quinta-feira, 17 de julho de 2008

Não se pode parar à porta das empresas II

Os teóricos socialistas não podem mais recusar-se a escrever «as receitas para as cozinhas do futuro». Ou, pelo menos, não podem recusar-se a tentar escrever rascunhos. Para quem quiser discutir e usar. Erik Olin Wright, importante sociólogo norte-americano, tem juntado, desde meados dos anos noventa, destacados economistas, sociólogos, cientistas políticos e filósofos em torno de temas que muitos gostariam de arredar da agenda académica e política: pensar em configurações institucionais que assegurem redistribuições igualitárias e eficientes dos activos da economia, formas de realizar objectivos socialistas em economias em que os mercados, moldados por novas regras, têm um lugar de relevo, formas de expandir a democracia e a participação a novos espaços, criação de mecanismos de controlo democrático do investimento. Utopias reais. E uma série de bons livros. Wright está agora a escrever um livro de síntese. Os rascunhos dos capítulos estão aqui.

Este livro, com os contributos centrais da minha dupla preferida de economistas – Samuel Bowles e Herbert Gintis – é um bom exemplo. Com muita economia pós-walrasiana à mistura (informação assimétrica e economia comportamental), argumentam que os famosos problemas do principal-agente (quem manda tem que gastar tempo e recursos a monitorizar, sempre de forma imperfeita, quem obedece) e das correspondentes «transacções contestadas», podem ser atenuados com uma redistribuição de activos. Eficiência e igualdade.

Eu e o José M. Castro Caldas tivemos uma ideia. Contrastar esta contribuição com as preocupações «socialistas-liberais» e morais de um dos últimos economistas políticos clássicos – John Stuart Mill – e com a sua defesa das virtudes da empresa democrática. Mill não se sai nada mal desta comparação. O resultado deste exercício é um artigo que está no sempre moroso processo de submissão a uma revista académica britânica de economia política. Se tudo correr bem, será publicado lá para o final de 2009. Entretanto, podem ler uma versão que saiu na oficina do CES.

Acho que temos algumas preocupações convergentes com os economistas libertários de esquerda. Por isso, talvez isto possa interessar, por exemplo, a Miguel Madeira, que é, tanto quanto leio, o mais consistente defensor desta linha na blogosfera. Como diz Boaventura de Sousa Santos: «temos de ter a infinita paciência de quem constrói utopias». Utopias como configurações realizáveis que ainda não existem ou que existem em embrião nos interstícios. Devemos usar algum engenho e alguma ciência para afastar utopias que não existem, nem nunca existirão, porque vivemos em sociedades humanas complexas e a hipótese da abundância torna tudo demasiado fácil...

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