Como era previsível, a política de austeridade fracassou. A programada
recessão produziu uma dramática quebra nas receitas dos impostos, de tal
ordem que o governo teve de admitir a necessidade de novas medidas de
austeridade para não se afastar dos compromissos do Memorando. No
entanto, vai adiar a decisão tanto quanto puder porque espera uma esmola
da Alemanha, o alargamento do prazo para a redução do défice.
Entretanto, a falência de um grande número de empresas, o desemprego de
massa, a queda na pobreza de uma parte da classe média, a fome
dissimulada e o desespero de inúmeras famílias que deixaram de pagar os
empréstimos, tudo isto foi uma devastação económica e social inútil,
infelizmente sem fim à vista.
Agora, também é preciso dizer que o fracasso da austeridade põe em causa a reputação dos economistas que durante o último ano defenderam a estratégia do Memorando. Porque se comprometeram com uma política económica errada e deram a sua caução intelectual e moral ao desastre que atingiu o País. E não podem dizer-se surpreendidos com a situação a que chegámos porque as suas teorias económicas são há muito tempo contestadas por outras escolas de pensamento e, no terreno, esta política já tinha sido posta em causa pelos fracassos da intervenção do FMI em anteriores crises financeiras. Como seria de esperar, estes economistas permanecem em palco e sempre dirão que a política não falhou, apenas precisa de mais tempo, mais uma década para que se vejam os efeitos das reformas estruturais.
Nos próximos dias, os analistas do costume virão dizer-nos que a UE finalmente decidiu promover o crescimento económico com um programa de investimento de 130 mil milhões de euros. Mas esquecer-se-ão de dizer que um futuro empréstimo do BEI, normalmente distribuído em retalho pela banca, sujeitará os projectos de investimento à sua análise de risco e a prestação de garantias. Porém, com uma procura interna deprimida, com uma recessão a instalar-se na Europa, com a incerteza gerada pelo arrastamento da crise e com as tensões políticas que se avolumam na zona euro, quantas empresas esperam fazer bons negócios nos próximos anos para pagar novo endividamento? E quantas empresas estão em condições de apresentar garantias que os bancos aceitem?
É possível que a austeridade venha a ser aliviada nos países sob tutela e que novos fundos para investimento possam ficar disponíveis dentro de alguns meses. Mesmo assim, os juros da dívida de Espanha e de Itália manter-se-ão insustentáveis. E a razão é simples. Os especuladores sabem que as propostas de criação de euro-obrigações, de garantia conjunta dos depósitos bancários, de criação de um fundo de amortização da dívida excessiva, a transformação do BCE num verdadeiro banco central e a colocação dos orçamentos nacionais sob tutela de Bruxelas não serão aprovados por vários parlamentos nacionais, a começar pelo Bundestag. No fundo, eles sabem que as hesitações de Merkel são insanáveis porque se devem ao temor de uma intervenção preventiva do Tribunal Constitucional alemão. A superação das inconstitucionalidades obrigaria a um referendo que ninguém quer convocar porque é crescente o número de eleitores alemães que associa, e com razão, o euro a salários baixos, recuo do Estado Providência e um imenso e crescente volume de dívidas que a Alemanha terá de pagar. Na Holanda, um país que sempre apoiou Merkel, a tendência é igual.
Acossada pelos mercados, crescentemente repudiada pelos cidadãos, a zona euro tem os dias contados. Infelizmente, o povo português não teve acesso a informação séria e plural sobre o que se avizinha.
(O meu artigo no jornal i)
5 comentários:
não é mais uma é A cimeira
é a cimeira para acabar com todas as cimeiras
É a mãe e o pai-de-santo de todas as cimeiras e cimérios.
Dá-se bem em todos os cemitérios.
Excepto na Acrópole.
Pois, mais uma cimeira, mais um sucesso…Tem sido sempre assim, de aparências. Há pelo menos quatro anos que andamos a viver de simulacros. A realidade é outra: “uma procura interna deprimida, uma recessão a instalar-se na Europa, a incerteza gerada pelo arrastamento da crise e com as tensões políticas que se avolumam na zona euro…”
Isto supondo que é tudo rapaziada séria e que a «crise financeira» é um acontecimento natural, tal como terramoto ou um furacão. Mas talvez não seja assim:
Fernando Madrinha - Jornal Expresso de 1/9/2007: [...] «Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles. [...] os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais.» [...]
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