terça-feira, 14 de outubro de 2014

A diferença entre uma recessão, uma crise e um pântano sem fim à vista

No imaginário de muita gente, uma crise económica é um episódio temporário, no qual a deterioração da actividade económica é naturalmente seguida de uma recuperação. Para alguns, chega mesmo a ser um momento imprescindível, durante o qual a economia em causa passa por uma depuração: o desaparecimento forçado de actividades e organizações pouco eficientes abre espaço ao surgimento e/ou expansão de actores e processos mais promissores. Os custos sociais das recessões, quase sempre desigualmente repartidos, ficam assim justificados pelos seus efeitos benéficos sobre a robustez das economias.

No entanto, se alguns períodos de desaceleração da actividade económica no passado foram seguidos de anos de prosperidade – com o produto e o emprego a regressarem aos níveis anteriores à queda, mantendo, ou mesmo acelerando, os ritmos históricos de crescimento – nem sempre a história é assim. Um relatório recente, publicado pelo International Center for Monetary and Banking Studies, propõe que se distinga entre o conceito de recessão e de crise. De acordo com esta distinção, ao contrário das recessões, as crises não constituem desvios meramente temporários da trajectória anterior das economias, antes impondo custos a prazo nos níveis de rendimento gerado.



Um exemplo de uma recessão consiste no episódio de queda do PIB verificado nos EUA em 1982 (gráfico do canto superior esquerdo), com a economia americana a regressar à sua trajectória anterior ao fim de pouco tempo. Quanto às crises, o relatório identifica três tipos. O primeiro corresponde ao que ocorreu na Suécia na sequência da crise bancária do início dos anos 1990 (canto superior direito), sendo caracterizado por uma quebra irreversível do produto, a que se seguiu um retorno ao ritmo de crescimento económico anterior. No segundo tipo de crise, correspondente ao que se passou no Japão (canto inferior esquerdo), sucede o oposto: não há uma quebra repentina do PIB, mas o ritmo de crescimento desacelera de forma duradoura. Finalmente, o terceiro tipo de crise é caracterizado pela combinação de uma quebra acentuada do PIB, seguida de um ritmo de crescimento medíocre (canto inferior direito). Este último caso corresponde ao que tem vindo a passar-se nas economias mais avançadas desde 2008, em particular na zona euro.

Os três tipos de crise identificados distinguem-se das recessões pelo facto de surgirem habitualmente associados a processos de rápido endividamento do sector privado (empresas e famílias). São, assim, fenómenos típicos da era da liberalização financeira, em que a desregulamentação do sistema financeiro – em particular do sector bancário – conduz a uma forte expansão do crédito, a qual alimenta e é alimentada por um período mais ou menos longo de rápido crescimento económico. No entanto, assentando tal crescimento no endividamento contínuo de empresas e famílias, mais cedo ou mais tarde chega o momento em que a sua dinâmica é interrompida e a economia entra num processo de ‘desalavancagem’ (simplificando, os agentes económicos passam a canalizar grande parte dos seus recursos para o pagamento de dívidas contraídas no passado). Isto conduz à quebra geral do consumo privado e do investimento, quase sempre implicando a diminuição do PIB e do emprego, bem como a deterioração das contas públicas.

O processo descrito é comum a qualquer um dos três tipos de crise referidos acima. O que determina qual das trajectórias será seguida pela economia em questão depende de vários factores: o grau de endividamento do sector privado, o grau de endividamento da economia como um todo face ao exterior, o recurso a políticas monetárias e orçamentais favoráveis à recuperação da economia, as medidas tomadas para resolver os problemas do sector bancário, a capacidade da economia para induzir o crescimento a partir das exportações (o que depende fundamentalmente da sofisticação da sua estrutura produtiva), o contexto económico internacional, etc.

De uma forma geral, quanto mais robustas forem as economias e quanto mais adequados forem os instrumentos de política económica disponíveis e a determinação das autoridades em utilizá-los, mais bem-sucedido será o ajustamento. Quando nada disto acontece, não vale a pena esperar o retorno aos níveis de produto anteriores à crise, ou sequer aos ritmos de crescimento do passado: o resultado será um longo período de desinvestimento, desemprego, défices elevados e dívidas insustentáveis. Vamos lá imaginar em que situação se encontra Portugal.

5 comentários:

Jose disse...

Notável ausência de considerandos sobre a 'desalavancagem' da despesa e investimento público e políticas austeritárias impostas pelos credores.

Rui Monteiro disse...

Meu caro,
Já não lia nada teu há muito. Não te ouvia há muito também. Um texto e uma intervenção excelentes. Não posso estar mais e acordo: não há política públicas de apoio à inovação ou ao que quer que seja que não tenham que ser consideradas no seu contexto macroeconómico. Os seus efeitos não se (re)produzem independentemente desse contexto.

As parcerias público-privadas pressupõem sempre aprendizagem coletiva e um Estado que não se deixe capturar. Implicam um nível de capacitação das instituições públicas mais elevado. Isso não se faz sem pessoas capazes. Essa interação só se faz com proximidade também. Há uma dimensão geográfica dessas interações. Por isso, estou sempre do lado das políticas regionais.

Quanto à prescrição das políticas públicas, o nosso grande problema neste momento é a gramática. Quem não sabe escrever não sabe pensar. Estou farto de frases sem sujeito e da dificuldade permanente de assegurar a concordância com o predicado.

Um abraço

Rui Monteiro

Anónimo disse...

E o sr jose a dar-lhe mais a defesa da submissão acéfala, pusilânime ( e cúmplice?)aos credores e às Merkel de ocasião fazendo tábua rasa de tudo o já (também aqui) dito sobre esta questão.

Que fazer? Repetir mais uma vez, pela enésima vez, o já escrito e reescrito?

Será que esta insistência do sr jose nesta tecla não corresponde mais ao papel dum cavalo de Tróia com algum desespero para continuarmos na senda da chantagem dos gaspares e quejandos ?

A propósito deste herói neoliberal, hoje ficámos a saber mais um negociozinho sujo em que este esteve envolvido:
"Gaspar ilibou governo da Madeira em buraco de mil milhões
Ex-ministro garantiu ao Ministério Público que buraco financeiro da ilha não trouxe prejuízos ao Estado e deitou por terra acusação a dois secretários regionais por prevaricação"

Lá estão as "políticas impostas pelos credores" a funcionar e a tapar o cheiro nauseabundo da governança neoliberal em prol dos credores e dos seus bons rapazes.

Retomar Tomas More e a sua Utopia( não confundir com os disparates de cavaco):
"Quando considero e avalio no meu pensamento todas as comunidades que florescem hoje em dia por toda a parte, assim Deus me ajude, não vislumbro senão uma certa conspiração de ricos procurando as suas próprias vantagens em nome e sob a tutela da comunidade. Inventam todos os meios e possibilidades para usar e abusar do trabalho e labor dos pobres pelo mínimo possível de dinheiro. Esses planos que o rico decretou são tornados leis."

De

Unknown disse...

De, por favor, esquece o José. Ele é o que se denomina nos mundos da world wide web um "troll" e como tal não pode ser refutado, já que irá acrescentar mais estupidez à estupidez previamente derramada.

Don't feed the troll.

Anónimo disse...

Assim dão cabo da economia porque na verdade o governo está de mãos atadadas porque não pode prosseguir políticas expansionistas e mesmo que pudesse isso iria estimular a procura de outros países via importações.

Sem política monetária portuguesa é impossível resolver os problemas do país.