No Expresso desta semana, Rui Ramos afiança que a esquerda viola o seu compromisso igualitário ao recusar as taxas moderadoras na saúde, que impeçam um banqueiro de aceder gratuitamente ao SNS, ao recusar o plafonamento na segurança social, que impeça um banqueiro de auferir uma pensão elevada, supostamente paga pelos mais pobres, ou o cheque-ensino, que facilita o acesso por parte dos pobres ao ensino das elites. Como costuma acontecer, Rui Ramos está errado. Repito uma ideia em que aqui tenho insistido: é precisamente em nome do compromisso igualitário que a esquerda deve rejeitar estas propostas da direita intransigente.
Todos devem aceder em condições de igualdade aos serviços provisionados pelo Estado e financiados por impostos progressivos, sem barreiras pecuniárias à entrada: assim aumentam os incentivos para que cada vez mais acedam aos serviços, o que os torna menos vulneráveis politicamente, até porque os programas para pobres tendem a ser pobres programas; os grupos com menos voz beneficiam das exigências de qualidade feitas por quem tem mais voz, o sentimento de comunidade, que quebra barreiras de classe, é favorecido pela partilha de equipamentos e de prestações, etc. São muitos os mecanismos. Para além disso, sem plafonamento, há menos espaço para o capital financeiro crescer e generalizar a sua lógica iníqua, a segurança social tem mais recursos para redistribuir; sem cheque-ensino, o Estado não anda a subsidiar privados, nem a promover polarizadoras lógicas concorrenciais, antes investindo numa escola pública de qualidade para todos. Em geral, o ideal da universalidade garante serviços públicos mais robustos e prestações sociais mais generosas. Tudo é mais redistributivo. Na literatura sobre o tema, que Rui Ramos certamente não desconhece, chama-se a este padrão o paradoxo da redistribuição: os mais pobres ganham mais, o combate à pobreza é mais eficaz, se as políticas e instituições sociais forem tendencialmente para todos.
Serviços públicos universais, gratuitos no acesso, impostos progressivos e compressão salarial antes de tudo isso, graças à contratação colectiva, tão centralizada quanto possível, e a sindicatos fortes, continuam a ser elementos que constroem o chamado multiplicador da igualdade, que também é garantido por uma política económica orientada para o pleno emprego. Estes esquemas, que igualizam oportunidades e capacidades, são, na realidade, o pesadelo dos Rui Ramos e das Fátimas Bonifácios desta vida, os que inventam histórias para promover o seu programa conservador, um programa para uma sociedade com muita classe e com muita ordem.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
De longe, eu concordo sempre com João Rodrigues, que acho o máximo, para usar esta expressão.
Mas aqui ele suplanta-se a si próprio, em classe, em rigor, acutilância, sei lá mais o quê!
Parabéns!
"Como costuma acontecer, Rui Ramos está errado."
Aqui eu discordo totalmente do autor do artigo. Rui Ramos não está errado, Rui Ramos sabe perfeitamente que está a dizer disparate mas, Rui Ramos é intelectualmente desonesto e demagógico.
Rui Ramos não está errado, está é a tentar convencer-nos.
Excelente! Parabéns.
Ao Autor deste texto, mas também aos acutilantes comentários anteriores...
Enviar um comentário