terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Os «bodes expiatórios» também deixam pegadas

Rejeitando o seu contributo para a escalada dos preços das casas nos principais centros urbanos desde 2013, diversos representantes e agentes do setor queixam-se recorrentemente, por vezes com surreal dramatismo, que o Alojamento Local está a ser usado como «bode expiatório» da crise habitacional que o país atravessa.


Apesar do crescimento vertiginoso que foi registando (com o número de unidades a passar de cerca de 6 mil para 96 mil em todo o país entre 2011 e 2021), e da sua concentração nas áreas metropolitanas e no Algarve (que perfazem 75% da oferta total), o Alojamento Local não é, certamente, o único responsável pelo aumento dos preços da habitação nas principais cidades do país. Haveria que considerar, com efeito, o impacto de outras novas formas de procura, em muitos casos especulativas, tanto nacionais como (e sobretudo) estrangeiras. O que não se pode sugerir, contudo, é que o Alojamento Local não tem nada que ver com isto.

Considerando o caso de Lisboa, importa desde logo assinalar que o número de unidades de AL passou de cerca de 200 para 19 mil entre 2011 e 2021. Quando, no mesmo período, a capital perde - de forma inédita - cerca de 6 mil casas. E é de facto em freguesias onde a redução de população e de famílias residentes foi mais pronunciada, que o número de habitações mais decresce. O caso de Santa Maria Maior e da Misericórdia são, a este respeito, lapidares: perdem, no seu conjunto, cerca de 4,7 mil casas, ao mesmo tempo que o Alojamento Local aumenta em cerca de 8 mil novas unidades.

Sim, os «bodes expiatórios» também deixam pegadas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Não sei se viveu em Lisboa nestes últimos anos, ou viveu numa cidade alternativa.
Vivi sempre perto de Lisboa. Perto porque quando a minha geração quis uma casa própria para habitar, era incomportável viver dentro da capital. Talvez não saiba mas as pessoas que vivem nos subúrubios feíssimos de Lisboa que cresceram como cogumelos desde os fins dos anos sessenta, não vivem lá por mau gosto, não têm outro sítio para viver (deve ser por causa do AL). Desde que eu sou gaiato que oiço falar na desertificação da Baixa (as tais freguesias da Mesericórdia e Santa Maria Maior), aquilo era só bancos, agora é só hótéis, nunca ninguém tentou disciplinar o alojamento da Baixa e e agora não mora lá ninguém (deve ser do AL).
Os bairros históricos têm casas com mais de 200 anos, algumas nem instalações sanitárias têm, ninguém quer lá viver, mas sendo bairros históricos se um particular quiser mudar algo tem de esperar anos por uma licença que é indeferida (a menos que tenha uma cunha na Câmara), moral da história: deixa-se os prédios cair que fica mais barato do que arranjá-los e deixá-los vazios (aqui o AL permitiu alguma renovação, mas quando acabar volta tudo ao mesmo)
O Estado tme estado a vender edifícios devolutos ao desbarato no centro da cidade - O Hospital da Marinha, o Hospital do Desterro, o Hospital Miguel Bombarda, vários edifícios de tribunais, quantos são destinados a habitação a custos controlados? (a resposta é um número redondo). Mas a culpa disto deve ser do AL.
Quantas medidas de reordenamento do território são apresentadas no pacote milagreiro da habitação? Uma, a extinção do AL.
Realmente não parece nada que o AL esteja a servir de bode expiatório.

Nuno Serra disse...

Caro desconhecido,
Presumindo que leu o texto na íntegra, duas ou três notas:
Tive o cuidado de sublinhar que o AL não é o único responsável pela subida vertiginosa dos preços da habitação em Lisboa, sublinhando outras formas de nova procura que, juntamente com o AL, ajudarão a explicar essas subidas;
Constatará, se consultar as várias edições dos Censos, que sendo certo que o centro histórico da cidade perde população e famílias há várias décadas, nunca essa perda teve quebras tão acentuadas como as registadas na última década;
Não questiono o contributo do AL para a reabilitação de muito do edificado degradado, nem os seus benefícios ao nível do turismo e do emprego. A questão é a do desequilíbrio profundo entre a função turística e o seu impacto no tecido residencial, com todas as deseconomias e disfuncionalidades que esse desequilíbrio gera.
Por último, a dicotomia fatalista do «sem AL não havia reabilitação urbana» é falso. Parte da ideia de que o Estado não podia ter tido, ao longo das últimas décadas, uma política ativa e robusta de reabilitação urbana, capaz de travar o despovoamento do centro.

Anónimo disse...

Caro senhor
Teve o cuidado de sublinhar que o AL não é o único responsável pela perda da população. Não parece é preocupar-se com os outros fatores, pois nem uma palavra escreve sobre processos de controlá-los.
Acentua que a perda de população se acelerou nos últimos anos. Daí depreende que se deve sobertudo ao AL, não explica como faz essa dedução. Se os outros fatores se itensificaram também porquê esta preocupação tão grande com o AL em deterimento de todos as outras causas?
Nunca afirmei que a renovação da cidade não era possível sem o AL. O que se constata é que ela não existiu sem ele. Se era possível doutra maneira certamente, resta saber porque não se concretizou.
o AL, tal como os senhorios dos tempos de Salazar, do congelamento das rendas são o alvo perfeito, a sua atividade perturba e não se prejudicam interesses mais fortes. Ninguém se preocupa com os fundos imobiliários, com as cadeias hoteleiras ou com o gestores de edifícios públicos, esses têm poder. Não há nenhuma medida destinada a eles.
Se essa não é a definição de um bode expoiatório não sei qual será.

Nuno Serra disse...

Caro leitor,
Eu não sei se o AL é o grande responsável, entre as diferentes formas de procura externa e especulativa que fez subir os preços da habitação. Para isso, teríamos que saber qual o seu peso/relevo no conjunto.
A questão é que o AL é, entre essas diferentes formas, a procura que é possível apurar à escala dos concelhos e das freguesias. E nesse ponto tem razão: sem conhecermos a incidência territorial dos restantes fatores não podemos aferir da sua relevância (sendo certo que é um fator relevante, como mostra o rácio entre alojamentos turísticos e alojamentos residenciais).

Anónimo disse...

Mas porque escolheu então viver nos subúrbios, se tinha tanto AL á disposição? Afinal o AL serve a quem? Se as casas do centro das cidades eram assim tão precárias e desprovidas de condições, como é que servem então para AL? E já agora, valores... Qual foi a influência dos valores praticados pelos AL, na actualização dos valores médios das rendas ou aquisições? Será que um cidadão nacional tem a mesma capacidade de pagar os valores que o turismo cobra a quem está somente de passagem? Será que se consegue separar uma coisa da outra? Conseguirão os proprietários resistir á tentação? Afinal o AL influência ou não o custo ( e consecutivo desaparecimento da oferta) da habitação nos centros urbanos? E por fim, quem regula de facto os critérios do AL? Quem fiscaliza? Como é que são possíveis as cada vez mais frequentes questões de sobrelotação e condições no mínimo duvidosas, entre outras?

Anónimo disse...

O AL foi proibido no centro de Lisboa em 2018 ou 2019. Os preços das rendas e de venda continuaram a subir. Onde é que este facto entra na sua análise?

Anónimo disse...

Fica-se sempre sem perceber porquê o enfoque dado ao AL.
Como muito bem diz, não há estudos que digam que seja (ou não) o principal responsável pela crise da habitação.
A correlação que apresenta entre AL e diminuição de população não diz que o AL é a causa dela, na verdade nem chega a dizer se o AL não é consequência da desertificação.
Apesar das imagens apelativas, os velhinhos despejados para fazer AL são uma raridade. A grande maioria dos AL existente partiu da compra de casas vazias. As casas vazias precederam a instalação do AL, não foram esvaziadas por ele. Ninguém se pergunta porque há tantas casas a vagar no centro histórico, sendo ele tão apetecível.
Se não conseguimos aferir da relevância do AL na falta de oferta de alojamento, porque é que é o único fenómeno que tem direito a uma diretiva e radical, a proibição?
Não conto com o aluguer de casas vazias porque isso não passa de folclore, a maioria não está habitável ou entra na categoria de 2ª habitação, para as restantes, se o Estado alugar coercivamente 10 ou 11 casas no país todo será uma surpresa.

Nuno Serra disse...

Caro Anónimo das 08h06 (3 março),
Como referido num comentário anterior, diversos fatores - associados à procura externa de habitações (venda e arrendamento) contribuem para o aumento do preço das casas, sendo um deles o Alojamento Local (nomeadamente através do seu impacto na redução do número de habitações).
De um modo geral, creio que se pode dizer que há uma nova procura, de natureza externa e especulativa, constituindo alguns dos segmentos dessa procura investimentos que encaram a habitação como um ativo financeiro.

Anónimo disse...

Muito obrigada pela sua análise bem fundamentada e que coloca questões pertinentes relativas à penalização do AL que apenas deve ser regulamentado em função da taxa de ocupação sustentável dos bairros urbanos (em prática sem fiscalização), coexistindo com o arrendamento acessível a promover.