quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O anti-Centeno


Em 2017, usei o conceito de “imaginação do centro”, forjado por Boaventura de Sousa Santos nos anos noventa, para defender o seguinte:

Aumentaram as oportunidades para uma parte da elite nacional ir para as instituições em Washington, Bruxelas, Paris ou Frankfurt ou para o sector privado que opera cá dentro a partir do centro; uma migração política dentro de uma zona de grande conforto económico. Deste processo não estão ausentes mecanismos de cooptação, de resto eventualmente antecipados, desejados, quando se está no poder em Portugal: pensar em termos dos interesses do centro quando se está na periferia, julgando de forma conveniente que isso serve os interesses desta última. Na realidade, uma parte da elite nacional desligou-se material e ideologicamente do país, indo para fora mesmo cá dentro. É como se fosse já pós-popular e pós-nacional.

Dirão, talvez, que Centeno é diferente de Durão Barroso, de Vítor Gaspar ou de Maria Luís Albuquerque. Talvez sim, talvez não. A questão não é pessoal, de resto, é político-institucional. Centeno andará para cá e para lá, entre o centro e a periferia, mas a sua imaginação e a sua realidade estarão cada vez mais no centro. A adaptação de Centeno não será difícil, creio. Por quem o sininho dobra no Eurogrupo?

Em 2022, acrescento só o seguinte:

Ao defender o aumento das taxas de juro pelo seu BCE, o governador do Banco que não é de Portugal decidiu começar a pensar como os credores do centro, como o economista do trabalho com “visão de mercado” que sempre foi, como um dos que está agora na dianteira do cortejo fúnebre da endividada economia portuguesa, armado com uma “teoria” da inflação totalmente desacreditada, como neste blogue não nos cansamos de insistir.

No fundo, o economista do trabalho sabe que serão os trabalhadores a pagar a recessão que o BCE está deliberadamente a promover, mas não o diz. Afinal de contas, é mesmo para ofuscar que serve a tal visão dita de mercado.

E para quê?

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