sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A China vai liderar a globalização?


A China tem sido crescentemente alvo da pressão das organizações internacionais (BM, FMI, OCDE) que, a cada relatório publicado, repetem o mantra neoliberal das "reformas estruturais", liberalização do comércio, movimentos de capitais especulativos e abandono da política cambial (ver aqui).

Imagine-se o que aconteceria se a China finalmente cedesse em toda a linha, como fizeram alguns países asiáticos, já então em industrialização acelerada, nos anos noventa do século passado. A experiência resultou na grande crise financeira asiática de 1997-8 que contagiou a Rússia e produziu crises em vários países da América Latina (ver aqui). Na altura foi o pânico à escala global. O certo é que, com a "ajuda" do FMI, o neoliberalismo conseguiu definitivamente implantar-se na Ásia, adoptando variantes de acordo com as especificidades nacionais.
Na China, o influxo descontrolado dos capitais produziria (ou agravaria as já existentes) bolhas especulativas de vários tipos e lançaria o resto do mundo numa crise de alcance inimaginável.

Para termos uma ideia do que isso significaria, vale a pena ler Ha-Joon-Chang, por exemplo no Epílogo:
Face à crescente importância da economia chinesa, não é pura ficção pensar que uma grande crise económica na China, em finais dos anos 20 [deste século], poderia converter-se numa Segunda Grande Depressão, sobretudo se houver uma grande convulsão política no país.

6 comentários:

José M. Sousa disse...

O "Bad Samaritans" está traduzido para português:

https://www.wook.pt/livro/as-nacoes-hipocritas-ha-joon-chang/14883873

Jaime Santos disse...

Cuidado com as previsões, em particular as que dizem respeito ao futuro, Jorge Bateira. No princípio deste século, deixei-me seduzir pela teoria do 'peak-oil': as premissas faziam sentido e já se tinha observado esse fenómeno nos próprios EUA nos anos 70. Só que a subida natural do preço, causada por um provável pico do 'light-sweet crude', ocorrido em 2005, tornou certas tecnologias extrativas (algumas profundamente destrutivas do ponto de vista ambiental), conhecidas desde o fim dos anos 40, rentáveis, o que ocasionou o boom do petróleo e gás de xisto.

Quem, como você, anda à espera de sapatos de defunto e da crise final do capitalismo, é capaz de passar a vida toda descalço. O capitalismo tem-se revelado bem mais resiliente do que qualquer dos seus competidores e isto não é um juízo de valor sobre o mesmo, meramente uma constatação de um facto... Não foi aliás o autoritarismo que matou a URSS (a China está bem e recomenda-se), e sim o carácter absolutamente caduco do seu modelo económico...

Anónimo disse...

Apesar de estar globalmente de acordo com o exposto no video, entendo que o título do post encerra um equívoco que deriva da falsidade da afirmada posição chinesa em prol do "free trade".

Na realidade a China deve o seu êxito a políticas altamente proteccionistas. E não é expectável que nos tempos mais próximos venha a rever essa posição pela simples razão que não pode permitir-se esse luxo enquanto os USA tiverem um tão grande ascendente militar e um (ainda) tão grande poder financeiro.

A China pode, e há sinais disso, tentar diminuir os seus excedentes comerciais, mas desiludam-se os que pensem que isso se traduzirá numa abertura ao capitalismo global.

Históricamente os países só aderem a um "free trade" de facto quando obrigados por outras potências imperiais ou quando sabem não ter nada a temer da concorrencia externa nos sectores que "abrem".

Também há uns tansos que acreditam que os "mercados comuns" e as "uniões europeias" são uma espécie de maná gratuito que cuidará do seu interesse e bem-estar, mas a história encarrega-se de lhes lembrar que "com papas e bolos se enganam (ou enganaram) os tolos".

Mas voltando à China, esta não se encontra ainda numa situação de liderança inquestionável que lhe permita afirmar-se externamente a uma escala global.

O que estamos a assistir é a um império que ainda está na fase de tentar controlar o espaço geográfico à sua volta, quer a nível das rotas comerciais, quer a nível geoestratégico, como por exemplo com a militarização das ilhotas do Mar da China. A questão das Coreias também se insere nesse jogo geoestratégico, e o interesse dos USA não é tanto o problema da arma nuclear norte-coreama mas o que isso implica para o posicionamento da Coreia do Sul e para a presença americana na região.

Muitos outros aspectos mostram uma China a exercitar os músculos nos mercados do terceiro mundo e tentando assegurar pela via comercial o acesso às matérias primas de que necessita para o seu desenvolvimento futuro.

Sobre o "free trade" enquanto parlapié retórico que não se traduz necessáriamente em abertura recíproca de mercados há este excelente artigo do The New York Times Magazine, especialmente focado precisamente na China mas com excelentes esclarecimentos históricos:

https://www.nytimes.com/2018/02/07/magazine/the-rise-of-china-and-the-fall-of-the-free-trade-myth.html

Boas leituras!
S.T.

Anónimo disse...

Há um dado fundamental que a meu ver o projecto original da Rota da Seda não resolve.
E esse dado são os custos energéticos dos diversos meios de transporte.
Genéricamente o transporte ferroviário gasta o triplo da energia do transporte marítimo. Isso coloca óbvias limitações de custos aos projectos de uma Rota da Seda terrestre. Daí que se fale agora numa outra rota marítima e até numa rota marítima POLAR, que aproveite o crescente degelo do Ártico para transportar mercadorias para a Europa. Assim se compreende que a China, que não tem territórios no Ártico se esteja a dotar de quebra-gelos.

Claro está que a geografia dita que a China é um país essencialmente continental e eu veria a chamada Rota da Seda terrestre mais como uma forma de expansão da influência chinesa junto dos seus vizinhos asiáticos do que própriamente uma via funcional de comércio dirigida à Europa. Isso mesmo parece ser entendido pela India, que têm acolhido com uma certa frieza as propostas de uma ramificação da Rota da Seda que atravesse a India e se dirija a um porto de águas profundas no Mar da Arábia.

Curiosamente eu não excluiria que progressos técnológicos nos meios de transporte actualmente em desenvolvimento nos USA, que é uma potência essencialmente marítima, acabem por beneficiar a potência continental, ou seja a China.

Estou a falar óbviamento do Hiperloop, que quando concretizado terá um impacto sobretudo no transporte terrestre, o que prevejo que será uma ironia histórica descomunal, a superpotência global incumbente desenvolver a tecnologia que permitirá à superpotência global desafiante estabelecer a sua superioridade comercial.
Mas isto é ainda do domínio da futurologia, e muitos contentores cruzarão o oceano até que esta profecia se concretize.
S.T.

Anónimo disse...

Boas achegas de ST.

Já os sapatos de defunto calçados a propósito da crise final do capitalismo, é capaz de não passar de verborreia de JS. Mas não deixa de ser curiosa esta involuntária admissão que o Capitalismo pode não ser o fim da História.

"A vida mostra que o homem não deixou de ser o lobo do homem. Mas os ganhos de produtividade resultantes da revolução científica e tecnológica que tem caracterizado os últimos duzentos anos de vida da humanidade dão-nos razões para acreditar que podemos construir um mundo de cooperação e de solidariedade, um mundo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades fundamentais de todos os habitantes do planeta.
Este é um tempo de grandes contradições e de grande desespero. Pablo Neruda deixou-nos esta mensagem: “Dai-me toda a dor do mundo./ Vou transformá-la em esperança.” Pois bem. A nossa obrigação é fazer como Neruda, transformando este tempo de desesperança num tempo de esperança.
Sendo a globalização neoliberal um projecto político, os adversários da globalização, empenhados em evitar uma nova era de barbárie, têm de ser capazes de pôr de pé um projecto político alternativo, que assente na confiança no homem e nas suas capacidades, um projecto inspirado em valores e empenhado em objectivos que “os mercados” não reconhecem nem são capazes de prosseguir, um projecto que rejeite a lógica determinista que nos quer impor, como inevitável, sem alternativa possível, a actual globalização neoliberal, uma das marcas desta civilização-fim-da-história.
Esta é a equação correta para compreender o capitalismo dos nossos tempos, as suas forças e as suas fraquezas".

Anónimo disse...

"Já em 23.9.2000 The Economist escrevia em editorial: “Os que protestam contra a globalização têm razão quando dizem que a questão moral, política e económica mais urgente do nosso tempo é a pobreza do Terceiro Mundo. E têm razão quando dizem que
a onda de globalização, por muito potentes que sejam os seus motores, pode ser travada.

É o facto de ambas as coisas serem verdadeiras que torna os que protestam contra a globalização tão terrivelmente perigosos.” Num momento de lucidez, um dos faróis do neoliberalismo veio dizer o que nós já sabíamos: os motores da globalização neoliberal
podem ser parados ou mesmo postos a andar em marcha atrás; a inevitabilidade da globalização neoliberal é um mito; a tese de que não há alternativa é um embuste.
O capitalismo globalizado pelo grande capital financeiro ganhou força, por um lado. Mas as suas contradições e as suas debilidades estão sujeitas aos efeitos tão bem traduzidos na velha máxima segundo a qual maior a nau, maior a tormenta.

Perante as contradições desencadeadas pela própria globalização neoliberal, temos razões para acreditar que a globalização “acciona forças que colocam em relevo não somente a incontrolabilidade do sistema por qualquer processo racional, mas também, e ao mesmo tempo, a sua própria incapacidade de cumprir as funções de controlo que se definem como sua condição de existência e legitimidade.” (I. Mészáros).

Como salientava, há já vinte anos, Eric Hobsbawm, “o nosso mundo corre o risco de explosão e de implosão. (…) Há sinais, tanto externamente como internamente, de que chegámos a um ponto de crise histórica. (…) O mundo tem de mudar (…) e o futuro não pode ser uma continuação do passado.”

Tem inteira razão o grande historiador inglês. Neste tempo de crise estrutural do capitalismo (o capitalismo do crime sistémico), os trabalhadores do Brasil, da América Latina, da Europa, dos EUA e de todos os continentes hão-de compreender a urgência de
transformar o mundo, começando por mudar as políticas levadas a cabo nas últimas três ou quatro décadas pelo estado capitalista, cuja natureza de classe talvez em nenhum outro período da história do capitalismo tenha sido tão evidente como hoje.
Para sairmos desta caminhada vertiginosa para o abismo, é necessário evitar que o mercado substitua a política, que as ‘leis do mercado’ se sobreponham aos normativos constitucionais e que o estado democrático ceda o lugar a um qualquer estado tecnocrático.
Cabe-nos a todos uma responsabilidade enorme nas lutas a travar, tanto no que se refere ao trabalho teórico (que nos ajuda a compreender a realidade para melhor intervir sobre ela) como no que respeita à luta ideológica (que nos ajuda a combater os interesses estabelecidos e as ideias feitas), porque a luta ideológica é, hoje mais do que nunca, um fator essencial da luta política e da luta social (da luta de classes).

É um trabalho longo e difícil. Vale a pena fazê-lo acompanhados da música de Chico Buarque, que, em tempos de ditadura, sonhava e cantava o seu “sonho impossível”, porque acreditava nele e nos apontava o caminho: “Lutar, quando é fácil ceder / (…)
Negar, quando a regra é vender / (…) E o mundo vai ver uma flor / Brotar do impossível chão”.

(A. Avelãs Nunes na abertura do Fórum Social Mundial (28.1.2018))