sexta-feira, 29 de junho de 2012

Escolhas ideológicas


No debate parlamentar da passada quarta-feira, em que se discutia a preparação da cimeira que está a decorrer em Bruxelas, António José Seguro sugeriu que o governo levasse consigo a proposta de os Estados se poderem financiar a 1% junto do BCE, beneficiando assim - em pé de igualdade - dos juros oferecidos ao sistema bancário por aquela instituição (e que este eleva para taxas bastante superiores quando empresta esse dinheiro aos Estados). Seguro referiu o impacto das poupanças que essa proposta comportaria para as finanças públicas portuguesas e para o próprio défice, estimando que os encargos com a dívida pública desceriam dos 7,3 mil milhões para cerca de 2 mil milhões de euros. Isto é, uma poupança de cerca de 5,3 mil milhões de euros (equivalente a dois subsídios aos funcionários públicos e pensionistas ou cerca de cinco vezes o montante que o governo se vangloria de já ter cortado nos «gastos» com saúde).

Na resposta, Passos Coelho reiterou a ideia de que «o BCE é talvez a instituição da União Europeia com mais credibilidade em momentos tão críticos como o que atravessamos», insinuando assim que a alteração proposta conduziria a uma «descredibilização do seu papel», susceptível de conduzir ao «fim do euro». Isto é, segundo Passos Coelho e o dogma neoliberal ainda reinante, o BCE é credível porque favorece o empréstimo aos bancos e deixaria de o ser se passasse a oferecer aos Estados as mesmas condições de financiamento.

Esta resposta é bem elucidativa do juízo político e ideológico em que o Banco Central Europeu se encontra aprisionado, e que se tenta cinicamente dissimular com a camuflagem retórica da sua suposta «independência». Trata-se, de facto, de estabelecer que os Estados não são credores da mesma confiança que se deposita no sistema bancário, a partir dos mitos que persistem quando à suposta racionalidade e eficiência deste sistema. E, ao mesmo tempo, transmite-se a convicção de que cabe unicamente ao sistema bancário - e não ao Estado e às políticas públicas - revitalizar a economia.

Para além de esta escolha ideológica (no tratamento diferencial que é concedido pelo BCE aos Estados e à banca) carecer manifestamente de fundamento teórico e de demonstração empírica (a realidade, aliás, tem vindo a contradizer de modo sucessivo esse famigerado dogma), confia-se declaradamente que a saída da crise apenas se possa fazer através de quem a provocou. Isto é, mantendo praticamente inalterado o modelo de desregulação e financeirização da economia que esteve na sua génese, com os belos resultados que estão à vista de todos.

4 comentários:

Luís disse...

Nuno,

a questão do peso dos juros da dívida pública é mais essencial do que parece. Uma medida nova, no sentido proposto por Seguro, é inescapável ao equilíbrio do balanço das contas do Estado. A breve trecho a ideologia falhará, com o falhanço ele mesmo do objectivo proposto, como falhou sucessivamente na Grécia. (isto é, o falhanço da política que está a ser executada com o fim de equilibrar o défice). Défice é sem dúvida uma palavra feia.

A proposta de Seguro só peca por conservadora e a poupança já assim é brutal. Em tempos extraordinários, medidas extraordinárias.

A dívida dos Estados insolventes (Grécia e Portugal, pelo menos...)deve ser toda ela trocada de uma só vez junto do BCE. Explicando, o BCE deve comprar (pela pura impressão de valor) toda a dívida já emitida por esses Estados e cobrar-lhe um juro que faça face somente ao custo administrativo + um peqeno prémio. Ao mesmo tempo, numa primeira fase, como parte do acordo (para evitar aplicaçoes desordenadas e epeculativas desse capital), emite o BCE ele mesmo títulos para absorver a liquidez dada aos bancos, a um juro até ao valor do custo administrativo + o pequeno prémio. Não fiz as contas. Mas deviamos ficar pouco acima do zero.

Qual a necessidade disto?
O mesmo discurso ideológico que se farta de proclamar a ineficiência da aplicação do capital via Estado (pelo menos na sua parte deficitária...), recusa-se ele mesmo a ser consequente e reconhecer a falência prática desse estado de coisas. O reconhecimento ideológico deve ser substituido pelo reconhecimento económico.

O défice deve ser equilibrado num acto só,com base em modelização iteractiva dos fluxos de rendimento-despesa. (qualquer dia dou uma cadeira sobre isto). Na melhor das hipóteses, e necessariamente a única, a circunstância ecónomica e financeira desses países, permitirá o equilibrio do défice com um crescimento perto de zero, mas já não recessão. Só assim se evitará a espiral recessiva. E deve ser esse o desígnio primeiro da política. Baseada na modelização certa dos fluxos de redimentos-despesa na economia. Não é impossível.

As medidas de crescimento é outra coisa. Outro artigo.

Mas mexer no peso da dívida dos juros no Estado não será suficiente. Um caminho é mexer também no peso da dívida dos particulares (familias e empresas) e efectuar uma transferência de indirecta de rendimento para o Estado. As novas emissões das principais empresas portuguesas para particulares àquelas taxas de juro são por isso absurdas. Mas lá chegaremos, um dia.

Conexo com tudo isto está o défice exterior corrente. Embora se projecte um equilibrio a breve trecho, eles será conseguido por um excedente na balança de bens e serviços e de um défice na balança de rendimentos (outra vez os juros..). Mas isto é mera projecção. Atingir tal equilibrio, sem um cataclismo maior ao nivel do desemprego, só será possível desonerando também a economia nacional do peso dos juros que paga ao exterior.

O economicamente essencial, o centro do argumento para estabilização da conjuntura: cortar nos juros em vez de noutras fontes de rendimento tem a dupla e necessária vantagem de induzir uma quebra mínima na procura interna (entre outras pq grande parte são pagos a economias externas e muito maiores), o outro não me estou agora a lembrar.

Como relançar a conjuntura já é uma história completamente diferente. Mas eurobonds é que não, por razões políticas, apesar das (fracas) razões económicas.

tempus fugit à pressa disse...

EMprestar aos estados a juros inferiores à inflação, como fizeram no curto prazo aos bancos e a médio prazo para saldarem os créditos contraídos a outra banka mais excedentária é uma bóptima ideia e já agora porque não a 0,5% e a prazos de 50 anos?

isso então desfazia a nossa dívida neste século

de certezinha que o curso foi tirado em coimbra?
parece mais na covilhã....
e no tempo do IUBI

Luís disse...

Synapismos...,

estou a ver que no essencial concorda com a ideia.

meirelesportuense disse...

O BCE favorece o crédito aos Bancos em detrimento do que oferece aos Estados porque se encontra do lado daqueles desde sempre...Os Estados são apenas agentes das suas políticas de rentabilização dos meios de que dispõem, se estes os acolhem bem e facilitam a vida, talvez pingue algum para os governantes, se não os olham como eles pretendem dificultam tudo para os poder substituir com o apoio dos povos, que são joguetes no meio disto tudo...É uma verdadeira comédia!
Quando estas últimas medidas foram anunciadas até pensei -alto os tipos cederam!- mas errado, o que eles concederam foi algo que sempre tiveram em vista, os 12 mil milhões postos de lado em Portugal isso confirmam...Agora talvez se compreenda melhor a renitência dos banqueiros portugueses ao acesso desses fundos, eram caros, por este novo processo as coisas ficam muito melhores para eles, é óbvio...O Governo tem os 12 Mil e vai ficar com eles na Reserva, como na canção do Variações: -"Porque o nosso amor, conserva"...