terça-feira, 1 de julho de 2008

Acabar com engenharias mercantis e salvar o SNS

«O principal problema é que, enquanto o Estado está a financiar o sector privado, está a optar - porque os recursos são escassos - por não investir no sector público». O relatório anual do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), coordenado pelo economista Pedro Lopes Ferreira, é claro e o projecto do bloco neoliberal também: «Corremos o risco de ter um serviço público para os indigentes, como há alguns anos, enquanto a outra franja da população também não vai poder pagar muito» (Pedro Lopes Ferreira em declarações ao Público). É a mercadorização da saúde num país pobre e desigual. A alternativa ao actual estado de coisas também é clara: acabar com a expansão, politicamente promovida, do sector privado rentista, terminar progressivamente com todas as parcerias e convenções que o alimentaram e com a generalidade dos incentivos fiscais a seguros de saúde e outras despesas privadas, que só têm servido para incentivar a prejudicial fuga das classes médias. Os «recursos escassos» devem servir para promover a expansão da provisão pública e a melhoria continuada da sua qualidade, estancando também a ameaçadora fuga de muitos profissionais de saúde para o sector privado. A CGD, banco público, não deve ter participações e investimentos neste «negócio». A estratégia da esquerda socialista envolve assim uma luta sem quartel contra os grupos económicos que se expandem no sector à custa de todos. Dispomos dos instrumentos. Só falta a necessária vontade política.

25 comentários:

Anónimo disse...

Pessoalmente não concordo neste dictonomia Privado vs Publico, no entanto julgo que quando começaram a abrir este mercado deveriam ter tido o cuidado de ter ganhos com isto.

Por exemplo a obrigatoriedade de receberem qualquer urgência recebendo para tal um valor igual ao que custa no SNS, ou a proibir que os médicos possam ser privados e publicos ao mesmo tempo.

Julgo que a existência de concorrência só pode ser benéfica para o SNS.

Rui Moreira disse...

Não sou anti-privatizações, mas considero este texto totalmente correcto e neste caso, o investimento deve ser canalizado para o sistema público.

F. Penim Redondo disse...

Os que defendem o “Estado Social”, e pensam estar a praticar a forma mais genuína de militância de esquerda “à Robin dos Bosques”, não percebem que, ao fazê-lo, perpetuam a dependência de um capitalismo forte cujo funcionamento produza os lucros, os salários e os impostos com que se paga o SNS, as Pensões de Reforma, a Escola Pública e uma série de outras coisas com maior ou menor utilidade.
Procedem como quem engorda um porco, neste caso o capitalismo, mas sem nunca chegar a matá-lo; limitam-se a ir cortando umas febras para enganar o estômago.

Uma coisa é pensar-se, com razão, que os ricos se apropriam dos excedentes do sistema e que tudo fazem para manter o status quo; outra, bem diferente e que não convém confundir com a anterior, é pensar-se que para acabar com a pobreza basta repartir os pertences dos ricos.

Uma transformação profunda e sustentável da sociedade humana, com acesso a patamares económicos mais elevados para a generalidade dos cidadãos, só pode ser alcançada reinventando a organização social da produção e as relações de distribuição entre os seus agentes.
Ser de esquerda é acreditar, e procurar, uma sociedade muito mais justa e muito mais produtiva que não se baseie no trabalho assalariado e na empresa capitalista.

Anónimo disse...

A este respeito, a afirmação de Eric Maskin (co-vencedor do prémio Nobel da Economia de 2007), é sábia: "As sociedades não devem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos (...) O mercado não funciona muito bem quando se trata de bens públicos".

Também nunca jamais morri de amores pelo Estado… sobretudo daquele onde os homens se alapam ao poder, de que a História é fértil em exemplos; no entanto, algum Estado é necessário, Hoje e Agora, não há outra volta a dar.

João Dias disse...

Acho que já toda a gente percebeu o porquê do sistema de saúde público ser prioritário, é porque promove a coesão social e garante o acesso universal, portanto o paradigma entre público e privado faz todo o sentido. Cabe aos utentes e contribuintes lutar para que o sistema público não seja descapitalizado para financiar o sistema privado que, como sempre, é mais caro e serve para interesses demasiado pessoais para satisfazer critérios de serviço/bem público.

Quais são as contrapartidas para o utente relativas ao financiamento de sistemas privados? Como se pode equacionar a gestão para o lucro com acesso universal?
Porquê que o contribuinte há-de de contribuir para o lucro de um hospital privado e não antes para garantir o acesso universal a cuidados de saúde? E porquê ser utilizador-pagador de serviços de saúde quando se pode ser contribuinte-solidário? Não ficou já claro que a sociedade quando coopera entre si tem muito melhores resultados?

Anónimo disse...

"Não ficou já claro que a sociedade quando coopera entre si tem muito melhores resultados?"

Julgo que sim.

Mas ainda não percebi bem esta questão. Em que medida é que o sector publico financia o privado?

Anónimo disse...

A única forma de o SNS sobreviver é tornando-se mais eficiente. Os desperdícios nos hospitais e sobretudo os privilégios excessivos dos médicos têm de terminar. Se isto acontecer, de certo que o Estado não terá de recorrer ao sector privado para provisionar saúde aos seus cidadãos em tempo útil.

João Dias disse...

"Mas ainda não percebi bem esta questão. Em que medida é que o sector publico financia o privado?"

Existem vários mecanismos de financiar o sector privado de saúde, vou referir dois métodos:

- Método directo, o Estado financia o sector privado de saúde.

- O método indirecto.O Estado descapitaliza, desinveste e fecha sectores públicos de saúde, com este enfraquecimento do serviço público de saúde as classes médias e altas recorrem ao privado. Ou seja, diminuindo a qualidade ou até fechando os serviços públicos de saúde, a governação sabe que está a contribuir para aumentar a procura dos serviços privados.

Anónimo disse...

"«O sistema privado de saúde em Portugal continua, quase na sua totalidade, apenas a ser viável se financiado pelo Estado»,"

Li isto mas estamos a falar de subsidios?!? Concretamente o que é que estamos a falar?

Se forem subsidio poder-me-iam dizer onde é que posso ir buscar informação mais detalhada para poder escrever um artigo no meu blogue?

Quanto à indirecta existem a meu ver mais (corrijam-me se estiver enganado):

- incentivos fiscais aos seguros de saúde (não tenho a certeza deste);

- formação dos médicos;

- Poucas escolas de medicina.

São apenas alguns do que me lembro. No entanto julgo que deverá continuar a existir privados já que acabam por suplantar deficiências que existem no Estado. O que eu queria reforçar é que sou contra o monopólio do Estado no sector de saúde.

P.S. Normalmente quem é mais à direita gosta muito da formula utilizador-pagador (prefiro é obvio o de contribuinte-solidário), então que tal utilizar essa formula também na formação (utilizam mão-de-obra qualificada formada pelo Estado então têm de pagar essa formação)?

F. Penim Redondo disse...

Esta discussão é um bocado bizarra.

Mesmo antes de haver a "moda" dos privados na saúde, por exemplo em 2002, já o SNS gastava cerca de 54% do seu orçamento com fornecimentos de produtos e serviços feitos por empresas privadas (medicamentos- 2195 milhões de euros, exames de diagnóstico e terapeutica - 578 milhões de euros, etc.)

44% foram gastos em custos com pessoal.

Portanto a saúde há muito que é um enorme negócio para as empresas privadas e para muitos médicos que se comportam como se o fossem pois têm interesses cruzados com as empresas.

Por isso é um bocado caricato falar da oposição púbico-privado no campo da saúde.

João Dias disse...

F. Penim Redondo:

Se estava mal, então agora está pior.

E repare que falamos do serviço nacional de saúde, se o Estado já presta esse serviços de cuidado de saúde, porque razão há-de subsidiar outros serviços equivalentes? Uma coisa é o Estado adquirir medicamentos, equipamentos e pagar serviços que este não preste (TACs..etc), outra coisa bem diferente é subsidiar serviços privados equivalentes.

Além de mais, eu defendo que o Estado deve ser produtor de bens essenciais, ou seja não acho que o Estado deva produzir telemóveis, mas medicamentos devia produzir, porque era a forma segura de garantir que os doentes tinham acesso garantido e a preços controlados aos medicamentos que precisavam, além de acabar com a promiscuidade entre farmácias e médicos em termos de prescrição de medicamentos.

Além disso sabe que os serviços privados funcionam na lógica utilizador-pagador e o público na lógica "contribuinte-solidário", ora com estas lógicas diferentes em questão, acha que não faz sentido falar em dicotomia público e privado?

F. Penim Redondo disse...

O Serviço Nacional de Saúde, que leva a fatia de leão do Orçamento de Estado (pago maioritáriamente pela classe média) constitui um enorme mecanismo de drenagem de recursos para as empresas privadas e para certas classes profissionais.

Tem enormes ineficiências, enormes desperdícios, custa muito mais do que devia custar. Os fabricantes de medicamentos e exames de diagnóstico,as farmácias e outros serviços médicos definem os preços como querem e constituem alguns dos mais rentáveis negócios do capitalismo.

A propalada universalidade existe não por humanitarismo mas para garantir um fluxo imenso na procura dos serviços médicos.
Por isso todas as tentativas de optimizar, racionalizar ou gerir competentemente são ferozmente combatidas.

Um milhão e oitocentos mil portugueses pagam seguros de saúde depois de terem pago os impostos que, em teoria, lhes deviam grantir o acesso gratuito aos serviços médicos.

Apesar de tudo isto, talvez por tudo isto, existem "filas de espera" para as cirurgias e tratamentos como a escandalosa situação da oftalmologia.

Muitos médicos só são funcionários públicos, no SNS, para garantirem as reformas do Estado e para poderem tratar, de dentro do sistema, os seus interesses privados.
As diversas corporações do sector mantêm o ministério em permanente defensiva, e se algum ministro os belisca arranjam maneira de o demitir.

Em suma, esta dicotomia público-privado não é tão inocente como a pintam, tem por trás interesses muito grandes.
O SNS não é o paraíso de solidariedade e altruísmo que nos querem fazer crer. Serve interesses que só remotamente, ou indirectamente, estão preocupados com as necessidades dos cidadãos doentes.

Anónimo disse...

Caro F. Penim Redondo,

As criticas que apontou em nada beliscam o modelo do S.N.S. São criticas à gestão e não ao modelo. E os problemas de gestão mudam-se sem mudar o modelo.

Não sei se é a favor ou contra, mas muitas vezes vejo pessoas atacar o Estado, criticando a sua gestão para assim tentar mudar o modelo (tem sido a principal estratégia de sectores liberais), mas julgo que isso é apenas uma desonestidade intelectual.

O modelo de SNS é um modelo baseado na solidariedade, que eu defendo fortemente. Abdicar deste valor é a meu ver um retrocesso civilizacional enorme, é uma perda que afectará em muito o bem-estar das populações.

E posso dizer que poderia ter todos os motivos para defender o oposto, pois numa visão "egoista" tinha muito a ganhar. Afinal eu pertenço a essa classe média que sustenta esse serviço e dada a minha idade raramente utilizo o SNS. No entanto, loucura das loucuras, eu defendo afincadamente um SNS, e Porquê? Porque valorizo duas coisas, a consciência de que vivemos numa sociedade em que independentemente do seu nível económico uma pessoa não morre por não ter dinheiro para um seguro de saúde, e (aqui numa visão mais self interest) que, embora esteja neste momento no lado positivo da estatistica, se tiver um problema grave da saúde sei que vou ser tratado (melhor ou pior, mas mesmo assim ser tratado). Esta é talvez o modelo mais humano que existe.

E no final, saber que vivo nessa sociedade deixa-me mais feliz!

Quanto aos problemas que o SNS, julgo que chegou a altura do pragmatismo. Todos os problemas que apontou podem e devem ser resolvidos.

"Os fabricantes de medicamentos e exames de diagnóstico,as farmácias e outros serviços médicos definem os preços como querem e constituem alguns dos mais rentáveis negócios do capitalismo."

Aqui concordo com o João Dias, podemos ser produtores (Aliás nesta visão de Estado-produtor até tenho uma visão menos restritiva, pois julgo que o Estado também pode, e se calhar deve, ser produtor de bens não-essenciais) de medicamentos.

"Um milhão e oitocentos mil portugueses pagam seguros de saúde depois de terem pago os impostos que, em teoria, lhes deviam grantir o acesso gratuito aos serviços médicos."

Primeiro ainda bem que pagam pois significa que têm essa opção e liberdade. Segundo, muitos embora tenham seguro de saude alguns acabam por não o usufruir, querem apenas uma segurança. Por ultimo os seus impostos servem para garantir o SNS para os próprios e para os outros (daí a palavra solidariedade).

"Apesar de tudo isto, talvez por tudo isto, existem "filas de espera" para as cirurgias e tratamentos como a escandalosa situação da oftalmologia."

O SNS tem uma procura (em quantidade e tipo) completamente diferente dos privados, no entanto as "filas de espera" também acontecem nos privados, algumas com mais de 6 meses.

"Muitos médicos só são funcionários públicos, no SNS, para garantirem as reformas do Estado e para poderem tratar, de dentro do sistema, os seus interesses privados."

É verdade, triste e pouco ético. Julgo que seria benéfico se os médicos fossem obrigados à exclusividade.

Ou seja, há muito para ser feito no SNS, sem que tal signifique terminar com o SNS ou com os privados. No entanto existe uma coisa que tem de mudar e que é o mais importante de tudo - a educação e cultura. Sem isso qualquer "solução" está condenada ao falhanço, sendo que o máximo que podemos aspirar é a um modelo (quer seja liberal ou social) mediocre, mas isso já é tema de uma outra conversa.

Anónimo disse...

P.S. Apenas para dizer que escrevi um artigo no meu blogue com link para este artigo sobre SNS vs Seguros de Saude.

João Dias disse...

Stran:
"podemos ser produtores (Aliás nesta visão de Estado-produtor até tenho uma visão menos restritiva, pois julgo que o Estado também pode, e se calhar deve, ser produtor de bens não-essenciais) de medicamentos."

Pois, eu também não tenho restrições, mas quem me dera a mim que o Estado produzisse pelo menos os essenciais...quem me/nos dera.

"Gostava de perceber" a lógica de F. Penim Redondo, aponta coisas que estão mal, e até posso subscrever algumas das apontadas, mas quando chega à conclusão dispara ao lado.
Então mas se crítica, então que propõe? Sejamos claros.

"O Serviço Nacional de Saúde, que leva a fatia de leão do Orçamento de Estado (pago maioritáriamente pela classe média) constitui um enorme mecanismo de drenagem de recursos para as empresas privadas e para certas classes profissionais."

Já apontámos solução para isso, junte-se a nós na luta pelo SNS, se o Estado se tornar produtor a sua dependência do sector privado fica a nível zero. Vincule-se os médicos com o serviço público, quem serve o público não serve o privado, acabe-se com o estrangulamento no acesso universitário...
Quem defende o SNS não defende os seus vícios, defende aquilo que está correcto, e isso é o acesso universal.


"A propalada universalidade existe não por humanitarismo mas para garantir um fluxo imenso na procura dos serviços médicos."

Não adianta apelar a sentimentos mesquinhos, aqui discute-se política com dimensão ética e com rigor, o plano das intenções e da "teoria da acção humana" é o plano da especulação. Agora explique-me lá melhor o seguinte:
quer dizer que se não houvesse universalidade no acesso a procura diminuía, ou seja, os pacientes são na realidades clientes que quando lhes apetece (lhes dá na gana) vão aos serviços de urgência dos hospitais e aos SAP's. Sejamos sérios...

"Tem enormes ineficiências, enormes desperdícios, custa muito mais do que devia custar. Os fabricantes de medicamentos e exames de diagnóstico,as farmácias e outros serviços médicos definem os preços como querem e constituem alguns dos mais rentáveis negócios do capitalismo."

Solução:
Estado produtor.

"Um milhão e oitocentos mil portugueses pagam seguros de saúde depois de terem pago os impostos que, em teoria, lhes deviam grantir o acesso gratuito aos serviços médicos."

Não sei porquê, desconfio que esses 1 milhão e oitocentos não são pobrezinhos...é o meu dedo mindinho a adivinhar.
E quem disse que pagam seguros de saúde porque não são garantidos os serviços de saúde gratuitos, tem dados que comprovem isso?

"Em suma, esta dicotomia público-privado não é tão inocente como a pintam, tem por trás interesses muito grandes.
O SNS não é o paraíso de solidariedade e altruísmo que nos querem fazer crer. Serve interesses que só remotamente, ou indirectamente, estão preocupados com as necessidades dos cidadãos doentes."


Pois, pode ter a certeza que a dicotomia não é inocente, no público podemos sempre participar na gestão dos serviços de saúde, no privado não...

Já que critica SNS tendo sempre como pano de fundo os interesses privados, qual é a sua solução? Entregar tudo aos privados porque assim não usam o público para beneficiar os seus sistemas privados? Sabe, é que ao saber as soluções que tem em mente pode sempre ajudar a explicar o seu discurso paradoxal de descredibilização do SNS baseado no problema dos interesses privados. Desculpe que lhe diga, mas a sua ladainha já é velha, é originária do sector de direita que detectando interesses corporativos depois reforça-os desmantelando as organizações públicas e democráticas. Mas já estou velho para cair nessa, e suspeito que os portugueses em geral também.

Anónimo disse...

"...mas quem me dera a mim que o Estado produzisse pelo menos os essenciais...quem me/nos dera."

Concordo a 100%. Mas espero ainda estar vivo para ver essa realidade...

"...aponta coisas que estão mal, e até posso subscrever algumas das apontadas, mas quando chega à conclusão dispara ao lado.
Então mas se crítica, então que propõe?"

Julgo que isto é uma ineficiência de todos os blogues. Posso sugerir uma ideia: Que tal criar um blogue só com esse fim?
- Determinar concretamente um problema que existe;
- Discutir-se uma solução concreta;
- Compor-se um texto/lei com a solução;
- levar aos organismos competentes.

Julgo que seria interessante pois embora existam muitas soluções apontadas nos blogues, elas são normalmente vagas e teoricas.

João Dias disse...

Stran:

""...aponta coisas que estão mal, e até posso subscrever algumas das apontadas, mas quando chega à conclusão dispara ao lado.
Então mas se crítica, então que propõe?""


Isto que eu disse já era uma crítica ao comentário de F. Penim Redondo, não sei se isso ficou claro???

Stran disse...

"...não sei se isso ficou claro???"

Ficou, e como é que consigo explicar isto, embora coloquei duas coisas no mesmo prato (o que F. Penim Redondo e o que acho que acontece nos blogues), não são a mesma situação.

O que queria transmitir é que nós, e aqui dou mais o meu exemplo, acabamos por cometer um erro semelhante. Não é tanto o de não apontar uma solução (este blogue nesse sentido é acima da média, já não posso dizer o mesmo do meu) mas a solução ser abstracta.

Por exemplo indicas a solução de Estado Produtor, que também concordo, no entanto (e como é obvio nunca poderia ser feito num blogue deste tipo) falta saber:

- que artigos da lei teria de ser criados/modificados;
- quais as formas de criação dessa empresa estatal produtora;
- qual o investimento necessário e onde ir buscar esse dinheiro;
- etc...

São tudo "pormenores" que não interessam em termos de blogues iguais ao que vocês têm aqui, mas que seria interessante ser criado um especifico com esse objectivo, de forma a que a "sociedade civil"/blogues pudessem participar na vida politica sem terem que estar vinculadas a um partido ou movimento.

Finalmente gostaria de pedir desculpa porque devia ter sido mais claro e julgo que acabei por dar imagem errada de estar a devolver o mesmo tipo de critica que efecuaste ao F. Penim Redondo.

Mais uma vez desculpa...

F. Penim Redondo disse...

Caros amigos,

convém focar de novo a discussão.

As minhas intervenções destinavam-se a explicar porque penso que a questão "público-privado" não é a questão essencial. Em primeiro lugar porque o sistema público está, ele próprio, colonizado pelos privados.
De certa forma esta discussão é essencialmente travada entre os interesses privados que já estavam instalados no SNS e os interesses privados que se estão a instalar agora através, por exemplo, da rede de hospitais privados.

Eu conheço há 45 anos a cartilha que move os defensores do SNS; para eles "público" é o oposto de egoista, interesseiro, capitalista.
O diabo é que estas fórmulas abstractas escondem muitas vezes contradições insanáveis.

Quais são então os problemas essenciais do SNS ?

1. as políticas adoptadas têm realmente como objectivo o "bem comum" ?
2. admitindo que as políticas são correctas como garantir que os métodos de controle e gestão conseguem os melhores resultados com os menores custos ?

Quanto à pergunta 1. todos sabemos como as vicissitudes políticas estão longe de nos garantir uma resposta satisfatória. Como dizia alguém o Estado existe como expressão de uma realidade social determinada. Ao contrário do que já foi afirmado neste debate nós, os cidadãos, temos muito pouca influência na forma como as políticas de saúde são implementadas.
Eu até nem me importava que os meus impostos fossem para o SNS se o que eu pago resultasse numa efectiva prestação aos doentes em vez de, na sua maior parte, alimentarem as empresas e as burocracias.

No que toca à pergunta 2. eu não acredito que o Estado tenha que produzir, ele próprio, os serviços de saúde. O Estado não produz comida apesar de a alimentação ser tão essencial aos cidadãos como a saúde. Ninguém imagina o Estado a construir estradas com os funcionários do Ministério das Obras Públicas. Ou aviões a jacto para equipar a TAP.

Os agentes do Estado têm que ter é honestidade, competência e força negocial para impor aos fornecedores as melhores condições de compra, para que os cidadãos tenham acesso aos serviços com o mínimo de dispêndio.

Hoje existe uma total falta de controle. Conheço directamente casos incríveis em que o mesmo exame é prescrito por vários médicos, pela simples razão de não saberem uns dos outros.
Com pessoas de idade é muito frequente receitar medicamentos a torto e a direito em vez de ter a paciência de as ouvir e tentar perceber de que se queixam e porquê.

Aqueles que querem salvar o SNS devem, em primeiro lugar, lutar para que ele seja gerido com regras e controle por forma a manter os custos suportáveis.
Se tal não for feito não teremos que esperar muito para assistir ao colapso da "universalidade tendencialmente gratuita" por impossibilidade prática de a pagar.

João Dias disse...

"No que toca à pergunta 2. eu não acredito que o Estado tenha que produzir, ele próprio, os serviços de saúde. O Estado não produz comida apesar de a alimentação ser tão essencial aos cidadãos como a saúde. Ninguém imagina o Estado a construir estradas com os funcionários do Ministério das Obras Públicas."

Primeiro, e a ser rigoroso, o Estado já produz serviços de saúde, não produz é equipamentos.
Então e o que impede o Estado de contratar o pessoal necessário para assegurar as estruturas de produção? Nada, rigorosamente nada. Se falamos num Estado produtor, é óbvio que isso implica uma reformulação e contratação de pessoal, agora que não haja dúvidas dos ganhos exponenciais para a sociedade em ter bens produzidos pelo Estado a custos controlados. Pessoalmente, eu preferia trabalhar para o Estado por menos dinheiro do que para o privado se soubesse que os produtos iriam ser vendidos a custos controlados...

Se a comida inflacionar de forma descontrolada acho que o Estado tem o dever, a obrigação de assegurar o acesso à alimentação. Se não quer regular preços que as estruturas produtivas privadas praticam, então ele próprio deve produzir os bens necessários a preços controlados.

Anónimo disse...

"1. as políticas adoptadas têm realmente como objectivo o "bem comum"?"

Grosso modo sim. Algumas são mal aplicadas outras inconsequentes. Não esquecer que grande parte das politicas são o modelo de SNS per si. Existem politicas pontuais ou de acerto que podem ser duvidosas, mas em grande medida elas não são a maioria.

"Ao contrário do que já foi afirmado neste debate nós, os cidadãos, temos muito pouca influência na forma como as políticas de saúde são implementadas."

Esta parece ser uma verdade inquestionável, no entanto não é, em rigor, verdade. Existe um grande desinteresse por parte das pessoas quanto à politica, logo não existindo esse interesse não exercem capacidade de influência. Os pouco que se interessam podem efectivamente por isso não sentir essa capacidade de influência (da mesma forma que numa empresa os pequenos accionistas não têm qualquer poder de influência per si).

No entanto tal não é verdade, os mecanismo de influenciar a acção politica são vários e entre petições, proposta de lei e o nosso próprio controlo, são várias as acções que se podem tomar para influenciar as politicas do SNS.

"Eu até nem me importava que os meus impostos fossem para o SNS se o que eu pago resultasse numa efectiva prestação aos doentes em vez de, na sua maior parte, alimentarem as empresas e as burocracias."
Esta é uma visão muito cínica deste assunto. O seu dinheiro vai em grande parte para a "efectiva prestação aos doentes" e não como quer dar a ideia de que vai para "alimentarem as empresas e as burocracias".

Existem desperdicios que necessitam de ser eliminados, mas não é de todo a maioria. Nem que seja por uma análise simples:

Se o que afirma fosse verdade então significaria que mais de 50% dos oito mil milhões de euros são para "alimentarem as empresas e as burocracias". Agora responda-me, acha mesmo que você conseguiria reduzir 4.000.000.000 Eur e não afectar nem um pouco a operacionalidade do SNS?

Se sim por favor explique-me como é que o faria, estou curioso para ver esse milagre (Note se o conseguisse significaria que passariamos para deficit 0% ou mesmo superavit).

"2. admitindo que as políticas são correctas como garantir que os métodos de controle e gestão conseguem os melhores resultados com os menores custos ?"

O que acaba de afirmar chama-se eficiência, e se como a sua pergunta indicia, ela não pode existir no Estado, então tal é válido para qualquer modelo implementado no Estado, seja de Esquerda ou de Direita, seja Liberal ou Social-Democrata.

Portanto, o que me diz é: como é que conseguimos que exista um bom modelo de gestão?
Primeiro como é obvio com bons gestores, depois com controlo forte. Com incentivos à eficiência, com motivação dos recursos humanos e uma gestão eficiente dos mesmo. No fundo com uma boa gestão em tudo idêntica aos privados.
No fundo tem de colocar gestores em lugar de gestores, operacionais em lugar de operacionais.
Sei que esta resposta é vaga, mas teria-me que dar um problema concreto para poder ser mais especifico.

Esta é a minha àrea de conhecimentos (gestão) e o que aprendi tanto se aplica a Publico ou Privado. Uma boa gestão não depende do modelo (publico/Privado), mas da nossa capacidade de gerir.

"...eu não acredito que o Estado tenha que produzir, ele próprio, os serviços de saúde."

Mas se tiver essa capacidade era muito melhor. Aliás o mesmo é válido para todos os exemplos que deu. Mas a noção de Estado-produtor tinha que ter ambição e capacidade de exportação pois o nosso mercado é demasiado pequeno para conseguirmos ter vantagem competitiva perante muitas das multinacionais. Honestamente não consigo entender o que muda numa empresa se o accionista for o Estado ou se forem privados...

"Aqueles que querem salvar o SNS devem, em primeiro lugar, lutar para que ele seja gerido com regras e controle por forma a manter os custos suportáveis."

Isso é obvio e é identico para todos os sectores do Estado. A eficiência é importantíssima no Estado. Não é um fim em si, como algumas pessoas defendem. A eficiência per si não nos vale de nada (não é um valor/objectivo), mas definidos os objectivos a eficiência tem de estar presente em todas as nossas acções.

F. Penim Redondo disse...

Quem quiser perceber o que tem acontecido com o SNS e o que nos espera se não forem tomadas medidas deve ir a :

http://www.min-saude.pt/NR/rdonlyres/6BC1674D-DDDE-404D-806D-9088CB8085DC/0/Apresentacao24112006GastosSaudeOrcamentoSNS.pdf

F. Penim Redondo disse...

Correcção do comentario anterior

http://www.min-saude.pt/NR/rdonlyres/6BC1674D-DDDE-404D-806D-9088CB8085DC/0/Apresentacao24112006GastosSaudeOrcamentoSNS.pdf

Anónimo disse...

Meu caro F. Penim Redondo,

Julgo que seria interessante se me respondesse à questão levantada por mim...

P.S. Gostava que me explicasse também o que é que os gráficos estão relacionadas com a temática...

F. Penim Redondo disse...

Do Dn, 14.07.2008:


O fim demasiado rápido das listas de espera

E de repente, os hospitais puseram-se a mexer e a funcionar na área oftalmológica. Aquela em que, há apenas dois ou três meses, se apregoavam imensas listas de espera.

O mastodôntico Hospital de Santa Maria já faz consultas em 15 dias e as operações estão a ser marcadas, garantem, em não mais que três meses. Um dos seus administradores diz, também em defesa do Sistema Nacional de Saúde, que esta é a prova de que temos capacidade instalada.

Face a esta conclusão, as perguntas são óbvias. Porquê, então, deixar chegar o problema tão longe? Este e os outros todos, com listas de espera igualmente longas e com igual "capacidade instalada", suspeita-se? Todas as respostas possíveis passam por um desaproveitamento da "capacidade instalada".

Estas perguntas ganham também mais gravidade se tivermos em conta que este programa tão bem sucedido de fim das listas de espera está a custar mais 28 milhões de euros ao Estado - além do que custam já os hospitais. É preciso fazer mais uma leva de perguntas, a mais pequena das quais não é saber quanto nos estão a custar estas intervenções, e ter completa certeza de que não estariam a ser mais baratas quando feitas com acordos privados.

Algumas vezes as boas notícias podem, afinal, estar apenas a esconder más notícias.