Na apresentação do seu pacote para a habitação, no qual, entre outras medidas, se defende que os privados reabilitem os imóveis de propriedade pública e os coloquem no mercado, «através de concursos para a sua privatização», o presidente da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, afirmou que o mercado foi «muito condicionado [pelo Estado] nos últimos anos e nas últimas décadas e é precisamente por isso é que os resultados estão à vista».
Os resultados que estão à vista são, evidentemente - e nisso é fácil estar de acordo com o presidente da IL - uma profunda crise de habitação, que afeta não só Portugal mas também a generalidade dos países europeus. A lata suprema da IL é, contudo, achar que a crise resulta do facto de o mercado ter sido «muito condicionado» pelo Estado «nos últimos anos e nas últimas décadas».
Do que a IL e Rui Rocha convenientemente se esquecem é que, por essa Europa fora, não só a tendência nas últimas décadas foi de alienação do parque habitacional público, como o peso relativo da despesa pública na promoção direta de alojamentos é muito inferior à despesa em Saúde, Educação e Proteção Social. De facto, o Eurostat mostra que se entre 1995 e 2021 a despesa em Habitação é de apenas 2%, as percentagens de despesa na Saúde, Educação e Proteção Social rondam, respetivamente, 14%, 10% e 40% do total. Estado a mais na habitação, a sério?
Quanto a Portugal, e em linha com os países do sul europeu (com Estados Sociais tardiamente criados), não só a oferta pública de habitação é comparativamente exígua (apenas 2% do total de alojamentos), como os níveis de regulação do arrendamento (e do mercado de compra e venda, já agora), são praticamente inexistentes.
Mais: se há momento na história da política habitacional do nosso país em que a despesa pública global no setor foi mais expressiva, é justamente o período de apoios públicos massivos à aquisição de casa própria, que não são outra coisa que intervir, subsidiando, através dos privados. Nada que impeça os nossos liberais, contudo, de falar em «falta de confiança» por parte do mercado, alegadamente «muito condicionado» pelo Estado. É preciso ter lata.
De resto, as propostas da IL são apenas, portanto, mais do mesmo. A crença no mercado como mecanismo eficaz de provisão (e o Estado que apoie e não atrapalhe), com os «resultados que estão à vista». O pacote da IL é uma espécie de dose requentada das políticas essenciais seguidas nas últimas décadas e que nos trouxeram até aqui. A uma crise a que se somam os desafios colocados pelas novas procuras especulativas (de um investimento estrangeiro potencialmente insaciável à subtração de habitações para fins turísticos), e que a IL não quer enfrentar, preferindo tentar criar a ilusão de que o problema é a regulação pelo Estado e não um mercado a funcionar em roda livre.
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2 comentários:
Vendedores de banha da cobra, sempre os houve, só que limitados aos espaços das feiras, não nesta feira universal de vaidades, de certezas, quase tão velhas, quanto o mundo, uns mais enriquecendo, com a pobreza de outros, que a arrogância não tem limites, embora se disfarçando com tudo o que dê para a disfarçar.
Então não havia de haver incentivo para a aquisição de casa própria? Como é? As câmaras ficavam sem o pilim da sisa e sucessor? Lembra-se de Helena Roseta dizer que as câmaras tinham aqui uma espécie de fabrico de moeda? Por alguma razão nos bairros novos muito raramente há jardins e espaços comuns. Como diria uma comediante numa rábula de há muitos anos, fazendo o papel de viúva de um talhante, para o falecido do focinho ao rabo era tudo bife. Medina e Moedas só não ergueram uma torre em frente do terreiro do paço porque isto não é o Mónaco.
Habitação social? As câmaras querem os cofres cheios e não vazios. Era o que faltava, despesa com gente que não tem onde cair morta e que às tantas até nem querem no bairro.
Ah, os da IL querem por à venda os edifícios públicos? Acho bem. Podem começar pelo coliseu do Porto e de Lisboa. T1 a montes, com direito a alojamento local.
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