quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O fardo e a farsa


A devastação e desagregação da sociedade portuguesa são evidentes e terríveis. Mas mesmo em termos estritamente macroeconómicos, o programa de “ajustamento” implementado pelo governo e pela troika tem sido, pura e simplesmente, uma calamidade. Nos dois anos de implementação do Memorando, a dívida pública passou de 107% para 132% do PIB (ou 123%, descontando os depósitos da administração central). O PIB caiu 5,4%. O desemprego oficial aumentou de 13% para 17%. O investimento caiu cerca de 20%, mesmo contando com a efémera recuperação no último trimestre. A redução do défice externo deveu-se quase exclusivamente à recessão e depende da eternização desta para ser sustentável. E a dívida externa líquida aumentou de 106% para cerca de 123% do PIB.

Foi sempre óbvio que assim seria. Como qualquer economista minimamente capaz sabe, a tentativa de desalavancagem simultânea por parte de todos os sectores da economia (famílias, empresas e Estado) não produz outra coisa que não recessão – e, em termos agregados, impede a redução do fardo real do endividamento de cada um desses sectores. Perante uma situação de sobreendividamento da economia como um todo, a austeridade nunca resolve o problema – apenas o agrava.

Portugal vive hoje uma situação aparentemente paradoxal em que os défices públicos substanciais nada fazem para estimular a economia, pois destinam-se unicamente a pagar juros sobre a dívida pública, sendo na sua vasta maioria canalizados para fora do país – o mesmo sucedendo com o serviço da dívida privada. Tudo isto com o objectivo único de adiar a inevitável reestruturação, de modo a que o governo tenha mais tempo para prosseguir a sua agenda neoliberal e para que se complete a ‘grande substituição’ da titularidade da dívida pública portuguesa, a fim de que a factura da reestruturação seja paga pelos contribuintes europeus e não pelo sector financeiro.

Um governo a sério estaria a negociar a forma de remover este fardo. Este governo, fingindo negociar, não faz mais do que encenar uma farsa.

3 comentários:

Henrique da Luz disse...

Preparem-se realistas! Os ventos não irão mudar com se de um Mistral se tratasse, mas que a narrativa única está prestes a ser vergada pela fatal força do tempo, ai isso parece estar.
Amigos, não abdiquem de apontar o dedo aos vira-casacas que porvirão( e aí dos que tenham assento em cadeiras de Academia);Que sim, que mais do que um anuir, lhes é obrigatório um retratar, e público!
Inconsequentes e timoratos, como o espúrio Celine lhes chamaria(num contexto deprimente mas não surreal): piolhos!

Anónimo disse...

Ainda estou à espera do dia em que o Alexandre Abreu seja entrevistado em directo em horário nobre para os portugueses ouvirem o que tem a dizer!

Carlos disse...

Não é que seja a única coisa a fazer, ou que baste fazer isso e não fazer nada mais a seguir. Mas sair do Euro parece-me fundamental, para a seguir se renunciar a toda a construção do Mercado Único que foi feita a partir de Maastricht (quer dizer, já antes). E vem depois tb a nacionalização de tudo o que há quase 30 anos vem sendo privatizado para se cumprir os parâmetros de entrada no Euro, e hoje em dia devido à Troika; o que inclui tb a nacionalização da Banca, e o fim da propriedade privada de, pelo menos, tudo o que seja considerado importante ou que constitua monopólios. Um longo processo de revolução permanente nos seus vários sentidos. Mas trazer para o debate a saída do Euro parece-me fundamental; e aí há que não criar obstáculos a mais e aproveitar todas as correntes que apoiam essa mesma saída juntamente com o controle de capitais e a nacionalização da Banca. E o Conflito Social, dito Luta de Classes, claro! Essencial!