Antes de poder concluir (ver I, II e III) devo ainda lembrar que na nossa sociedade o acesso a alguns mercados é condicionado. O Estado estabelece muitas vezes quem pode e quem não pode oferecer serviços ou produtos, e mesmo quem pode e quem não pode adquiri-los com dinheiro. O caso de profissões como a medicina, a advocacia, o ensino… permite ilustrar este ponto com clareza. Não «vende» serviços de saúde ou assistência judiciária, quem quer. Há uma qualificação, sujeita a reconhecimento, que condiciona o exercício da profissão. E, nos casos que estão a servir de exemplo, há mesmo uma obrigação de pertença a uma ordem profissional e de adesão a um código deontológico. Será isto uma mera sobrevivência corporativa, sem nenhuma razão de ser, ou antes uma pré-condição da existência destes mercados?
O que há de particular nestes mercados que os torna diferentes do mercado municipal da minha terra? Distintos economistas contemporâneos como Arrow e Ackerlof falam a este propósito de «assimetria de informação». O meu médico ou o meu advogado sabem muito mais da minha saúde, ou da alhada em que me estou a meter, do que eu próprio. Se assim não fosse, eu nem sequer recorria aos seus serviços. E se recorro é na presunção de que: (a) têm as qualificações necessárias; (b) não vão manipular a minha ignorância em seu benefício. Saber que a qualificação é certificada ajuda-me a acreditar em (a). Saber que existe o juramento de Hipócrates, alivia a minha inquietação quanto a (b). Se eu deixar de confiar em (a) e em (b) pura e simplesmente deixo de recorrer a estes serviços especializados. Perspicaz como sempre Arrow notava: a troca depende da confiança. E a confiança é um bem que não pode ser adquirido no mercado – se tenho de a comprar já tenho dúvidas quanto ao que está a ser adquirido.
Enquanto consumidor também tenho de estar preparado para limitações de acesso (mais ou menos contestáveis). Quem pode e quem não pode comprar tabaco e bebidas alcoólicas? Quem pode e quem não pode comprar explosivos? Quem pode e quem não pode comprar armas de fogo?
Aos pontos de I, II e III venho portanto acrescentar (d): o acesso a alguns mercados é condicionado por um entendimento (sancionado pelo Estado) das capacidades requeridas para prover certos bens e serviços ou para os usar.
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2 comentários:
«E a confiança é um bem que não pode ser adquirido no mercado»
Não pode? Isso é que eu já ponho em causa. Porque é que o Estado é que pode ser o único a indicar confiança ou não? E se eu não confiar no Estado? Se eu achar que o Estado é incompetente, prepotente e impotente?
O mercado pode arranjar mecanismos para tentar graduar o grau de confiança deste ou daquele produtor. Empresas de certificação, por exemplo. Podem não ser infalíveis. Mas daí... o Estado também não é.
"E a confiança é um bem que não pode ser adquirido no mercado "
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A ideia inicial da marca era a de transmitir confiança. Quando os artesão marcavam (marcam) os seus produtos estavam a comunicar confiança.
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Li algures que era uma imposição das corporações da Idade Média a identificação do autor.
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A não identificação era uma porta aberta à colocação no mercado de produtos defeituosos. A experiência de compra de produtos defeituosos colocaria em risco o futuro de todos os outros artesãos, porque minaria a confiança dos compradores.
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Hoje em dia, os foruns na net são espectaculares fontes de informação e de troca de experiências dos consumidores.
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Considero estes seus artigos muito interessantes, porque partem do concreto, de reflexões sobre o que se vê num mercado.
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