Estado dos governos de Sá Carneiro e Pinto Balsemão, o ex-membro da administração do Banco de Portugal no mandato de Cavaco Silva, o ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho de Durão Barroso - que, em 2003, deu a cara e o coração pela primeira versão do Código do Trabalho que representou um ataque nunca visto aos rendimentos dos trabalhadores - e o ex-ministro das Finanças de Santana Lopes, António Bagão Félix, fazia publicar um violento artigo contra as medidas adoptadas contra os pensionistas pelo Governo Passos Coelho/Paulo Portas.

Público, 28/11/2012

E nesse mesmo dia, quase a três anos da sua candidatura à Presidência da República, era divulgada uma biografia consentida de Marcelo Rebelo de Sousa, na altura com 64 anos, da autoria do jornalista Vítor Matos. "Fazem-lhe falta os holofotes, não consegue viver sem isso", escreveu o autor depois de uma conversa de mais de 70 horas com Marcelo. 

 

Público, 28/11/2012

Nem ele sabia o quanto isso se poderia tornar numa verdade doentia, num sintoma de uma democracia deslaçada, em que as rédeas de importantes políticas nacionais estão nas mãos de instituições europeias não eleitas, e que têm como contrapeso uma primeira figura da Nação que, cada vez mais, se deixa resvalar para uma gestão pessoalizada da grande política nacional, repleta de tiques de capricho ou de desequilíbrio, já atacada sem freio por certos sectores da direita que querem "mais direita" na sua actuação (basta ouvir a rádio Observador), sob o olhar tíbio de uma comunicação social inconsistente, quase infantilizada, na verdade capturada pela direita. 

 

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