Ao mesmo tempo que afirma que o “peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019, mas deve reduzir-se”, Centeno, reconhecendo que estamos numa “encruzilhada [que] traz maior aperto financeiro a famílias e empresas”, postula que a mitigação de riscos passa pelo “reforço da poupança e a redução do endividamento.”
Neste blogue já tratámos este paradoxo vezes sem conta. Aqui, ali e acolá, por exemplo.
Numa economia monetária de produção, como é o capitalismo, as receitas de uns são as despesas dos outros; superávites e défices também, logicamente. Assim sendo, o corolário é que o somatório dos saldos financeiros dos setores privado, setor público e externo (invertido) é sempre igual a zero. Sempre.
Se a poupança financeira do setor privado cresceu significativamente em 2009, num ano em que o país manteve grande parte do enorme défice externo do ano anterior, é porque a poupança do setor público teve uma evolução simétrica e decresceu quase no mesmo valor.
Se a poupança financeira do setor privado cresceu significativamente em 2020, num ano de saldo quase nulo do setor externo, é porque a poupança do setor público teve uma evolução simétrica, de sentido contrário.
Se a poupança financeira do setor privado caiu abruptamente em 2022, num ano de saldo externo só ligeiramente negativo, é porque a poupança do setor público aumentou praticamente na mesma proporção.
Se em 2023, na ausência de um milagre exportador, o Estado voltar a diminuir a sua despesa liquida, de facto o que está a fazer é diminuir a poupança do setor privado doméstico, setor este altamente endividado e confrontado com um acréscimo muito significativo da sua despesa com juros.
Isto a menos que o setor privado se recuse a aceitar a degradação do seu saldo e, reduzindo a sua despesa não financeira, provoque uma recessão.
De facto, não parece demais repeti-lo, se um país mantiver um saldo nulo nas contas externas, como obriga uma política não mercantilista que vise, simultaneamente, salvaguardar a soberania nacional, o setor privado só terá mais receitas que despesas, ou seja, só terá superávite, se o setor público incorrer em défice.
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