segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Os testes de stress

Apesar do percalço BCP, que não tem grande importância, os outros dois bancos portugueses incluídos nos testes de stresse do Banco Central Europeu - Caixa Geral de Depósitos e BPI - passaram com distinção. Quererá isto dizer que o sector financeiro português está sólido?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que nem todos os bancos portugueses foram incluídos neste exercício. Se a exclusão de bancos como o Banif ou o Montepio já é questionável, a não inclusão do Novo Banco limita fortemente a relevância dos resultados ontem divulgados. Não só não conhecemos a real situação do terceiro maior banco português, como, em virtude da medida de resolução adoptada, desconhecemos o valor da responsabilidade contingente que impende sobre todo o sistema financeiro português: num cenário (bastante provável) da venda do Novo Banco implicar um prejuízo, o custo é suportado pelos restantes bancos do sistema. A incerteza em torno do valor da venda do Novo Banco não é um risco para a banca portuguesa menor do que o de uma recessão económica ou do que de um aumento do desemprego. Mas é um risco que não foi tido em conta nestes testes de stresse.

Independentemente da qualidade dos balanços dos bancos portugueses, há outro problema que não é tratado nestes testes de stresse e que tem a ver com a própria concepção de solidez utilizada. Um dos pressupostos deste exercício do BCE (bem como de toda a actividade actual de supervisão financeira) é que o sistema é tanto mais sólido quanto mais as instituições que o compõem estiverem capitalizadas. Isto só é verdade se recorrermos a um outro pressuposto, o de que a actividade dos bancos é sustentável e compatível com a sua solvabilidade de longo prazo.

Não se trata de olhar para rácios e verificar se resistem a choques adversos, mas sim perceber se, num contexto de elevado endividamento dos agentes económicos e de inexistência de procura, instituições que têm como principal actividade criar dívida podem ser solventes em termos dinâmicos. Sabemos como os bancos têm sobrevivido nos últimos tempos: dependem do carry trade proporcionado pelo BCE e têm inflacionado o preço dos activos financeiros, sem qualquer correspondência com a economia real. Este tipo de actividades podem ser úteis para os bancos no curto prazo, mas são totalmente irrelevantes para o resto da economia e, no longo prazo, revelam-se insustentáveis para os próprios bancos.

Uma crise não é uma mera perturbação temporária num sistema essencialmente estável. Uma crise existe quando o sistema entra em convulsão e se torna vítima das suas próprias contradições. É o caso do actual sistema financeiro. O problema actual não pode ser resolvido robustecendo as componentes do actual sistema. Se a dinâmica for insustentável, não há rácios de capital que nos salvem. Nesse caso, toda a solidez é aparente e, como dizia o outro, rapidamente se dissolve(rá) no ar.

(artigo publicado na edição online do Expresso)

3 comentários:

Jose disse...

Tudo gravíssimos problemas a serem prontamente resolvidos com as já anunciadas doses de uma 'nova esperamça' associada a uma muito elevada 'sensibilidade social'.

Anónimo disse...

Para alguns vale quase tudo...

Desde que seja tentar tapar o cheiro que a "trampa" da banca privada exala

A" sensibilidade social" levada em forma de gozo é todo um programa.No fundo equivalente ao convite à emigração do relvas ou ao "piegas" com que coelho enche a boca.Ou ao "aguentam,aguentam" dum da igualha destes

Mas o mundo gira. E nem a insensibilidade dos trafulhas que nos governam ficará impune, nem as coisas ficarão apenas em "sensibilidades".

Para desgosto dos neoliberais pesporrentos da nossa praça

De

Daniel Pires disse...

Os teste de stress são uma falácia e um instrumento do poder alemão que pura e simplesmente branqueou o sistema financeiro alemão.

no FT:
But of course, no "German bank has the same exposure to Italian bonds as an Italian bank": don't be ridiculous. Take residential property: adverse scenario gives 2014-4.5 2015-1.8 2016+2.3 for Germany, 2014-7.9, 2015-4.7, 2016-3.3 for Italy ... and who cares that the second has yet collapsed while the first has been growing for years now. => "Scenarios are diverse for each country, because the countries are inherently very diverse" in their power to influence the EU offices: it was no Stress Test, but a Power Test. Vae victis.

What must be crystal clear, is that the EBA has come not with a stress test scenario, but with many stress test scenarios ... one for each country ... and very diverse the one each other. What must be crystal clear, is that the EBA has come with assumption that are amazingly more favorable to the German economy than to the Italian one. What must be crystal clear, is that, as Constâncio&Nouy talk of "the severity of the scenario in the adverse case", they're not talking Germany, as the scenario in the adverse case for Germany is everything but severe.
* Concerning the German commercial and residential property, Constâncio stressed how "the stress test is a scenario; it’s not a forecast", but rather a nightmare designed with the purpose of testing banks in case of Armageddon. Can Armageddon be for the German residential end commercial property to growth by 2.3 and by 1.0 in 2016 ? Of course it cannot.
* So what ? So the EBA has chosen, and the ECB has accepted, to run stress tests that are expansive in Germany, while particularly recessive in Italy: and I mean expansive and recessive in monetary terms, as banks serve as the main component of the transmission mechanism

Is that serious ? Is that sound ? I believe it's demented. But, even if the opposite was true and imposing further recession in Italy was wise, it remains that the ECB process has not been as tough as the widely-feared stress tests carried out by the US Federal Reserve.