terça-feira, 24 de setembro de 2013
«Vá visitar os seus impostos!»
O cartaz publicitário de uma agência de viagens sediada em Karlsruhe, cidade independente do Estado Alemão de Baden-Württemberg, não podia ser mais claro, ao promover férias nos «PIIGS» com uma frase seca e lapidar: «Vá visitar os seus impostos!» («Besuchen Sie doch ihre Steuern!» - rodeada das referências a Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).
De facto, a retumbante vitória de Angela Merkel em muito deve à persistência, junto da opinião pública alemã, da campanha de desinformação em torno do «norte que trabalha» e do «sul irresponsável e esbanjador». Não se esperem, por isso, mudanças de fundo no dictat europeu: para além das razões apontadas pelo João Rodrigues e pelo Daniel Oliveira em dois excelentes posts, este factor de motivação do voto continua a ter uma força determinante. A chanceler já se encarregou, aliás, de dissipar dúvidas que existissem: «nada vai mudar em termos de orientação de política europeia»: o ajustamento assente na austeridade e no esmagamento dos salários (directos e indirectos) é para continuar.
Mas é também por isso que os resultados das eleições alemãs revelam, em segundo lugar, a incapacidade de diálogo e de construção, à esquerda, de uma proposta alternativa para a crise europeia. De uma proposta clara, robusta, metódica e consequente, capaz de derrubar, de forma convincente, a narrativa hegemónica que assim prevalece. Hegemonia no discurso à direita e défice de convergência programática à esquerda: dois sinais importantes das eleições alemãs que importa ter em conta quando se pensa em Portugal.
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26 comentários:
O referido cartaz é só mais uma demonstração da qualidade dos indigenas.
Claro que para um país que até já ganhou cerca de 41 mil milhões com a chamada crise, o cartaz faz todo o sentido.
É que é preciso garantir que as coisas continuem a funcionar de modo a que a Alemanha ganhe mais uns bons milhares de milhões.
É a tal solidariedade Alemã a funcionar em pleno.!
Com amigos destes quem é que precisa de inimigos.!
Sair do euro (onde nunca deviamos ter entrado) é de facto a nossa única hipotese de ver o nosso país a sair da estagnação e da miséria.
Já deviamos era ter saido ontem.!
Devia era fazer-se um referendo sobre isso e sobre as chamadas reformas( perdão, roubos )perpretados pela mafia que actualmente nos governa e logo se verá o que é que o povo decide.
e não se pode deixar de comprar BMs Mercedes audis vw e outros produtos deles?
Cada vez mais a saída do Euro surge como a única alternativa viável...
Qualquer dialéctica que contribua para a desinformação deve ser veemente rejeitada, não é legitimo a menorização das pessoas, é absolutamente inaceitável a tolerância com declarações de guerra. Os discursos que estigmatizam são abjectos e desprovidos de senso, só os incapazes se revêm na superficialidade das abordagens. A mudança que queremos é acima de tudo de mentalidade, rejeitar todo e qualquer elemento de desunião parece-me um bom principio.
Esse cartaz é ignóbil. Mas surpreendeu-me muito, porque é a primeira vez que vejo algo do género aqui na Alemanha.
Também me surpreende que fale da "persistência, junto da opinião pública alemã, da campanha de desinformação em torno do «norte que trabalha» e do «sul irresponsável e esbanjador»"
Pode dar exemplos? Para além daquela frase em que a Merkel disse que é preciso haver mais convergência na idade da reforma e nos dias de férias (frase pela qual foi imediata e severamente criticada nos meios de comunicação social e no meio político)
(http://www.spiegel.de/politik/deutschland/euro-krise-merkel-attackiert-urlaubsfreudige-suedeuropaeer-a-763247.html)
Repito a pergunta: pode dar exemplos concretos dessa persistência da campanha de desinformação e da passagem dessa imagem?
É que o que eu vi na Alemanha foi a crise do euro e os outros países a serem ignorados pela campanha eleitoral. A retumbante vitória da Merkel não tem nada a ver com a imagem que os alemães têm dos países em crise (que não é, aliás, aquilo que os portugueses pensam que é). Sublinho: aquele cartaz vergonhoso em Karlsruhe é uma excepção - não é a regra.
Cara Helena,
Tem razão, a dicotomia entre um «norte trabalhador» e um «sul preguiçoso» não é a que é mais frequentemente utilizada para ilustrar a narrativa moralista dominante que tem sustentado o alinhamento do eleitorado com a Chanceler Angela Merkel (que os resultados eleitorais não só demonstram como reforçam).
E sendo certo que a crise económica e social na periferia não ocupou o centro da campanha para as eleições do passado domingo, tal não deixa de suscitar alguma perplexidade (sobretudo pela manifesta violência dos impactos sociais da austeridade em países como Portugal e a Grécia).
Mas não é difícil, por exemplo, encontrar declarações da chanceler ou do ministro Schauble (a roçar neste caso, muitas vezes, a imbecilidade), com a tónica da «solidariedade» subjacente à «ajuda financeira» concedida pela Alemanha aos países perdulários do sul (que dá sentido ao mote «vá visitar os seus impostos») e que deve ter, nesses termos, a devida compensação em «sacrifícios».
Tal como não custa supor que, quando comparada com a espiral recessiva em que a periferia europeia está mergulhada, a situação da Alemanha surja aos olhos do seu eleitorado como um paraíso (cabendo os respectivos louros desse feito à chanceler Merkel).
O ponto central, para explicar a retumbante vitória no passado domingo, talvez seja de facto esse: o alastrar da crise ainda não começou a fazer-se sentir verdadeiramente na Alemanha. É isso que, em grande medida, permite suster a narrativa sobre a origem da crise (que, lá como cá, continua a ser imputada às dívidas soberanas) e branquear as responsabilidades mais amplas na sua génese e perpetuação.
E pensando para lá das periferias, na Europa e no seu futuro, custa constatar que o eleitorado alemão parece ainda não perceber o que está em causa com a recondução reforçada de Merkel (e por mais que as diferenças com o SPD - por demérito deste - não sejam verdadeiramente substantivas).
Salvo erro, é nesta entrevista de Schäuble à ZDF em que ele descreve os países do Sul como invejosos face ao sucesso da Alemanha
Se o título fosse, "Vá visitar os politicos corruptos, que compraram. submarinos alemães e metros Siemens. sem contrapartidas favoráveis á nação portuguesa".
... mas esse titulo não convem... É capaz de ser muito longo para caber na montra..... :-\
Agora sem tempo para desenvolver mais, venho fazer dois apontamentos rápidos:
- os alemães não percebem que as reformas não funcione nos outros países, porque no país deles funcionou. O Schroeder fez reformas brutais no trabalho e na Segurança Social, muitas pessoas aguentaram cortes importantes no seu nível de vida, mas a taxa de desemprego baixou e a economia melhorou. Isto dá para muito pano para mangas de discussão, mas só queria deixar mesmo esse apontamento: os alemães estão a impor aos outros o veneno que eles próprios provaram (e no caso deles resultou - embora com o aumento das assimetrias, o aumento da pobreza, etc.)
- os alemães não percebem que outros países se endividem tanto. O seu próprio endividamento (penso que anda pelos 60% do PIB, mas não tenho tempo de ir verificar) já os assusta, porque dizem que para vivermos hoje melhor, andamos a contrair dívidas que os nossos netos vão ter de pagar.
Caso para perguntar: os países que se endividaram tanto não pensaram nas gerações futuras que têm de pagar isso?
Não quero com isto desculpar o comportamento dos alemães, mas explicar que a perspectiva aqui é muito diferente (e que eles só estão a esperar dos outros aquilo que exigem de si próprios).
Outra coisa, mesmo muito rápida: este cartaz é o primeiro que vejo do género, e inscrevo na pequena percentagem de idiotas que cada sociedade tem de aguentar.
Mas o que é realmente grave é que a Alternativa para a Alemanha teve quase 5% dos votos. Embora eles proponham o mesmo que as pessoas deste blogue (que a Alemanha saia do euro) o que querem realmente dizer é "os outros que se desenrasquem".
Helena,
«I apologise for suggesting that German reforms under Schröder have been vastly overblown, and that German competitiveness gains have been chiefly the result of a beggar-thy-neighbour wage squeeze at the cost of EMU trade partners. Nor should I have said that a small open economy like Sweden in the 1990s may well be able to tighten its way back to vitality in a the middle of a global boom, but if half Europe does so in unison in a slump, it will inflict carnage.
It was unconscionable of me to say that Germany has locked in a semi-permanent trade advantage over Club Med, or for saying that the trying to close this gap by imposing deflation on the South is impossible because this will play havoc with debt dynamics.»
My grovelling apology to Herr Schäuble
nojo pelo cartaz!
José,
tudo isso é verdade.
Mas há uma coisa que eu não entendo: porque é que os governantes dos países com dificuldades cada vez maiores não reagiram mais cedo? Porque é que deixaram chegar a situação a este ponto?
Porque não ameaçaram com a saída do Euro. Porque o projecto do Euro não serve a Europa. Não acredito que a Europa possa ser um Estado Federal à semelhança dos EUA. Mas os políticos acharam cómodo propagandear que a Europa era o novo ElDorado. Que éramos todos europeus, que isso das nacionalidades era coisa do passado. E agora a bomba rebentou e ninguém quer enfrentar o problema!
José,
não sei o que responder. Por um lado, o euro permitiu-nos durante uns anos a ilusão do Eldorado - ilusão que estamos a pagar amargamente.
Por outro lado, tenho muitas dúvidas sobre as consequências de um regresso aos nacionalismos e às moedas nacionais. Embora me dê conta que esta Europa é feita de cálculos nacionais mascarados - e que só funciona em tempo de vacas gordas -, pergunto-me se é melhor voltar ao "poor lonesome cowboy" ou apostar em mais Europa (uma Europa mais solidária e mais responsável).
Não sei mesmo. Se hoje se fizesse um referendo "Escudo ou mais Europa", não sei o que escolheria. As duas opções têm riscos enormes.
Equivaler mais Europa a Euro parece-me uma ideia errada. Se baixamos demasiado a guarda, há sempre uns lobos à espreita. As questões monetárias são demasidado complicadas e acabam por ser manipuladas por aqueles que conhecem os seus mecanismos e em proveito de poucos. Tem de haver mais Europa sim, mas naquilo que interessa: ambiente, qualidade de vida, emprego, conhecimento mútuo, etc. Não vejo porque razão é necessário termos a mesma moeda para haver mais Europa.
Desculpem, mas discutir assim conduz-nos sempre aos mesmos becos sem saída, aos habituais "há uma coisa que eu não entendo".
O cartaz é cruel, é estúpido, é malcriado, mas é verdadeiro. Enquanto não assumirmos esta verdade, não compreenderemos nada de nada: o suposto "Progresso" português (e suponho que também o grego) assentou, básicamente, em toneladas de Marcos alemães.
Tudo o que possuímos, as reformas chorudas e as estradas do Cavaco, os rendimentos mínimos garantidos e os metros do Guterres, o euforismo consumista e futebolístico do Durão, mais as roupas de marca, os tele-móveis, os SUV's eas PSP's do Sócrates são fruto de uma descarga colossal de verbas comunitárias em Portugal, NÃO são o fruto nem do trabalho (de que os portugueses são comprovadamente capazes, sobretudo na diáspora), nem do investimento (continuadamente errático e guloso desde os típicos fenómenos JEEP e Thierry Roussel), muito menos da Inovação e da Modernização do País e do Estado.
Culpas de quem? De muitos, de quase todos, governantes pífios e corruptos, banqueiros e contrutores civis insaciáveis, consumismo popular doentio, demissão cívica de intelectuais e "notáveis" da nossa pobre Sociedade.
Mas não culpem é os contribuintes alemães.
Estes só têm "culpa" (se é que têm) de uma coisa: de não "perceberem" por que razão não funciona nos outros Países o que com eles "funcionou". Se é assim como diz a Helena, então os alemães são mais estúpidos do que eu imagino.
Haja algum Médico caridoso que lhes explique, pacientemente, que o mesmo diagnóstico, em pessoas muito diferentes, não conduz necessáriamente, antes pelo contrário, a terapêuticas semelhantes. Como deveria ser óbvio para quem tenha dois dedos de testa.
Cometeram-se muitos erros em Portugal, fruto de muita coisa que todos nós bem conhecemos.
Contudo, mais ainda do que compreender esta realidade e aceitar galhardamente a bofetada ríspida, mas eventualmente pedagógica, do cartaz de Karlsruhe, devemos é partir desta auto-crítica profunda para compreender qual deve ser o melhor caminho para saírmos do presente pântano.
E, sinceramente, não me parece que seja com ilusões do estilo "devemos ter mais Europa, sim, mas no [bem bom] - Ambiente, Qualidade de Vida, Emprego" - que vamos algum dia passar a ter uma visão mais construtiva do que deve ser o nosso Futuro como País.
É muito fácil agora pegar no Euro e erguê-lo como bode expiatório.
Como foi fácil dizer que a Europa nos traria o Desenvolvimento que o Fascismo sempre nos negara. Não foi?
O Júlio de Matos parte do princípio de que a Alemanha (e outros) não beneficiou da abertura dos mercados dos países do Sul,vê apenas ingenuamente o lado dos fundos comunitários como "impostos alemãs". Por outro lado, considera que haver políticas europeias a sério nas áreas de ambiente e afins (energia, transportes) e outras (emprego, etc.) são o lado "bem bom".
Está enganado, caro José M. Sousa, não parto de princípios nenhuns, constato apenas o óbvio:
- o que a Alemanha lucrou com a entrada dos Países do Sul no Euro é importante, sem dúvida, mas muitíssimo mais importante foi, para aqueles - falo sobretudo de Portugal -, o afluxo descomunal de verbas comunitárias ao longo de décadas, que transformaram de facto o nível de vida dos seus Povos e que o José M. Sousa me parece estar a ignorar, ou no mínimo a desvalorizar;
- a existência de políticas europeias do "bem bom" (Energia, Emprego, Ambiente, Transportes, etc.), que todos obviamente desejamos, tem custos económicos e tem de ser fruto também de superavits orçamentais, não apenas da boa-vontade política, ou ideológica, ou do bom-samaritanismo dos Povos do Norte!
Porque tudo o que possuem hoje - Estado Social, Paz, Desenvolvimento económico e social - lhes saíu do pêlo, não caíu do céu.
Sem o seu esforço, bem podia o bom do Marshall ter planeado...
A sério, não me diga?! Pois então a Alemanha não teve um colossal perdão de dívida nos anos 50? Além disso gostava de ver uma análise comparativa do que ganhámos com os fundos europeus - que induziram em nmuitos casos investimentos desnecessários - versus o que perdemos oom a abertura dos mercados. Essa tendência moralista de achar que a corrupção só existe a Sul e que somos uns maus comportados, ignorando factores que têm a ver com incentivos (afluxo de capitais do Norte que permitiram juros muito baixos; disponibilidade de fundos europeus para certas áreas, mas não para outras (habitação, por exemplo) que induziram "investimentos" aberrantes (p. ex. praias artificais na Madeira) mas aprovados por Bruxelas, note-se). Ou seja, sem alterar estruturas (publicidade, economia de mercado, etc.) esperava-se que os portugueses se comportam-se como ascetas.
Ainda sobre isto dos moralismos e integrações monetárias, imagine-se que os Bávaros queixam-se dos Berlinenses!
Se o José M. Sousa não sabe o que ganhámos com os fundos europeus, então fique sabendo que não sabemesmo nada de nada...
Aliás, nota-se bem, por várias razões, que já não conheceu o Portugal dos anos setenta e princípios de oitenta.
Continue assim, ignorante e convencido, que aqui já não posso fazer mais nada por si.
Navegue pela "internet" e vá-se divertindo...
Conheci a Madeira dos anos 80, se quer saber. E em nada isso altera a minha posição sobre os fundos comunitários.Antes pelo contrário. Não faço comentários quanto ao resto.
Caso ainda esteja alguém nesta discussão: encontrei comentários de alemães em relação a este cartaz. O mais engraçado era este: "se eu quisesse visitar os meus impostos, ia a Frankfurt". Também falaram de um documentário de um jornalista alemão que passou na ARTE - em francês:
http://youtu.be/CdZwnA83Qm4
José M. Sousa, só um pequeno apontamento sobre o colossal perdão da dívida alemã nos anos 50: o governo alemão reduziu a dívida interna praticamente a zero (quer dizer: os credores alemães perderam praticamente tudo) - esse "perdão colossal" foi apenas da dívida aos credores estrangeiros. Lembro que quando se falou em cortar 10% dos depósitos bancários no Chipre para ajudar a salvar os bancos, houve um coro de protestos por causa dos velhinhos cipriotas. E era apenas 10%.
Quando se fala do perdão da dívida à Alemanha convém saber que o governo começou por sacrificar duramente os alemães, e ter também em conta o estado em que estava o país e a sua economia no fim da guerra (já agora, referir também o plano Morgenthau, que previa - e em parte levou a cabo - o desmantelamento de boa parte da indústria alemã).
Em suma: se é para falar do que aconteceu na Alemanha nos anos 50, falemos de tudo o que aconteceu na Alemanha nos anos 50, e não apenas das parangonas que chegam a Portugal (por sinal, com vários anos de atraso - os jornais alemães já falaram disso na altura em que se andava a discutir o perdão de metade da dívida grega, que acabou por ser um perdão de quase 70% dessa dívida, se considerarmos também a redução dos juros).
Helena,
Não se trata de parangonas que chegam a Portugal:
Der Spiegel, entrevistando hostoriador alemão 'Germany Was Biggest Debt Transgressor of 20th Century'
Germany, Greece and the Marshall Plan
The Marshall Plan and the Debt Agreement on German debt
Quanto ao Plano Morgenthau praticamente não teve consequências de maior.
Em relação a
«quer dizer: os credores alemães perderam praticamente tudo»
Bom, mas isso quer dizer que houve devedores alemães que beneficiaram, portanto ficou entre eles. De qualquer modo, essa foi a condição que permitiu à Alemanha prosperar. É precisamente esse o ponto quando se fala da nossa dívida.
Parece-me que o valor de corte da dívida grega em 70% não tem fundamento. Porventura são os alemães que estão a ser vítimas de propaganda.
Greece doesn't need yet another 'rescue' package – it needs a way out
Por outro lado Double Standards: Greek-Style Austerity Would Be Hell for Germans
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