quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Ignorando o essencial


O P2 (segundo caderno do jornal Público) do passado domingo publicou um artigo de opinião de Augusto Santos Silva (ASS) com o título "Remédios contra o avanço da extrema-direita na Europa". Pois podem crer que, num texto de razoável dimensão e muito estruturado, ASS foi incapaz de apontar uma única causa para o avanço da extrema-direita na Europa. Uma única!

Na resposta à pergunta "Onde deve estar o foco da nossa atenção?" discorre longamente sobre o populismo mas não faz qualquer referência às políticas neoliberais que, no fundo, são a causa da frustração popular que, na falta de uma alternativa de esquerda convincente, se entrega ao populismo da extrema-direita.

Evidentemente, ASS passa ao lado da grande viragem para o neoliberalismo que a social democracia europeia - ou o socialismo democrático, como diz ASS, pressupondo que há partidos socialistas não-democráticos - fez a partir de Mitterrand e Tony Blair. O texto de ASS é patético quando o confrontamos com o testemunho pessoal e a análise de Karl Polanyi sobre a crise do sistema liberal e a ascensão dos fascismos:

"Durante o período de 1917-1923, os governos instalados recorreram ocasionalmente ao auxílio do fascismo tendo em vista a restauração da lei e da ordem; não era preciso mais para manter o sistema em funcionamento. O fascismo não era mais do que incipiente.
No período de 1924-1929, quando o restabelecimento do sistema de mercado [moeda no regime padrão-ouro] parecia assegurado, o fascismo apagou-se completamente enquanto força política.
A partir de 1930, a economia de mercado mergulhava numa crise geral. Passados poucos anos, o fascismo tornar-se-ia uma força mundial." (A Grande Transformação, 1944 - Edições 70, 2016, p. 451)

Uma vez que as políticas neoliberais ficaram consagradas nos Tratados da UE, e o euro é hoje o padrão-ouro sem as barras douradas - por isso, assunto tabu para ASS -, sendo estas políticas aplicadas com todo o zelo sob a bandeira das "contas certas", é pouco provável que Portugal possa escapar à ascensão da extrema-direita. Na realidade, em resultado das políticas neoliberais, da guerra, e das sanções à Rússia, toda a Europa já está em crise; vivemos num "tempo fascista".

Mantendo-se tudo como está, na esquerda e no PS, uma coligação PSD-Chega chegará ao poder e dar-nos-á o pior governo que alguma vez o País teve. Aliás, ninguém decente aceitará entrar nesse governo, pelo que só podemos mesmo esperar o pior. Lendo ASS, torna-se evidente que o PS vai continuar a contribuir para o crescimento da extrema-direita. Não tenhamos ilusões, uma alternativa de esquerda é mais que urgente.

(Ver este texto sobre a actualidade da obra de Karl Polanyi. O autor partilha as minhas preocupações políticas sobre os dias que estamos a viver.)

3 comentários:

Anónimo disse...

PS e PSD ao lado de partido fascista o que equivale a dizer que isto só é possível porque têm a mesma natureza.

Anónimo disse...

"....uma coligação PSD-Chega chegará ao poder...".
Da mesma forma como a presente Lei Eleitoral entregou o poder a uma coligação PS-PCP-BE: com votos, somados.

Anónimo disse...

Um verdadeiro Ass